Elza Soares @ Capitólio (17.07.2019)
No balanço final, tudo igual como antes: Deus é Mulher e Elza é as duas.
O regresso da deusa brasileira trouxe mais uma enchente ao Capitólio, ainda que desta feita ainda existissem entradas disponíveis à hora agendada para o concerto. Após uma marcante passagem pelo rebaptizado Mexefest, em 2016, e pelo NOS Primavera Sound no ano seguinte, Elza Soares voltou ao nosso seio para nos apresentar cara a cara o seu registo discográfico mais recente: «Deus É Mulher».
À hora marcada caiu o pano sobre o palco, para que a rainha possa instalar-se no trono à vontade e preparar-se para disparar as suas palavras sempre contundentes e com cariz social. Apesar de não patentear a frescura demonstrada nas ocasiões supracitadas, Elza Soares foi cumprindo a sua habitual missão, muita vez orientada pela dupla de MC’s em relação às entradas nas músicas. Os anos não perdoam, como é lógico.
O início do concerto não foi propriamente fulgurante. Tanto a banda como o próprio som emanado do palco soavam demasiado confusos, fazendo com que temas fortes como, por exemplo, «Maria da Vila Matilde» não tivesse o encanto do costume, apesar do público participar com o coro de “Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim”. É certo que a complexidade do agrupamento liderado pelo baterista e produtor Guilherme Kastrup é elevada, daí advém igualmente a riqueza da performance, que não vive apenas à sombra da voz de Elza. «Maria da Vila Matilde» foi um dos poucos momentos em que a actuação se desviou do último álbum, tendo em conta que apenas uma tríade de temas do poderoso “A Mulher do Fim do Mundo” foram interpretadas («Benedita» e «Luz Vermelha» foram os restantes).
Foi a partir de «Luz Vermelha» que as coisas começaram a carrilar, quase meticulosamente no equador do concerto, o primeiro tema que realmente nos fez tirar os pés do chão e gritar a letra. A qualidade do som incrementou e os próprios músicos parecem ter também sentido essa melhoria, dado que doravante pareceram mais concentrados e harmonizados com os companheiros de palco. As palavras de ordem entre músicas foram quase inteiramente dirigidas às mulheres, seguindo a temática do disco que ali se celebrava. Elza Soares não se cansou de dar força às mulheres, de puxar por elas, de pedir que se fizessem ouvir, não só ali como no dia-a-dia que ainda tende a passar-lhes por cima. Apenas uma das múltiplas injustiças contra as quais a cantora brasileira brada ao longo das suas canções, ela que nunca foi de ficar calada, nem mesmo nesta idade avançada.
O pano voltou a baixar, num falso alarme quanto ao términos do concerto. No final, Elza e sua banda regressaram ao nosso campo de visão, e repetiram o tema «Banho» e foi perceptível a diferença entre a primeira e a segunda interpretação. Os músicos estavam muito mais soltos na parte final do concerto, o que apenas beneficiou o espectáculo, visto que a musicalidade saiu mais autêntica. O bis de «Banho» foi precedido pelo fortíssimo «A Mulher do Fim do Mundo», de longe um dos temas mais carismáticos desta segunda vida da carreira de Elza Soares. O contraste entre a alegria carnavalesca e o sofrimento quotidiano que a maioria dos foliões aguenta é espelhado por uma letra potente, e que nos relembra que o samba nasceu precisamente no meio das gentes mais fustigadas e com menos razões para celebrar a vida.
No balanço final, tudo igual como antes: Deus é Mulher e Elza é as duas.
Alinhamento:
«O Que Se Cala»
«Banho»
«Eu Quero Comer Você»
«Maria da Vila Matilde»
«Língua Solta»
«Hienas Na TV»
«Clareza»
«Um Olho Aberto»
«Luz Vermelha»
«Benedita»
«Dentro de Cada Um»
«A Carne»
«Exú nas Escolas»
«Deus Há de Ser»
«A Mulher do Fim do Mundo»
«Banho»
Texto por Álvaro Graça e fotografia por Andreia Carvalho.
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