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“Em Câmara Lenta” / “O Dia Mais Feliz da Tua Vida”

A morte em perspectiva.

Na fase outonal da sua carreira, Fernando Lopes volta a filmar a figura do marialva, o bon vivant que gosta de copos, cigarrilhas ou cigarros, bares e mulheres mais ou menos decentes. Rui Morrison, a voz da rádio e do Pingo Doce, dá-lhe o corpo, envelhecido mas enxuto, capaz de atrair raparigas com metade da sua idade. Casado com Laurence (uma Maria João Luís que, à excepção de uma cena na praia em que espadeira, mal mete os pés no filme), Salvador (Morrison) engata uma mulher mais nova (Constança; Maria João Pinho), com quem enceta uma relação doentia e malsã. Em contra-ponto, está Santiago, interpretado por João Reis, o romântico, o apaixonado, o beberolas que se embebeda e recita os desgostos de amor vezes sem conta, de tal forma que todos os sabem repetir: o anti-marialva.

Fernando Lopes, ele próprio um sobrevivente (um dos últimos) do marialvismo lisboeta, faz uma espécie de auto-crítica: Salvador, o marialva, é (quase) incapaz de se embebedar de álcoois ou amor, é um homem que passa pela vida sem se deixar afectar (ou afecta que não se deixa afectar). De trás, vem a dor da morte de um irmão (o marialva é um man’s man) no mar. O mesmo mar que o chama e envolve (a imagem repete-se ao longo do filme).

O argumento de “Em Câmara Lenta”, escrito por Rui Cardoso Martins, que adapta o romance homónimo de Pedro Reis, giza uma interessante geometria amorosa (não se pode falar de triângulos amorosos, antes de intersecções diversas), a qual Fernando Lopes explora superficialmente, visto que o que o interessa verdadeiramente é Salvador e a sua trágica amante. As outras personagens são plenamente secundárias: Laurence, como já se escreveu, torna-se invisível passadas as primeiras sequências e Santiago é um mero supporting character, que existe para assistir ao drama dos outros dois.

Apesar do título, tudo se passa demasiadamente depressa (a longa-metragem não é assim tão longa; dura 70 minutos), numa vertiginosa sensação de abismo e desgraça, que acaba por aborrecer. Lopes procura um cinema plástico (a artificialidade das representações e dos diálogos) alicerçado em muitos movimentos de grua (não pára quieta) que não dirime essa sensação, antes pelo contrário. É que tudo parece forçado e cansado, quando não mesmo desleixado (os figurantes, por exemplo, são péssimos, o que não seria um problema muito grande não fosse serem tão proeminentes). Por outro lado, se Rui Morrison é um actor natural (embora, aqui resvale um pouco para a caricatura), Maria João Pinho prefere um registo histriónico um tanto insuportável.

Em complemento a “Em Câmara Lenta” surge “O Dia Mais Feliz da Tua Vida”, uma curta-metragem do actor Adriano Luz, que apesar do vinte minutos de duração faz arrastar a história de um doente acamado (paraplégico) e da relação pouco saudável que mantém com a mulher, que zela por ele e se dispõe a algumas humilhações. Filmada na claustrofobia de uma cozinha e um quarto, a curta oprime o espectador com intenção e depois sem ela, quando demora a concluir-se. E, se o argumento é fastidioso, a realização é meramente competente.

 

Estreia a 8 de Março.



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