Embargo
O horror do quotidiano.
O embargo do título da nova longa-metragem de António Ferreira (autor do simpático “Esquece tudo o que te disse”) tem menos a ver com a crise dos combustíveis do que com aquelas vidas tristes e cinzentas que povoam os subúrbios das grandes cidades e se atrofiam nas terras pequenas. Desse “país” lúgubre ninguém sai com vida, não há escapatória, e os sonhos são tolhidos pela dúvida e pelo medo.
O filme abre em modorra e vai mostrando aos poucos o horror do quotidiano. Um trabalhinho como mulher-a-dias, um part-time numa roulotte onde já não ninguém vai. Os sonhos vão sustentando estas vidas embargadas, até certo ponto, até não se poder mais. E não se pode, os ricos, a mulher, a filha, o mecânico, o gajo que passa na rua não querem saber de nós, ainda menos dos nossos sonhos. A pobreza é um estandarte que se brande quando alguém quer sair da norma.
A partir do momento em que o protagonista se vê encerrado no seu próprio carro, donde não consegue sair, o filme ganha um fôlego maior. Imagine-se a dificuldade de fazer as tarefas mais simples do dia-a-dia – urinar, ir para casa dormir ou ir trabalhar ou ir apresentar um projecto – quando não se consegue sair de um carro. São momentos de absurdo quase irresistíveis. Pena é que tanto Tiago Sousa, argumentista e editor, como António Ferreira, realizador, não tenham sabido levá-los às suas últimas consequências, ao cúmulo de psicopatia das comedias românticas de antanho, as chamadas “screwball comedies”. E podiam tê-lo feito, podiam ter explorado melhor a desgraça do protagonista, acirrado a sua dor, aumentado assim o nosso riso. Há excesso de complacência em relação à personagem.
Filme descentralizado, “Embargo” aproveita o que tem de si mais perto, isso dá-lhe uma rede de cúmplices, que por vezes não se encontra na grande cidade. E os actores (e não-actores) funcionam bem no filme, acrescentam-lhe naturalidade e característica. Mas apesar da curta duração do filme sente-se que há coisas a mais. Como se se quisesse esticar algo que, por motivos financeiros ou outros, não dá para tanto. Como se um alfaiate pegasse num fato de um petiz e quisesse que servisse a um adulto, apenas fazendo alguns remendos. Existe uma bela média-metragem em “Embargo” enxertada com cenas e planos supérfluos.
Retenho-me numa imagem: Um carro solitário a percorrer uma estrada vazia, as cores amarelecidas, de um futuro datado. Em “Embargo” até o tempo está parado, nuns irreais anos 80 (menos por nostalgia do que por anacronia). A “salvação” do protagonista – sob a forma de coelho ex-machina – é uma rendição, a conformação a uma vida que não se deseja a ninguém. O final, aparentemente feliz, é o de que mais claustrofóbico o filme tem.
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