“Ensaio” @ Cannes – Diário de Bordo
Acompanhem o dia-a-dia de Dinis Costa e Rúben Santos, realizador e produtor de "Ensaio", curta-metragem que tem estreia mundial agendada na secção Short Corners
Dia 15 de Maio
Chegamos hoje (15 de Maio) à cidade de Cannes, marcando assim presença na 65ª Edição do Festival International du Film na secção do Short Corners. Enquanto o Festival prepara os últimos arranjos para a abertura, nós organizamos a divulgação da curta-metragem “Ensaio”, projectando o seu percurso através deste grande mercado cinematográfico. De dia 16 a 27 de Maio vamos fazer um relato diário do nosso percurso no Festival. Acompanhem-nos.
Dinis Costa, Rúben Santos
Dia 16 de Maio
Começamos hoje a estruturação que primeiramente assenta na base de promoção do “Ensaio” no Short Film Corner. Esta secção abre-se num recinto amplo, recebendo nos seus corredores uma diversificada comunhão de obras oriundas de todo o mundo. Entre produtores e compradores estabelecem-se ligações de interesse, potenciando o mercado da sétima arte, entre plataformas televisivas e programações de ulteriores festivais de Cinema. A curta-metragem “Ensaio” tem exibição marcada para a próxima segunda-feira, dia 21 de Maio.
Circundando o Palais des Festivals, descobrimos o Village International, um espaço povoado por dezenas de tendas que contam com a presença de múltiplos países. Esta pequena Vila Internacional aparece como uma micro representação comercial do Cinema, onde cada tenda expõe as respectivas filmografias nativas. Estranhamente não encontramos nenhuma tenda portuguesa.
O Marché du Film encontra-se nas traseiras do Palais des Festivals, sendo uma das áreas de maior dimensão do Festival. Aqui encontramos as bancadas de grandes produtoras, financiadoras e distribuidoras, facultando informações acerca das suas empresas e respectivos projectos. Um mercado globalizante, onde se destaca a presença de filmes asiáticos fortemente influenciados pela cultura ocidental.
Às 19h15 deu-se a cerimónia de abertura do Festival, abrindo com a exibição do último filme de Wes Anderson, “Moonrise Kingdom”, que contou com a presença do realizador e dos actores Bruce Willis, Edward Norton, Bill Murray e Tilda Switon.
Dos 22 filmes em competição daremos prioridade ao visionamento de “Amour” de Michael Haneke, “On the Road” de Walter Salles e “Cosmopolis” de David Cronenberg com produção de Paulo Branco.
O nosso Diário de Bordo vai-se fazer acompanhar de uma pequena crítica a alguns destes filmes.
Dinis Costa, Rúben Santos
Dia 17 de Maio
Hoje tivemos a oportunidade de entrar no The Grand Théâtre Lumière para assistir ao filme em competição “De Rouille et d’os”, de Jacques Audiard. Na bancada central encontramos alguns dos constituintes do Júri da Competição Oficial – Nani Moretti, Diane Kruger e Ewan McGregor.
“De Rouille et d’os” pode muito bem ser colocado nesta espécie de linhagem estética do autor, dominada por uma mesma unidade crua que tem vindo a categorizar os últimos filmes de Audiard – “A Prophet” (2009) e “De battre mon couer s’est arrêté” (2005). Com uma narrativa minimalista conduzida por dois centros díspares, o filme revela-nos os quadros interiores de duas personalidades dissemelhantes, entregues a um drama regido pelo caos do acaso, por situações fora de controle.
Alain (Matthias Schoenaerts) e Stéphanie (Marion Cotillard) são os pontos altos do filme, suportando uma sensação de vazio sistematizada, inerente a uma ânsia de hiper-realismo que tende a fracassar na escassez da comoção. Encontramos uma certa estagnação dramática, na qual a vulgarização da trama se esconde no estilo – uma crueza que começa a arquitectar os lugares comuns do Cinema de Audiard.
A realização é segura, mantendo-se muito fiel aos universos explorados – que infelizmente parecem mudar numa constante. É um guião algo negligente, abandonando pontos de situação para os reaver tardiamente, dispondo de demasiada trama por desenvolver.
Os dois acidentes trágicos de “De Rouille et d’os”, que suportam toda a estrutura subsequente, são sem dúvida alguma os melhores momentos do filme. A planificação exerce um papel crucial, propondo uma recolocação da perspectiva – aquilo que não vemos é altamente potencializado pelos pedaços fracturados que antecedem e precedem o acidente em si. São dois momentos pujantes, fortes, impactantes, secos – pena a contextura não acompanhar estes dois ensejos de filme.
À noite estivemos presentes no Firefox Flicks Party no Plage des Palme onde foram premiados os melhores vídeos promocionais deste browser, que tiveram como presidente do júri o actor Edward Norton.
Dinis Costa, Rúben Santos
Dia 18 e 19 de Maio
No decorrer destes últimos dois dias deparamo-nos com uma série de filmes que complementam as restantes plataformas do Festival – Un Certain Regard, Hors Compétition, Cannes Classics, Quinzaine des Realisateurs e Semaine de la Critique. Por entre as exibições às quais não conseguimos comparecer, destacamos os filmes – “Student” de Darezhan Omirbayev e “Antiviral” de Brandon Cronenberg (ambos no Un Certain Regard) e “Liv & Ingmar” num Screening da Svenks Filmindustri.
“Student”, do Cazaquistão, é uma adaptação da obra mais popular de Fyodor Dostoyevsky – “Crime e Castigo”. O filme conta a história de um estudante universitário de Filosofia que sofre de falta de dinheiro, revolvendo-se numa sensação bizarra de solidão. Um dia a dona de uma loja torna-se na vítima criminal do estudante. O sentimento de culpa cresce na sua mente, patenteando as distinguidas temáticas da obra original de Dostoyevsky – a indiferença da iliberalidade, a ausência de Deus num mundo sem regras, a percepção material das coisas e o niilismo intemporal do índole adolescente.
Um desafio curioso num filme pouco falado, que arrisca a transportar o poderoso “Crime e Castigo” para o Cinema. Resta-nos esperar pela possível chegada de “Student” a Portugal.
“Antiviral” do Canadá é a primeira obra do filho de David Cronenberg – Brandon Cronenberg. Notam-se as influências do pai na plasticidade da imagem e no incomum trato da narrativa, propondo-se o jovem Cronenberg a acompanhar o género da ficção-científica aliando-o à veracidade austera do mundano.
“Liv & Ingmar” é um documentário sobre a relação estabelecida entre a actriz Liv Ullmann e o realizador Ingmar Bergman. Apresentado pela Produtora que acompanhou estes dois ícones Suecos durante o trato das suas obras, o documentário presta uma homenagem a duas das figuras mais importantes do Cinema Europeu.
Amanhã vamos assistir ao filme em competição de Michael Haneke “Amour”, com Jean-Louis Trintignant, Emmanuelle Riva, Isabelle Huppert e a portuguesa Rita Blanco.
O “Ensaio” continua o seu percurso no Festival, sendo auto-promovido por diversas bancas de compradores e distribuidores de vários países, projectando já o seu curso para futuros festivais e cadeias de televisão.
Dinis Costa, Rúben Santos
Dia 20 e 21 de Maio
“Amour” de Michael Haneke, tal como as suas obras anteriores, não é um filme fácil. É um reflexo pesaroso e destilado sobre o tema amor, levando-o ao derradeiro confronto com a passagem do tempo. Poderá vir a ser referido como um filme lento, sem emoção, que leva até ao limite o sentido de passagem e a falta de composição narrativa. “Amour” é, no entanto, uma obra frugal e rigorosa, apresentando-nos um retrato extremamente franco e arrojado sobre a velhice. Claustrofóbico e intimista, as suas cenas reflectem com dureza e serenidade os estados terminais da fisicalidade humana, pondo a descoberto a fragilidade do corpo e da mente. Sem abandonar a sua marca (os seus tratos comuns na realização) Haneke trata a duração dos planos na estagnação dos cortes, arrastando as acções no tempo e no espaço. Existe um controle absoluto de tudo aquilo que é confinado aos quadros, fornecendo um ambiente envolvente e coeso construído sobre uma regra minimalista.
O casal de veteranos Emmanuelle Riva e Jean-Louis Trintignant obedecem e completam os propósitos cénicos de “Amour”, vindo assim a obsequiar o filme com uma interpretação formidável que requer o contacto directo com a sua própria mortalidade e fragilidade física.
Não existe uma exposição dramática exagerada, ausentando-se o controle excessivo do cinema para fornecer uma brutal transposição do espectador para a realidade do filme. Entre os silêncios e os prolongamentos da solidão compartida, Haneke demonstra um olhar comedido sobre este tema, brutal na sua claustrofóbica aproximação às personagens. Não deixámos no entanto de achar que o desfecho do filme é algo irresoluto e incompleto, colocando-se aquém dos seus propósitos.
“Room 237” (Director’s Fortnight’s) de Mark Adams foi mais um dos filmes que não conseguimos ver durante a nossa estadia no Festival. Este documentário desenvolve-se em torno dos cultos criados sobre a obra de Stanley Kubrick – “The Shining”.
Hoje (dia 21 de Maio) deu-se a exibição da curta-metragem “Ensaio”. O filme teve uma boa receptividade, levando a audiência a uma interpretação múltipla e controversa sobre a narrativa e as temáticas abordadas.
Dinis Costa, Rúben Santos
Dia 22 e 23 de Maio
Após a exibição da curta-metragem “Ensaio” na passada segunda-feira, prosseguimos o nosso percurso no Festival expondo a curta-metragem às diversas plataformas de exibição e distribuição existentes no Marché du Film.
Ontem (dia 22 de Maio) assistimos à exibição do filme “Operation Liberdad” de Nicolas Wadimoff, no Director’s Fortnight. O filme conta com a participação dos actores Laurent Capelluto, Stipe Erceg, Natacha Koutchoumov, Karine Guignard, Antonio Buil e Nuno Lopes. “Operation Liberdad” situa-se no ano de 1978, contando a história de um pequeno grupo revolucionário que força a entrada num banco Suíço em Zurique. O grupo filma na íntegra todo o plano de acção, de forma a provar a colisão entre o sistema financeiro Helvético e a ditadura. O espectador só tem acesso àquilo que se encontra registado nas cassetes, tomando o filme a forma de um documento que pretende passar por real – mockumentary.
A sensação de home movie falha, prendendo-se a uma concepção ambígua e mal construída sobre o relato autenticado. Os cortes e os tempos obedecem a uma planificação comum, como se tivesse uma equipa de rodagem instalada durante os actos do grupo – e não apenas um rapaz e uma câmara. Não há uma verdadeira construção caseira, pois o filme aprisiona-se a um desenrolar idêntico àquele que encontramos em qualquer outro filme do género. Em simultâneo as personagens são planas e fastidiosas, desaproveitando largamente o excelente e diversificado elenco. Não entendemos os motivos que as movem, ausentando-se uma presença antagónica ditatorial – fundem-se no vazio os porquês, os domínios da revolta e o enfâse dos seus actos.
Com o desenrolar do Festival perdemos mais dois filmes em competição – “Killing them Softly” de Andrew Dominik e “You ain’t seen nothin’yet!” de Alain Resnais.
Hoje (dia 23) vimos o filme em competição “In Another Country” de Hong Sang-soo, com Isabelle Huppert. O filme é uma espécie de tributo ao cinema Francês, com ecos forçados das marcas da New Wave sem lugar nesta incipiente e irrisória obra sobre coisa nenhuma. Dividido em três partes, “In Another Country” conta a mesma história repetidamente, na qual vemos o encontro entre Huppert e o povo da Coreia do Sul. O plot e os diálogos são sempre os mesmos de episódio para episódio, mudam apenas as circunstâncias e a colocação das personagens frente ao mundo. Invariavelmente o trajecto de Huppert toma o mesmo curso, e vemos as mesmas situações repetidas, contidas em contexturas variadas. Esta ideia de reinterpretação do mesmo plot em ambientes diferentes , tomada no Festival como original, foi já feita por Har Hartley em “Flirt”. Para além da base estrutural do filme, Hong Sang-soo repisa um enredo sem interesse, engrandecido na duplicação, com momentos idióticos e deslocalizados. Huppert, perdida nesta fábula forasteira, limita-se a fazer uns gracejos sem jeito, completando a incipiência do filme com uma interpretação igualmente obtusa.
Dinis Costa, Rúben Santos
Dia 24 de Maio
Depois de mais de cinco décadas de infundadas adaptações, a obra literária de Jack Keroauc de 1957 sobre a geração Beat chega finalmente ao grande ecrã. O filme de Walter Salles “On the Road” (em Competição) vai ao encontro do domínio do realizador brasileiro – o road movie – no qual as personagens são encaminhadas num percurso sem fim, à deriva, com portos mutáveis/ alteráveis. O filme tem um bom casting, liderado por Sam Riley, Kristen Stewart e um fervoroso e descontrolado Garrett Hedlund; um trabalho de câmara cuidado suspenso entre os movimentos céleres da década, e uma banda-sonora poderosa num moody jazz. Tudo o resto se perde nesta corrida através dos Estados Unidos, neste ponto de escape contínuo em direcção a lado nenhum. O espírito da época é bem captado, todo o bebop da altura preenche as rotas do protagonista Sal (Riley), e sentimo-nos fascinados pelo irregular e irrepreensível Dean (Hedlund). Mas o sentimento esmorece na euforia transgressiva do filme. Ficam apenas cenas soltas, compondo situações musicais e momentos de passagem, cuidando a imagem com ícones e palavras líricas sobre um tempo que não entendemos totalmente, porque ele passa a correr.
Meio adaptação, meio biopic, o filme atravessa a vida de Keroauc entre o anos de 1947 e o anos de 1951, altura em que o autor desenvolveu a sua amizade com Neal Cassady (protagonista da obra). De Nova Iorque a Denver, à California, Sal, Dean e Marylou (Stewart) aparecem em “On the Road” como figuras à deriva, sem propósitos, sem objectivos palpáveis. Nunca chegamos a entender quem são realmente todas aquelas personagens, e porquê assistimos àquele período de vida onde nada aparentemente acontece.
Ao contrário de “Central do Brasil” (1998) e “Diários de motocicleta” (2004), Salles não atinge a modelagem emotiva entregue pelos espaços percorridos – existe um vazio inerente aos propósitos e aos pontos de situação.
Dinis Costa, Rúben Santos
Dia 25 e 26 de Maio
Ontem vimos a reprise do filme em Competição “Post Tenebras Lux” de Carlos Reygadas – México. De entre as obras em Competição esta foi sem dúvida a que nos submeteu a um visionamento mais pesaroso e extenuante – o filme é um total absurdo, egotista e irresoluto, cujo significado só o autor conhecerá, escondendo-se numa emaranhada sucessão de situações sem uma conexão lógica. Com alguma surpresa notámos que a opinião é unânime no Festival, por entre a crítica e a audiência “Post Tenebras Lux” tem tido uma aceitação difícil, sendo o âmago da questão demasiado claro – o filme chega-nos como um filme caseiro, pretensioso e forçosamente provocador. Reygadas vai ainda mais longe na sua autolatria grosseira, e opta por filmar grande parte do filme com uma lente que fractura a lateralidade da imagem, duplicando-a e desfocando as bordas dos quadros. Para quê? Presumivelmente para criar uma ligação entre dois mundos, como se o universo do sonho perscrutasse a realidade na rememoração. E depois? Não deixa de ser desagradável e inestético. Parte da audiência abandonou a sala, equiparando-se as desistências apenas com a projecção de “Cosmopolis” (já lá chegaremos).
Reygadas não pretende ser claro naquilo que mostra, e renega todos os cânones narrativos – não há uma linha condutora, surgindo saltos constantes no tempo (tanto para o futuro como para o passado), bem como sucessivas presentações de situações paralelas (um jogo de rugby na Inglaterra, um Satanás em CGI luminoso com uma caixa de ferramentas, etc.). Um continuado de sonhos e memórias, tópicos alternados entre a violência e o sexo enquadrados num retrato cultural semi-autobiográfico. O que é que o autor está a tentar demonstrar? A resposta não existe, porque ela não interessa. O lugar dos filmes caseiros é na prateleira de quem os faz.
Nos primeiros 10 minutos ainda conseguimos ser cativados por um bom prólogo, enigmático e desalentador, no qual uma criança se perde numa paisagem fantasista perseguindo vacas, cães e cavalos. O sonho torna-se pesadelo com a chegada da noite, e a desolação da infância ganha uma densa forma no ecrã. Na escuridão total relâmpagos estrondosos revelam o título do filme, e depois surge o referido Satanás vermelho… e a partir de aí segue-se uma lenta e repetitiva sujeição ao absurdo. Paisagens de família na praia, cães violentados e torturados, saunas de sexo na Europa, um jantar de família onde se cita Tolstói e Dostóievski, chuva de sangue (…) e por aí adiante. Uma necessidade intrínseca de se demonstrar provocativo e complexo… o que vemos é oco e pouco original.
Hoje (dia 26) assistimos à terceira obra de Jeff Nichols “Mud”. Apesar de se apresentar com uma fórmula clássica e revisitada sem grandes surpresas, Nichols aparece em Competição com o seu filme mais simples. As faltas narrativas de “Mud”, bem como alguma inabilidade na realização, são factores suportados pela riqueza do elenco. As duas crianças, bem como Matthew Mcconaughey entregam a “Mud” três figuras sedutoras e emotivas, bidimensionais na sua deliberada credulidade.
Seguidamente vimos o reprise de “Cosmopolis” de David Cronenberg, um dos filmes em Competição mais esperados no Festival. Este revelou-se um dos piores filmes do realizador. Com a chegada do trailer há uns meses atrás foi marcada uma posição – Cronenberg recuaria na sua filmografia, e recolocar-se-ia no seu Cinema de género, abandonando finalmente o curto desvio patenteado pelos últimos filmes – “History of Violence”, “Eastern Promisses” e “Dangerous Method”. Esperávamos um recuo estilístico arrojado, um reencontro com as suas temáticas da degeneração física, da fusão da carne com a tecnologia, do choque entre a sexualidade e a violência. O que acontece em “Cosmopolis” é outra coisa, difícil de explicar – ou até fácil mas redutora: negligência. Cronenberg referiu que levou apenas 6 dias a escrever o argumento… não nos surpreende.
A adaptação do livro de Don DeLillo é precipitada, preguiçosa e irreflectida, sujeitando “Cosmopolis” a uma artificialidade saturante. Não há acção em todo o filme, mas sim curtos episódios dominados por monólogos entre duas personagens, sem dinamismo ou real entendimento do conteúdo. Todas as palavras parecem sair de uma mesma consciência, demasiado estilizada, com uma densidade dissemelhante ao teor dos diálogos. Não há uma verdadeira adaptação, mas sim a sensação de que o livro foi directamente transposto para o Cinema sem o mediador do argumento. Todo o elenco parece subjugado/ dominado por um texto corrido, robotizando as interpretações. Robert Pattinson faz um desempenho linear e trémulo do protagonista multimilionário Packer, debitando texto incessantemente, sem dramatismo. Inevitavelmente “Cosmopolis” cria uma sensação de estranheza curiosa, na qual todo o hemisfério tecnológico/ político do século XXI parece enclausurado na especulação, no devaneio da verborreia. Mas não há nenhum caminho para esta superficial interpretação da obra de DeLillo, o trajecto de Packer parece dominado pela aleatoriedade de uma subestrutura postiça. Em vez de um Cronenberg altamente consciente dos universos trabalhados na alienação da ficção-científica, encontramos um Cronenberg no palco rocambolesco da teatralidade – actos suspensos sobre a capital do novo século, com uma comédia bizarra e forçada.
Em simultâneo “Cosmopolis”, na forma, parece um rough cut, inacabado, pontuado por silêncios que reflectem algum amadorismo. Praticamente não há som ambiente, e a banda-sonora manifesta-se com aleatoriedade, dando importância a alguns diálogos que em nada se diferenciam dos restantes. A imagem é pouco cuidada e os cenários são pobres, dignos de um filme barato de Série B. As ruas depopuladas sem movimento, os actos encenados, e a ausência de ruído despem o filme, fragilizando o ambiente futurista. Não há sentido de entrega da parte de Cronenberg – “Cosmopolis” não passa de uma obra ligeira, comissionada, sem um autêntico desígnio fílmico.
O Festival termina amanhã com a sessão de encerramento às 19h15, tendo já finalizado a Quinzaine des Realisateurs, o Short Film Corner. e a a Semaine de la Critique (com a exibição do do filme português na sessão de encerramento “Manhã de Santo António” de João Pedro Rodrigues).
Dinis Costa, Rúben Santos
Dia 27 de Maio
Hoje foi o último dia da 65ª Edição do Festival de Cannes. Para terminar a nossa estadia no Festival assistimos ao reprise dos filmes em competição “Killing them Softly” de Andrew Dominik, e “Jagten” de Thomas Vinterberg. “Jagten” facultou a Mads Mikkelson o Prémio de Interpretação Masculina.
O vencedor de Un Certain Regard foi o filme Mexicano “After Lúcia” de Michel Franco. Tim Roth, presidente do Júri de Un Certain Regard referiu:
“This was an extraordinarily strong group of films and our deliberations were passionate.” (…)
“The filmmakers never once failed us! Incredible!”
O vencedor do Directors Fortnight foi o filme Chileno “No” de Pablo Larrain , com Gael Garcia Bernal.
A Palma de Ouro foi para “Amour” de Michael Haneke – um dos melhores filmes que vimos nesta edição. O Grand Prix foi para “Reality” de Matteo Garrone. O Prémio do Júri foi entregue a Ken Loach por “The Angels’Share”.
Dinis Costa, Rúben Santos
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Votos de grande sucesso.
Irei acompanhar o percurso.
Beijinhos