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Steven Saylor

Entrevista com o autor de "A Ira das Fúrias"

Poucas palavras haverão para descrever laços fortes que se mantêm à distância. Steven Saylor é, para mim, uma dessas referências. Talvez tenha sido até o único a ensinar-me pormenores práticos da vida de escritor e a transmitir-me a persistência que ela exige.

A propósito do seu último livro, “A Ira das Fúrias”, o Steven concede-me a entrevista que se impunha, chegando mesmo a ultrapassar algum do protocolo editora-imprensa.

Laços que não se explicam, mas que se sentem entre as palavras que se seguem.

RDB: Steven! Há muito que não falávamos…

Steven Saylor: Sim, estivemos juntos na minha última visita a Lisboa, em 2008. Estive na cidade para falar na International Conference on Anciente Novels e a minha editora, a Bertrand, deu-me a oportunidade de falar na sua loja. Muito aconteceu desde então, tanto no nosso mundo como na Série Sub-Rosa sobre Gordiano.

Agora temos o teu novo romance, “A Ira das Fúrias” … Qual é a ideia por detrás do livro?

Depois de viajar por todo o mundo em “As Sete Maravilhas do Mundo”, e de salvar a sua amada Bethesda de raptores ( juntando-se a um esquema para roubar o Sarcófago Dourado de Alexandre o Grande) em “Os Salteadores do Nilo”, o jovem Gordiano é atraído para a cidade de Éfeso. Isto acontece quanto o maior inimigo de Roma, o Rei Mitrídates, programa matar todos os romanos na Ásia Menor – todos os 80.000. Mitrídates já tinha criado um enorme crise de refugiados com os romanos a partirem do seu exército conquistador para todas as direcções; agora ele quer pôr em prática aquilo a que poderemos chamar uma “limpeza étnica”. Como romano em território hostil, Gordiano encontra-se em grande perigo e tem de usar toda a sua perspicácia para se salvar e às pessoas de que gosta.

capa Steven Saylor

Todos sabemos, pelo resultado, que a tua pesquisa é muito bem efectuada. Como é que fazes para obter todos estes factos deliciosos?

Eu tenho três objectivos em cada romance: primeiro, focar-me num episódio histórico especialmente fascinante; segundo, inventar um plot misterioso e inteligente, com muitas surpresas; e terceiro, elevar o meu trabalho até uma obra séria que prenda o leitor emocional e intelectualmente, chegando a uma conclusão satisfatória na última página. A pesquisa histórica proporciona-me a magnífica matéria-prima, recheada de personagens memoráveis como o Rei Mitrídates e eventos chocantes como o do massacre dos romanos na Ásia Menor. Para trabalhar os detalhes complicados, tenho os olhos e os ouvidos de Gordiano como participante e observador, dado que os romances são contados pela sua voz.

O leitor moderno quer uma história que se mova rapidamente e cada livro apresenta-me desafios técnicos como autor

Muitos dos detalhes históricos são revelados pelo que ele vê e muito é transmitido através dos diálogos. O meu maior medo é parar a acção com uma enfadonha lição histórica. O leitor moderno quer uma história que se mova rapidamente e cada livro apresenta-me desafios técnicos como autor. Se eu for bem sucedido, o leitor não se apercebe disso, continuando apenas a virar as páginas.

Fotografia de Louis LaSalle

Fotografia de Louis LaSalle

Em “A Ira das Fúrias” existe um conflito entre duas “culturas” da Antiguidade, Roma e Grécia. O que pensas sobre as influências, pensamentos e formas de ser que delas herdamos?

No tempo em que o romance decorre, graças às conquistas de Alexandre o Grande, a cultura Grega tinha-se alargado até à Ásia Menor (a moderna Turquia), o Levante e o Egipto. Roma começa a crescer, tomando o mundo Grego pouco a pouco. O Rei Mitrídates, o campeão das culturas Grega e Persa (ele próprio é um pouco das duas), deseja erradicar Roma e a sua influência da face da Terra. A luta entre as duas culturas, na verdade, continua até aos nossos dias; na América moderna, vemos a influência Romana (empire-building, o Senado, o nosso sistema legal) e Grega (a democracia, a arquitectura, a arte, a filosofia). Neste momento temos um imperador – ou seja, um presidente – muito mais romano do que grego.

[sobre Trump] Os seus erros e falhas estimularão muita oposição numa nova geração de escritores

Há algum tempo atrás, disseste-me que estavas cansado deste mundo. Não achas que com a inesperada política americana o mundo se tornará um lugar muito interessante para escritores?

O crescimento das políticas de direita tanto na Europa como nos Estados Unidos é bastante preocupante. A eleição de Trump surpreendeu-me, mas não sou tão pessimista como alguns dos meus amigos. Penso que a Casa Branca de Trump será prenhe de escândalos. Os seus erros e falhas estimularão muita oposição numa nova geração de escritores.

Escreveste-me o prefácio do meu “Dois Maços”, pagaste-me o almoço e ainda me deste conselhos sobre impostos! Ainda te lembras disto? O que pensas, por isso, do negócio dos livros? Como está a sair “A Ira das Fúrias” mundialmente? Está a ser bem aceite?

É sempre bom que os escritores se entreajudem e fico muito satisfeito por te ter conhecido e por te ter passado alguns bons conselhos. “A Ira das Fúrias” está agora a chegar aos leitores europeus. Fora dos Estados Unidos, o meu trabalho tem tido sucesso em Portugal, na Hungria e na Polónia, três sítios muito diferentes! A Série Roma Sub-Rosa não me tornou rico, mas proporcionou-me um bom estilo de vida e a possibilidade de escrever exactamente o que quero.

Durmo até tarde – essa é a melhor parte do meu trabalho!

Achas que este é o teu melhor livro?

Eu acho sempre que o meu melhor livro é o último, algo que é comum entre os escritores. Alguns críticos, nos Estados Unidos, dizem que “A Ira das Fúrias” é o meu melhor livro, algo pelo que me sinto grato. Durante os últimos vinte anos, desde o meu primeiro livro “Sangue Romano”, tornei-me um escritor muito mais experiente. Há alguns anos reli toda a série pela primeira vez e fiquei especialmente satisfeito com “O Lance de Vénus”, por ser um trabalho onde todos os elementos – personagens, plot, História e temática – parecem estar em perfeito equilíbrio.

Tens alguma rotina ou ritual de escrita?

Durmo até tarde – essa é a melhor parte do meu trabalho! – e depois passo o resto da manhã a beber muitos cafés, a responder a e-mails, a postar no Facebook, etc. Depois de almoço, tento concretizar alguma boa escrita, para poder sair cedo para uma corrida ou para nadar. Como vês, sou algo preguiçoso. Fico maravilhado com o facto de ter conseguido escrever tantos romances e short stories.

Gordiano é mais novo neste livro. Que Gordiano gostavas mais de ter como amigo? Este, mais intrépido, ou o mais velho, mais experiente e sábio?

Escrever sobre o jovem Gordiano, tentando ver o mundo através dos seus olhos – inexperiente mas sagaz, sedento de aventura, frequentemente a pensar em sexo – é o mais próximo que tenho de ser novo outra vez. No meu próximo livro voltarei ao Gordiano dos sessenta e poucos; é um livro que tem lugar durante o assassinato de César. O homem jovem continua dentro de mim, mas agora sou mais como o Gordiano mais velho, que é cauteloso, ponderado e tenta ter sentido de humor sobre o terrível estado do mundo. Gordiano e eu somos como velhos amigos, mas ele continua a surpreender-me.

Achas que algum dia vais deixar o Gordiano?

O livro sobre o assassinato de César, que me encontro a escrever, serve como final para a série. Se eu voltar a Gordiano, poderá ser para revelar mais sobre as suas proezas de jovem (suspeito que ele viajou para Jerusalem e conheceu a Rainha Alexandra Salomé). Depois do romance do assassinato de César, tenho contrato para escrever um terceiro romance da saga familiar que começou com Roma e Império (a minha outra série), por isso estou ocupado pelos próximos anos. Os meus editores e agente não me deixam reformar já.

O que achas de publicar a nossa foto em Lisboa com esta entrevista?

Adoro essa foto. Talvez um dia possa voltar a Lisboa e tiramos outra foto no mesmo local.

 

A foto do Chiado, conforme em www.stevensaylor.com

A foto do Chiado, conforme em www.stevensaylor.com

 

Com mais idade, menos cabelo, mas ainda mais vontade de persistir, continuo a nutrir a maior das admirações por este homem que, renomado escritor mundialmente, me recebeu da melhor forma no nosso mundo dizendo: “Fernando Miguel Santos entrou de forma notável neste estranho negócio de criar seres ficcionais e mundos imaginários”.

Com o desejo de cada vez mais sucesso, reitero a opinião dos editores e agentes do Steven, por achar que alguém que assim escreve não se pode retirar.

Aos leitores que nunca “experimentaram” Gordiano desejo sorte. Passear nas ruas da Roma Antiga com um detetive audaz é divertido, mas as parecenças desse mundo com a nossa atualidade são, por vezes, assustadoras.

Até já!



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