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Espaço Alkantara

Com a língua árabe partilham o significado: a ponte. Entrevista com Catarina Saraiva, directora do espaço Alkantara, antes da estreia da peça “A Mulher que parou”, interpretado pelo grupo “Nu Kre Bai Na Bu Onda” da Cova da Moura.

Criada em 1993 com o nome “Danças na Cidade”, em 2005 mudou o nome para Alkantara e desde 2007 que conta com um espaço próprio, com o mesmo nome da associação. A Rua de Baixo esteve com Catarina Saraiva, directora do espaço Alkantara, à conversa sobre alguns projectos – entre eles uma companhia de teatro na Cova da Moura! – e sobre a manutenção deste novo local.

RDB – A associação alkantara surge em 1993, com outro nome, “Danças na Cidade “. Como foi este caminho até 2008?

Catarina Saraiva (CS) – Em 1993 surgiu com o nome “Danças na Cidade” e foi assim que existimos até 2005, com a intenção de fazer uma plataforma de dança portuguesa. Estamos a falar nos anos 90 – quando surge a chamada nova dança portuguesa – e na altura, uma das fundadoras, a Mónica Lapa, que infelizmente já morreu, achou que a falta de espaços para a dança contemporânea era um problema. Lançou o desafio aos novos criadores e fez a primeira plataforma de dança e a partir daí foi desenvolvendo-a num festival que foi crescendo… A partir de 1997, a estrutura era muito pequena e portanto decidiu-se que o festival passava a bienal e esse foi o momento também em que nos anos em que não se fazia o festival começaram a fazer-se uma série de projectos de colaboração internacional, relacionados com formação, colaboração, intercâmbio, encontros… Em 2005, resolvemos também que seria interessante abrir a área da dança a outras áreas: aquilo que tínhamos a nível de dança contemporânea, pensámos que seria possível também trabalhar outras áreas artísticas da mesma forma.

E por isso mudámos também o nome para alkantara, que tem muito a ver com aquilo que é o espírito da organização. Em árabe há varias traduções, mas aquela nos ficou foi “a ponte” – e como é isso que nós fazemos, estabelecer ligações entre várias comunidades, entre vários artistas, entre várias formas de ver a arte contemporânea – caiu-nos bem (risos).

RDB – Enquanto que em 1993 o objectivo principal era uma plataforma para a dança contemporânea portuguesa, em 2008 estamos a falar em objectivos mais alargados. De que forma é que eles mudaram e como se aperceberam vocês desta mudança?

CS – Tem a ver precisamente com a evolução. A partir do momento em que fazes um festival, em que se falava sobre a importância de se mostrar o que se fazia, pensou-se: não vamos só falar da Europa, porque isso já é um circuito! Conclui-se que se a intenção é falar sobre aquilo que se faz no mundo, tem lógica abrir para aquilo que é o mundo inteiro. Por outro lado, a dança contemporânea sempre tocou muito as outros áreas, e a certa altura tinhas muitos espectáculos de dança, que eram de dança porque as pessoas tinham background de dança, mas basicamente era teatro, performance… Portanto, de repente, também já não faz sentido falar só em dança contemporânea, mas falar em artes e naquilo que são as pontes que se estabelecem também entre diferentes áreas artísticas.

RDB – Sendo assim, já sabem qual será o próximo passo da vossa evolução?

CS – Bem , o próximo passo… é o desafio de pela primeira vez termos um espaço. Um espaço em que podes fazer muita coisa, e isso implica também uma responsabilidade muito grande… alkantara vai continuar a ter a mesma perspectiva, apesar de agora temos uma nova direcção – o Mark (Depputer), um dos mentores do alkantara, saiu porque achou que o Alkantara tinha já maturidade suficiente. E isso é um outro desafio também, que é continuar a fazer e a defender aquilo que são os princípios que norteiam o alkantara com uma nova estrutura, com uma nova direcção.

RDB – O espaço alkantara vai-se transformando à medida que surgem novos espectáculos. Como conseguem transformá-lo em tanta coisa? Qual é a magia deste espaço?

CS – A magia do espaço é o próprio espaço em si. É um espaço velho, que está a cair, mas que tem a poesia da decadência (risos). E é um espaço aberto, onde podes fazer muita coisa e a possibilidade de o adaptar; cada vez que termina um projecto, arrumamos as coisinhas todas, e fica disponível para se pensar o espaço outra vez da forma mais correcta para o seguinte. Eu penso que a magia do espaço depende também daquilo que é a magia das pessoas e a preocupação é também de que se façam aqui coisas onde a interacção com o espaço seja sempre possível. O espaço foi-nos cedido em 2007 e já fizemos aqui muita coisa: uma residência em que convidámos algumas pessoas, durante 3 semanas, a pensar o que é que este espaço poderia ser… o que foi muito interessante! Aí foi feita uma programação em que o público tinha sempre que participar de alguma forma. E depois, na altura do Festival, foi o nosso ponto de encontro. Era um espaço acolhedor, porque tínhamos sempre gente a circular… Fizemos uma série de concertos, performances, os artistas estavam aqui constantemente… a missão naquela altura era de acolher os artistas e o público, que quisesse estar em diálogo!

RDB – Essa é exactamente a próxima questão. No início da entrevista dizias que um dos objectivos é o de estabelecer pontes. Entre diversas nacionalidades, entre diversas artes… Mas conseguem fazer pontes com o público?

CS – Eu penso que sim. Porque das várias conversas que tivemos, havia muita gente que sabia exactamente o que era o alkantara, outros que não sabiam e que perceberam pela primeira vez o que era aquilo… e esse é também o desafio! Penso que as pessoas percebem a coerência que existe no projecto. O espaço também nos dá essa possibilidade, de tornar mais visível aquilo que são as actividades mais invisíveis do alkantara, que são os encontros, as coisas de porta fechada, processos de criação. Que depois, meia-volta, dizemos o que estamos a fazer e convidamos o público. E as pessoas vêm! O que quer dizer que estão interessadas…

RDB – Agora efectivamente alkantara tem um local, uma identidade… de que forma ter este espaço físico vos ajudou na vossa afirmação?

CS – Digamos que a identidade vai para além do espaço, porque já existe há muito tempo. O facto de termos um espaço dá-nos, no fundo, mais independência: é a possibilidade de podermos fazer aquilo que sempre fizemos a ocupar espaços dos outros, mas agora, com liberdade, podemos fazer aquilo que quisermos com os nossos projectos…

RDB – Questões mais práticas. Como conseguem manter este espaço? Que apesar do seu charme, tem os seus problemas. Fendas no telhado, estrutura velha…

CS – É, na realidade, outro dos desafios (risos)! O espaço foi-nos dado numa altura em que não tivemos muita capacidade de reacção. A intenção é, e também está relacionado com as nossas capacidades, de ir reformulando o espaço de acordo com aquilo que são os projectos. A nossa ideia é lançar uma campanha de angariação de fundos para a reconversão do espaço em que as pessoas possam contribuir de várias maneiras: desde donativos de apenas cinco euros até grandes quantias por parte de empresas. E que seja possível criar uma bolsa que esteja constantemente activa para as reestruturações que vamos fazendo – que vão sendo feitas pouco a pouco, um bocado como a ZDB (Galeria Zé dos Bois) faz… E, claro, uma das coisas que fazemos sempre é andar à procura de dinheiro: estamos à procura de projectos de financiamento que possam trazer dinheiro para a recuperação das obras. Mas isso vai sendo feito… Mas nós somos uma associação que arrisca bastante! Assumir este espaço foi um risco da nossa parte pois o acordo que fizemos com a Câmara Municipal de Lisboa é que o iríamos remodelar. Felizmente, a CML percebeu que esta remodelação não é para ser feita de uma forma imediata. Não queremos fechar para daqui a um ano abrir; é ir abrindo as portas ao público e ir fazendo as coisas a pouco e a pouco…

RDB – Falando das peças que têm neste momento. No que consiste o projecto “Nu Kre Bai Na Bu Onda”, da Cova da Moura?

CS – É um projecto que começámos em 2007 com vários parceiros do bairro para sensibilização de públicos. Mas nós somos mais ambiciosos e pensámos logo que o objectivo era também o de criar bases de sustentabilidade para grupos que existam ali e que queiram inclusivamente entrar no circuito profissional. E claro, isto é um projecto a longo-prazo! Entretanto, o projecto “Nu Kre Bai Na Bu Onda” inclui uma área de formação em dança e em teatro – a coordenar a dança temos a Filipa Francisco. Fez uma peça que estreou no Festival e que foi considerada pelo jornal Público como a peça mais interessante do ano. E a Cláudia Gaiolas e o Pedro Carraca a fazer a coordenação e a direcção artística do projecto de teatro.

Este projecto é um grupo que formámos na Cova da Moura, lançado audições e anúncios para quem estivesse interessado em fazer formação em teatro. Formámos um grupo, e após um ano, lançámos-lhes o desafio: vamos agora criar uma peça para apresentar ao público. Convidámos o Tiago Rodrigues para escrever um texto original – ele esteve com eles para perceber exactamente como é que funcionavam – e a peça está relacionada com o que são as relações num bairro. Fala de uma mulher que, sendo muito activa na sua comunidade, um dia decide parar e não fazer nada… e portanto, das repercussões que esse acto terá no grupo das suas relações. Isto proporciona uma série de coisas porque as pessoas não entendem muito bem porque ela própria não explica.

RDB – Falando de outro projecto que têm para 2009, o encontro “Pointe to Point”…

CS – O encontro é no fundo uma sequência lógica destes projectos menos visíveis que fazemos – os encontros de intercâmbio. Surgiu precisamente pelo facto de a ASEF (Asia-Europe Foundation) nos ter proposto acolher em Lisboa um projecto que eles têm há já alguns anos, o “Pointe to Point“ e que é uma série de encontros anuais que se fazem na Ásia e na Europa.

É um encontro entre criadores europeus e asiáticos que tem como finalidade perceber as diferenças entre os dois lados e abrir portas… É a primeira vez que estamos a trabalhar com a Ásia. Já fizemos muita coisa com a América Latina, com a África… então esta é uma porta para esse continente. O encontro é constituído por oito europeus e oito asiáticos, que vão estar aqui em Junho durante 20 dias em ebulição de ideias! O espaço vai estar completamente diferente na altura. Vai começar por uma série de apresentações abertas ao público e depois haverá um momento em que se fecham as portas e em que os participantes estarão a trabalhar entre si… depois evolui para aquilo que é um potencial acompanhamento de projectos que nós poderemos achar interessantes.

RDB – É um ponto de partida para outros projectos do alkantara?

CS – No fundo. É a possibilidade, porque aqui não temos muito conhecimento do que se passa na Ásia, de ver o que se faz lá a nível de dança contemporânea. É o nosso frame, a contemporaneidade, e basicamente isso abre portas para depois poder colaborar de outras formas, com outros criadores e inclusivamente depois até poder apresentá-los no Festival.

RDB – Este encontro vai utilizar uma plataforma online, o Facebook , como forma de divulgação do evento. Qual foi a motivação?

CS – Já fazemos estes encontros há muito tempo e notamos que quando as pessoas estão face-a-face o encontro é muito intenso e isso provoca alguma dispersão. E como o tempo não é muito, achámos interessante, antes do encontro aqui em Lisboa, criar plataformas de comunicação entre as pessoas que estão espalhadas pelo mundo inteiro, que não têm a possibilidade de se conhecerem a não ser através de plataformas virtuais. E através do facebook queremos permitir o estabelecimento de comunicação e aceder à informação de cada um dos participantes. A ideia é que cada participante do Encontro aqui em Lisboa introduza os seus dados, as suas preferências, e que comece uma discussão sobre aquilo que realmente será interessante fazer em Lisboa. Essa é outras das perspectivas que consideramos importantes: não formatar as coisas à partida, mas abrir a possibilidade de trabalhar sobre aquilo que as pessoas querem realmente fazer.

RDB – Ou seja, este encontro acaba por não durar 20 dias, mas sim por começar antes…

CS – O encontro dura 20 dias, mas o projecto engloba várias fases: a primeira em que as pessoas comunicam virtualmente, depois terá em Lisboa o momento em que as pessoas estarão todas juntas e, depois de o encontro terminar, a ideia é de pelo menos poder acompanhar alguns projectos que sejam interessantes dentro daquilo que é a nossa perspectiva artística – podendo depois proporcionar a possibilidade de continuar a colaboração que começaram aqui em residências pela Europa ou Ásia e eventualmente com a possibilidade de os apoiar numa criação que possa ser apresentada no Festival. Isto tudo em aberto. Porque também é essa a perspectiva, sem compromissos mas com interesse.

RDB – Para finalizar, e falando na questão do circuito, Alkantara também tem produções suas lá fora?

CS – Alkantara tem co-produzido desde há alguns anos artistas nacionais. Fazemos parte de uma rede internacional, a Next Step, que tem como intenção apoiar os artistas que já têm maturidade suficiente para desenvolver as suas obras e que precisam de um empurrão para entrarem no circuito internacional. Isso dá-nos a possibilidade de propormos artistas, não só portugueses, mas também de apresentar artistas pouco conhecidos ou que nós achamos interessantes. E nesse caso temos a Aydin Teker, uma coreógrafa turca, cujo impulso de estabelecimento no circuito internacional europeu foi feito através de nós, o Thomas Hauert, que é um coreógrafo suíço residente na Bélgica e que está a circular em vários lados. Depois, temos também as co-produções que fizemos em África e uma série de projectos que vamos desenvolvendo entre festivais e que daí resultam peças que depois também circulam bastante, como o Tiago Rodrigues – entrou num projecto que neste momento está a circular, que foi feito entre ele, o Rabih Mroué e o Tony Chakar, que são libaneses, e que está a circular imenso, não só pela Europa, mas também pelo Médio Oriente, Brasil… Quando o objectivo é criar alguma coisa, nós ajudamos e tentamos abrir os circuitos… se pudermos dar um empurrãozinho, ficamos muito contentes.

RDB – Neste caso, a ambição não mata?

CS – Se não fores ambicioso neste país é um pouco difícil fazer alguma coisa. Em 2004, apesar de estarmos confiantes que voltaríamos a ter apoios para um Festival, não os tivemos, não houve reacção por parte das instituições políticas e resolvemos fazer um pequeno festival só para dizer que existíamos. Claro que tivemos público, mas não tivemos o que temos agora no alkantara, nem os programadores a ver e portanto a promover uma internacionalização. Decidimos que um festival tem de marcar a cidade, ser interessante para ela e que tenha alguma projecção internacional, que permita exactamente a projecção dos artistas. Felizmente, depois encontrámos a fórmula certa. É duro, é uma equipa pequena para aquilo que é a dimensão do festival, mas temos parceiros muitos interessados em colaborar connosco, temos praticamente todos os teatros da cidade interessados em investir dinheiro no festival. E foi a maneira que encontrámos para ultrapassar a falta de resposta política por parte do governo central. E isso dá-nos ânimo. Somos ambiciosos no espaço e queremos fazer imensa coisa. Tem de ser essa a perspectiva.



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