Esticalimógama
Esqueçam o humor sob o esturro da crise actual, as piadas futebolísticas ou políticas, o tão in stand up e os ditos humores negros ou mesmo (as)sexuados actuais.
Esticalimógama é um projecto teatral. Ou melhor, Teatro Palhaçada, ou mesmo Teatro Rock, como insistem divertidamente em conversa os actores que lhe dão forma, Paulo Lima e Ricardo Vaz Trindade.
Esqueçam o humor sob o esturro da crise actual, as piadas futebolísticas ou políticas, o tão in stand up e os ditos humores negros ou mesmo (as)sexuados actuais.
Benny Hall, prometem entre risos Paulo Lima, Ricardo Trindade e Joana Gama, é “para quem lê o Ipsilon, Jornal de Letras e cita Walter Benjamin pelo menos três vezes ao ano”.
A RDB quis saber mais acerca das ideias que estiveram na origem do projecto e recolheu, numa tertúlia bastante animada, a essência, vontades e modo como tudo ganhou forma ao ponto de os catapultar para uma temporada no Teatro São Luiz sob as manifestaçõs de agrado de Beatriz Batarda ou mesmo Jorge Salavisa.
O projecto Estica (Ricardo Trindade) Limo (Paulo Lima) e Gama (Joana Gama – pianista clássica que se aventurou nesta parceria com estes dois rapazes de peso, no sentido não físico do termo) são aquilo que parecia já impossível coexistir no entretenimento – exemplar capacidade de parodiar com o que parecia até à data pouco passível de ser gargalhado e com uma daquelas vontades que já há muito não lembram.
Inovadores e perspicazes, geminam duas figuras notáveis de interesse humorístico – Annie Hall e Benny Hill – num só, criando de modo assaz acutilante e avesso à intelectualização exagerada do Teatro Contemporâneo Benny Hall.
Benny Hall apresenta-se assim como uma divertida forma de abordar o sarcasmo num contexto , por enquanto, teatral. Por enquanto, porque a ideia poderá ser extensível a um meio cultural cada vez mais alargado, onde o televisivo independente decerto reparará na capacidade jocoso-representativa de tudo o que seria, até então, quase intocável ou improvável ser ridicularizado.
Se as patranhas, manhas e vaidades das piadolas que se tornam, em contextos marcados, programas de humor incitam, na tentativa de fazer rir, sempre o mesmo desgraçado no processo criativo. Desde o imigrante ao Portugal profundo (como agora em voga se diz), passando pela crise, politiquice e terminando na piada badalhoca, ou desprestigiante de classes, Benny Hall estende o tapete da sua comédia aos espias do social, que poucos ousam retratar. E fá-lo sem receios de ser mal entendido pelas elites da hiperbolização intelecto persuadida.
Aqui há espaço para todos os moribundos da eloquência e desejos de representatividade exagerados. É para quem esmifrou Woody Allen, Godard, Müller, Beckett de modo atento e seguidor e saiu a meio sem um sorriso nos lábios.
Benny Hall promete uma nova abordagem, não se opondo drasticamente, mostra um outro guião das possibilidades, em que nenhum pseudo, ou não, de uma qualquer elite do social ficará imune. Mas, mostra-a com vontade que a vejam. E repete, ao longo da conversa, a deixa “este espectáculo é para os que lêem o Ipsilon, Jornal de Letras e citam Walter Benjamin pelo menos três vezes ao ano”.
Ricardo Trindade começa por explicar como tudo aconteceu. “Tudo começou nos Novos Actores. Um Certame do São Luiz que procura novos valores entre o pessoal que anda para aí e não tem companhia para fazer peças de teatro. Eu e o Lima (o outro actor da dupla Benny Hall) na altura estávamos a pensar trabalhar com uma terceira pessoa e ele trouxe aí uns livros de Camilo Castelo Branco (risos), o “Noites de Lamego”. Mas eu entretanto tinha comprado, a preço verde (risos), “O Guião de Annie Hall”, do Woddy Allen, porque sou fã (pausa) – sabes,faço uma imitação do Woddy Allen já há muito tempo, para divertir os amigos e também para engatar mulheres intelectuais na noite (risos) – e então vimos o Annie Hall, ficámos a rir descomunalmente, mas acabei por deixar passar o tempo e no dia em que era para entregar as coisas no São Luiz, na altura estava a trabalhar num escritório de arquitectura, não estava lá o meu patrão. Como não tinha nada para fazer peguei no livro e comecei a fotocopiar aquilo avulso, sem sequer já estar a pensar em concorrer, pois nunca mais falámos nisso, dei um nome intelectual (risos), chamei-lhe “Diálogos Banais para Casais Apaixonados”. Era assim uma coisa um pouco patética, mas entreguei sem sequer saber o que é que aquilo iria dar. O certo é que entretanto, dos projectos entregues, o nosso foi um dos escolhidos. Fomos a uma audição, entre dez escolhidos para se apresentarem formalmente no São Luiz e, para além de termos sido escolhidos, tivemos o Jorge Salavisa a propôr-nos uma temporada lá. E correu bastante bem. Foi aí que achámos bem, se o Salavisa acha que isto é bom se calhar é melhor nós acharmos também (risos) e começámos a ensaiar”.
Joana Gama é pianista clássica e professora de piano. Começou a assistir de perto a alguns ensaios da dupla e lembrou-se. “Sabia das ideias deles e já tinha assistido a uns ensaios e lembrei-me: espera aí, mas aquilo lá no São Luiz tem um piano, se calhar podia-vos acompanhar. O certo é que aquilo foi um sucesso do caraças e nós os três não estavamos nada à espera”, complementa Ricardo.
Quem ousar experimentar cerca de uma hora de boa-disposição, tal como a RDB que estará a 27 do presente mês em Lagos a assistir à peça para vos poder relatar, poderá constatar que os conteúdos da mesma peça são não só adaptados como distintos entre si, dependendo do sítio em que actuam. Ricardo explica: “neste momento tentamos fazer sempre coisas inovadoras e cada espectáculo é sempre ligeiramente diferente. Tentamos mesmo adaptar o conteúdo do espectáculo ao sítio onde vamos actuar. As personagens satirizadas são conhecidas ou populares nas regiões em questão em determinados meios, como aconteceu quando fomos agora ao porto (Teatro Helena Sá Costa) e as piadas circundaram e adaptaram-se a actores e encenadores de lá, por exemplo”.
“Há também muito improviso. Isso deve-se à cumplicidade que ambos já temos em cima do palco” explica Paulo Lima. “Temos cenas em carteira sempre , que por vezes utilizamos sem nenhum dos dois estar a contar, mesmo naquela de nos testarmos e vermos onde cada um de nós pode chegar ou sair com alguma dignidade”.
Uma particularidade de interesse. Além de todo o processo caseiro tido pelo conjunto, são alguns dos convidados que têm no espectáculo, consoante as cidades em que vão actuando.
“Tivemos em Leiria o Afonso (Sean Riley), no Porto a Manela (Manuela Azevedo dos Clã), etc” conta Joana. “A Manela disse que se não pudesse cantar queria mesmo assistir ao espectáculo, mas lá deu para ela cantar também e correu muito bem. Divertiu-se”, diz Ricardo.
No palco Paulo Lima e Ricardo Trindade admitem que ensaiam Annie Hall, ou melhor Benny Hall, Joana acompanha os diálogos entre os dois ao piano, “nós admitimos que é tudo um ensaio em frente ao público e falamos um com outro como se disso se tratasse. Entramos em viagem, para aí uns 10 a 15 minutos, e voltamos ao filme, entramos de novo e voltamos ao filme. Voltamos, durante toda a actuação, umas seis vezes ao filme, mas acho mesmo que o que nos interessa são as viagens que fazemos ao longo do espectáculo, que são sempre diferentes consoante o contexto e muito fora (risos)”refere Paulo Lima.
Benny Hall está atento ao deleite empolgado das elites, “sobretudo o Lima (brinca Ricardo) que é um gajo informado, que lê o Ipsilon e é fácil ter material em cada circunstância passível de ser satirizado”.
Desde o primeiro espectáculo no São Luiz que surgiu a ideia de, para cada actuação, existir um vídeo-convite. Joana resume a ideia; “desde o início no São Luiz que tivemos essa ideia e tem-se mantido. São cenas de filmes, alguns clássicos, a que demos a volta e tentamos no fundo parodiar”. E as cenas são várias, de vários filmes, que facilmente recordamos apesar da nova leitura e desconstrução corrosiva de Esticalimógama.
Benny Hall é agora o nome que se impõe nesta nova visão de como fazer Teatro Novo em Portugal. É audacioso e bamboleia qualquer mensurável opção para entreter. Vale a pena seguir de perto.
Fotografia de Rui Pinheiro
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