Ex-Peão

Um músico sem Máscaras!

Ex-Peão é um dos membros dos Dealema, um dos mais antigos e activos colectivos hip-hop nacionais que, ao longo de mais de uma década de trabalho, têm sido responsáveis pela divulgação e crescimento deste estilo na zona do Grande Porto – através da organização de festas, concertos, lançamento de maquetes e discos – e acaba de lançar o seu primeiro registo a solo “Máscara“.

Assumindo inteiramente uma postura de autor, todos os temas foram escritos, compostos, produzidos e gravados por este músico de Vila Nova de Gaia,  na sua casa, ao longo de mais de ano e meio de trabalho. No final deste ano o disco é finalmente editado numa colaboração do autor com os colectivos Banzé e Anti-Tude, sendo a distribuição assegurada pela Compact Records.

Conforme explicou à Rua de Baixo, «tudo começou quando comprei o meu primeiro computador e juntei mais algum material mínimo indispensável  – umas colunas, um microfone, dois teclados que já tinha há muito tempo e pouco mais – e comecei a trabalhar. Já tinha algumas letras, esboços de canções, ideias, mas foi nesta altura que comecei a construir a sério as canções – mas tudo na descontração! De repente, dei por mim com 8 ou 9 temas feitos e começou a ganhar forma a ideia do álbum. E pensei ‘já agora…’”.

Durante anos habituado a escrever e cantar, a incursão pelos meandros da produção musical assumiu-se como condição “sine qua non” na concretização de um trabalho em nome próprio – «tinha de ser eu a fazer tudo para ser verdadeiramente a minha cena».

Ironicamente, hoje o seu interesse pela produção musical é crescente, afastando-se de uma visão mais ou menos utilitária da música que, por vezes, se detecta em alguns projectos hip-hop: Ex-Peão não faz batidas que suportam as suas rimas, faz músicas, dando igual atenção às letras, às melodias e instrumentalização. Para além de todo o trabalho de produção em “Máscara”, também participou como produtor na estreia a solo do companheiro Mundo (em «Puro Prazer», do novíssimo “S.O.M.”), sendo esta uma aposta para continuar: «Gosto de tocar, cada vez mais. Cada vez mais me interessa a produção musical, não só produzir batidas, mas também gravar as vozes, os instrumentos, misturar… Toda a produção musical”. A construção de instrumentais densos e tecnológicos adapta-se na perfeição ao registo vocal de Ex-Peão que oscila entre os flows típicos do rap, a declamação de rimas próximas do spoken word, o canto mais ou menos melódico, mais ou menos berrado!

Um dos aspectos mais interessantes do álbum é, contudo, a escrita muito própria deste mc dos DLM que, partindo da sua vivência pessoal, vai descrevendo num tom intimista e irónico q.b. episódios e factos relacionados com o seu próprio quotidiano, registando e (des)construindo uma série de estereótipos de “personagens” que povoam a urbe nortenha, numa visão de crítica política e social acutilante: dos fanáticos religiosos aos promotores musicais fraudulentos, dos políticos corruptos aos rappers cheios de tiques americanizados, das meninas bonitas aos “gunas” do bairro.

Na construção deste disco contou com as colaborações de diversos amigos que iam aparecendo do estúdio e deixando o seu contributo: uns mais ligados ao universos hip-hop – como os companheiros Dealemáticos (Dj Guze e os mc’s Fuse, Maze e Mundo), Ace dos Mind da Gap, Rato e Ortega (dos Doink) e Rey -, outros provindos de diversos contextos musicais como Simonal (moçambicano radicado no Porto e líder do agrupamento afro-beat Tchakare Kanyembe), Marta Ren dos Sloopy Joe, Jonathan hhY (do colectivo noise Soopa) e os intrumentistas Bruno Silva (baixo) e Guito (guitarra), ligados à cena punk-hardcore gaiense. Estranhas combinações? Nem por isso… De facto, o percuso musical de Ex-Peão não se inicia no hip-hop, constituindo o metal, o industrial, o punk-hardcore, o techno e o drum’n bass referências estilísticas que foram incorporadas em “Máscara”.

Num dos temas do disco («No Andamento») o músico recorda como ainda na adolescência se passeava entre as salas de ensaio com bandas de hardcore, as deslocações até ao mítico Rocks para ouvir Mário Roque, XL Garcia e Carl Cox, e as suas participações em sets de Alex FX e Nuno Forte, quando o drum‘n bass dava os primeiros passos em Portugal. Hoje, afirma, «Gosto de algumas coisas de grime, de alguns artistas ingleses, de hip-hop em francês – acho que é uma língua óptima para este estilo de música… Há uns gajos que são os TTC, incríveis! Gosto de ouvir músicas de vários estilos e proveniências». Talvez por isso não seja de estranhar a versão de um tema de GNR («Pós-Modernos», incluído numa dupla faixa escondida) ou a revisitação do clássico «Cairo» dos Táxi num tema dedicado ao dia-a-dia da vida no “Bairro”.

No final, o resultado acaba por ser um disco refrescante e desalinhado – «Eu não sou hip-hop tuga!», afirma – tanto face ao seu trabalho noutros projectos, tanto no que diz respeito a visões mais ou menos estereotipadas do trabalho que seria expectável para um rapper. «Este álbum sou eu. Não quero que se confunda com Dealemma ou com Terrorismo Sónico ou outra coisa qualquer, só assim o meu trabalho enquanto artista individual faz sentido!”.

Se o público do Porto teve já oportunidade de ouvir em concerto a “Máscara”, surge finalmente a oportunidade de apresentar este trabalho em terras do Sul, já no próximo dia 28 de Dezembro no Clube Mercado, em conjunto com o companheiro Fuse. Um álbum a descobrir com urgência!



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