Expresso Transatlântico @ B.Leza (12.10.2023)
Texto por Álvaro Graça e fotografia por Andreia Carvalho.
Era bastante previsível que ambas as datas de apresentação do primeiro longa-duração do Expresso Transatlântico esgotassem com rapidez, quer na capital quer na Invicta, dado tratar-se de um dos fenómenos da música portuguesa do último par de anos. E, quem já os tinha observado ao vivo, teria sentido na pele esse burburinho, porque além do EP debutante e dos demais avanços do LP serem suculentos, a banda é muito forte nas suas actuações, que facilmente transbordam para uma verdade festança popular. A sala do B.Leza acabaria por ser mais uma testemunha disso mesmo.
Se bem que, quando foi servida a primeira rodada de canções, o público parecia ter chegado ligeiramente atrasado à paragem, e não estava a reagir consentaneamente à excitação dos músicos em palco, que entraram com visível alegria de poder finalmente interpretar todas as novidades ao vivo. E foi mesmo a própria banda, e a riqueza do se conteúdo, que foram puxando a multidão para o concerto, parecendo que o público estava demasiado frígido inicialmente. Talvez estivessem ressacados, talvez necessitassem realmente de umas rodadas iniciais para aquecer o espírito.
Em palco, o trio que forma o núcleo duro do Expresso Transatlântico, os manos Varela e Rafael Martins, surgem reforçados pelo baixo de Tiago Martins, os teclados e sopros de Zé Cruz e, em estreia, pela percussão de Iúri Oliveira, o que automaticamente confere ora a pujança, ora a densidade que as composições instrumentais vão demandando. Ou ambas, como por exemplo o épico «Azul Celeste», que contém ambas as facetas do grupo.
Em canções como «Western à Lagareiro», «Alfama Texas» ou «O Gangster», o Expresso Transatlântico mostra-se tanto como herdeiro das tradições portuguesas, e de outras recentes deambulações e avanços da nossa cultura, não tendo pejo em abraçar o legado dos geniais Dead Combo como inspiração (como o demonstra a homenagem a Pedro Gonçalves no último tema supracitado), tal como o imaginário de casas de fado onde bebem tipos mal-afamados, mas que têm histórias inspiradoras para contar, alinhavadas nesses mesmos sítios obscuros, e em vielas difíceis de atravessar. Porque a luz eclode, não raras vezes, do breu.
E, partindo desses tesourinhos, acabam por reunir ideias que depois explanam num jeito que já começa a ser seu, como «Ressaca Bailada» ou «Bombália», onde há sempre espaço para a reflexão, mas também para o bater do pezinho.
Outro momento sagrado nas actuações da banda é o solo de Gaspar Varela, que parece sempre um bónus no meio de uma ocasião já tão especial. E quão sagrado soou desta feita no B.Leza, por entre um silêncio sepulcral de uma massa humana que quis escutar as cordas da guitarra portuguesa até ao seu tutano, logrando tornar ainda mais especial aqueles instantes que já o são naturalmente, e ao Paredes nos confessámos colectivamente.
Sem noutras datas recentes o Expresso Transantlântico tem deixado de fora a «Barquinha», pressentia-se que desta vez a mesma apareceria, com estrondo, trazendo a bordo o seu timoneiro Conan Osíris, que assina a brilhante cantoria (e única no repertório do trio) e de quem o público matou ligeiramente saudade (ele que já tinha feito outro recente cameo no B.Leza para auxiliar Filipe Sambado num dos novíssimos singles.)
No encore, além do auto-explicativo e simbólico «Alfama Texas», que dizer da rambóia que os Sebastião e Gaspar Varela e seus compinchas lograram extrair do clássico da família «Eu Dantes Cantava»? Uma versão de um fado que termina num autêntico cântico futebolístico apoteótico e contagiante, que faria vibrar qualquer estádio por esse país fora.
E, se no pontapé de saída, o título «Ressaca Bailada» faz sentido, mais nexo ganha após os acordes finais: sentimos rapidamente a urgência em rever a banda, em participar nas suas festanças e, não menos importante, sentirmos que pertencemos e que estamos a vivenciar por dentro estes fenómenos da música nacional, que tão facilmente escapam aos radares desse panorama. Bailámos, bebemos deste saboroso espólio, portanto que prossiga a dança, por mares nunca dantes dançados.
Alinhamento:
– INTRO
– PRIMEIRA RODADA
– WESTERN À LAGAREIRO
– STÁRERÓPZ
– O GANGSTER
– PORQUE NADA TEM UM FIM
– AZUL CELESTE
– BOMBÁLIA
(solo Gaspar)
– BARQUINHA
– RESSACA BAILADA
– BECO DA MALHA
(encore)
– EU DANTES CANTAVA
– ALFAMA TEXAS
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