Fallujah
Uma carta, uma expressão, uma mensagem...
Fallujah, 16 de Novembro de 2004
Queridos pais,
Neste momento já devem ter conhecimento de tudo o que se passou. Há dois dias atrás, quando entrei naquela mesquita em Fallujah, fiz algo que pensava impossível e que agora me repugna.
Nada disto é novo para nenhum de vocês. De um momento para o outro tornei-me no Marine mais conhecido do mundo. Tudo graças à CNN…
Queria no entanto dar a minha versão do que se passou e das coisas que se passam todos os dias aqui neste local maldito. Não quero relativizar o que se passou, porque isso é impossível. Também não quero arranjar razões que o expliquem, apesar de todos os meus colegas e superiores afirmarem que o que fiz é compreensível e patriótico e que não há razões para me envergonhar. Contudo, para evitar chatices transferiram-me para a sede do 1st Marine Expeditionary Force, para que a opinião pública acalme e para que possam proceder a uma investigação. Uma fachada se querem saber… um Marine nunca trai um companheiro de armas.
Mas eu vou fazê-lo. É preciso que o faça para que vos explique o que se passou. Aquele momento que foi dado a conhecer ao mundo na tarde passada foi o culminar de uma série de horríveis acontecimentos. Estava em privação de sono há quatro dias. A situação não era nova, mas tudo o que se passou entretanto foi… depois de tanto tempo em guerrilha à volta da cidade, aquela era a primeira vez que entrava num local fechado nesta guerra. No deserto vi-me obrigado a disparar contra tudo o que pertencia ao outro lado. E aqui não interessa serem crianças, mulheres ou velhos. Trata-se de sobreviver! Não nos podemos dar ao luxo de que uma criança carregada de explosivos nos mande a todos pelos ares.
E, claro, há toda a lavagem cerebral que nos fazem mesmo antes de abandonarmos o solo americano. Não acredito que alguém fique indiferente a todas as imagens do 11 de Setembro ou do genocídio das populações curdas feito pelo Saddam em Halajba. Aquela besta…
Assim que desembarquei, todo e qualquer árabe me parecia suspeito. Já nem me ocorria que, supostamente, estivéssemos ali para os livrar de um regime ditatorial e perverso como aquele em que eles viviam. A palavra terrorista martelava-me a mente a toda a hora e as imagens de corpos mutilados e das torres a arder eram para mim tão reais que em certas alturas já acreditava ter lá estado quando tudo aconteceu. Com tanta informação contraditória, o corpo a pedir descanso e toda a cafeína e quejandas drogas psicoactivas que tomamos para não perder “embalagem” deixamos de ter noção da realidade.
Foi por tudo isso que o meu primeiro impulso quando entrei naquela mesquita e vi respirar um árabe terrorista e malfeitor que fingia estar morto tenha sido de lhe dar um tiro certeiro na cabeça. É que eles deixam de ser humanos percebem? Tudo isto se torna um jogo, em que o objectivo é fazer prevalecer os nossos ideais e matar o maior número possível de inimigos… Tudo em nome da velha democracia ocidental…
Envergonhei-me! E, acima de tudo, envergonhei-vos a vocês, que não mereciam, e os E.U.A.
Por tudo isto, vou evitar a humilhação máxima. Não vou deixar que me mandem para casa com uma merda de licença por insanidade mental ou que a nossa pátria perca tempo e dinheiro em tribunais a tentar negar o que é para todos claro. O que fiz não tem desculpa. E o que mais me assusta neste momento é que, se o que se passou não tivesse vindo a público através da televisão (que no momento nem me passou pela cabeça), eu não estaria aqui a escrever esta carta, nem teria o mínimo de remorsos. Estava de novo na frente de combate a matar inocentes.
Não sei o que vai chegar primeiro às vossas mãos; se a bandeira americana e a notícia de que morri, se esta carta. Acho que prefiro que a recebam mais tarde… para que de algum modo possam ter orgulho em mim e perceber as minhas razões. Quando a receberem, peço-vos que me façam um último favor. Vocês sabem que adoro o meu Camaro de 67 e gostava de pensar que ele vai ficar em boas mãos. Como não tenho irmãos, dêem-no ao meu bom amigo Tommy. Tenho a certeza de que ele vai tratar dele como eu o fiz até agora. Ele sempre gostou daquela lata velha.
Amo-vos! Mais que tudo! Agradeço todo o tempo e paciência que investiram em mim e mais uma vez peço desculpa pelo que fiz… e pelo que vou fazer…
Com amor,
John Peterson, U.S. badge number 130300042, 3rd Battalion, 1st Marine Regiment.
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