Fantas 2004

Tudo o que há para saber sobre o maior e mais prestigiado festival de cinema em Portugal, que comemora este ano a sua 24ª edição.

Desde que me conheço, sempre existiram algumas verdades absolutas no que diz respeito ao nosso País. Sempre fomos o país da cauda da Europa, o Eusébio foi o melhor jogador de futebol de todos os tempos e a Amália sempre foi a grande figura nacional a par do bacalhau. Ao lado de todos estes factos que sempre fizeram parte do meu senso comum está o Fantasporto, provavelmente o maior evento cultural regular efectuado em Portugal dos últimos 25 anos.

Mas o Fantasporto é um festival muito peculiar. A organização do festival tem o mérito de ter conseguido dar uma visibilidade mediática a filmes bastante alternativos, criando uma ponte entre dois tipos de públicos distintos. Aqueles que habitualmente optam por um tipo de cinema menos comercial e dito alternativo têm aqui a oportunidade de assistir a ante-estreias exclusivas e a filmes completamente inéditos. Os outros, aqueles que habitualmente consomem os filmes das grandes superficies e mais comerciais, pela curiosidade e pelo carácter mediático do evento, não querem ficar de fora e dão uma espreitadela aos filmes apresentados. O Fantas é por isso um festival consensual, e provavelmente o maior veículo cultural da cidade do Porto e de Portugal.

Para conhecer melhor este festival, propomos que se faça uma breve viagem ao passado e às raízes do Fantas, percorrendo as edições e destacando as películas e realizadores mais importantes que passaram pelo festival.

REGRESSO AO PASSADO

Foi no já longínquo ano de 1981 que se iniciou esta aventura. Ainda designado por Mostra de Cinema Fantástico, o evento pretendia tornar-se um forum cultural e pólo dinamizador de todas as artes, com incidência especial na divulgação do bom e variado cinema de todas as partes do Mundo e de todas as tendências do fantástico e do imaginário, nunca esquecendo outras iniciativas de âmbito cultural e artístico, como é o caso de exposições de artes plásticas, espectáculos de teatro e de marionetes, colóquios, banda desenhada e cinema não-profissional. Dessa mítica 1º edição podemos destacar obras bastante relevantes como é o caso de “Shivers” de David Cronenberg, “Carrie” de Brian de Palma, “Alien/Alien – o Oitavo Passageiro” de Ridley Scott e o genial “The Birds/Os Pássaros” do mestre Hitchcock. Mas não só de produção em língua inglesa viveu esta primeira edição. Já aqui se notava a tentativa de alargar horizontes e provar que o fantástico não se esgota nas histórias simples e acessíveis, de efeitos especiais, viagens espaciais e sangue em grandes quantidades.

Assim, foi possível ver “Solaris”, do soviético Andrei Tarkovsky; o belíssimo “Les Visiteurs du Soir”, do recentemente falecido Marcel Carné; “Providence”, de Alain Resnais; “A Hora do Lobo”, de Ingmar Bergman e até o português “O Cerco dos Enforcados”, de Fernando Garcia.

O segundo ano do festival fica marcado pelo início da competição. O primeiro vencedor do Grande Prémio do Fantas foi “The Redeemer”, do polaco Krsto Papic. O festival é marcado pela estreia nacional do inclassificável “Eraserhead”, primeira obra do cineasta de culto David Lynch. Começaram a realizar-se retrospectivas no decorrer do festival tendo sido as primeiras do cinema fantástico belga, francês (em especial de Louis Feuillade), espanhol e italiano (com os mestres Dario Argento e Mario Bava).

Em 1983 o festival abre as portas para a estreia europeia de “Blade Runner”, o filme de culto de ficção científica da década de 80 e na área competitiva, “Scanners”, de David Cronenberg, merece o Grande Prémio do Fantas.

A edição de 1984 é marcada pela descoberta de três dos mais importantes cineastas europeus da actualidade: Peter Greenaway, Paul Verhoeven e Luc Besson que, com “Utu/ O Último Guerreiro”, venceria o Grande Prémio do Fantas. Em 1985 o grande vencedor do festival foi o filme de Neil Jordan, o místico e atmosférico “A Companhia dos Lobos”.

Em 1986 as fronteiras do fantástico continuam a alargar-se, com o festival a dar lugar também para o thriller, o filme policial e o de suspense. Na selecção oficial descobrem-se, mais uma vez, novos valores como Joel e Ethan Coen, (com “Sangue por Sangue”) e Lars Von Trier (“O Elemento do Crime”) à cabeça. Apesar disso, o Grande Prémio vai para um filme espanhol, “Fuego Eterno”, de José Angel Rebolledo.

O ano de 1987 foi o ano da ante-estreia nacional da “Mosca” de David Cronenberg e de descobertas de grandes cineastas: Pedro Almodovar com “Matador”, Sam Raimi com um dos filmes de terror de culto da década de 80, “Evil Dead”, e Wes Craven, que apresenta ao público português a personagem de Freddy Krueger, assasssino do mundo dos sonhos, no filme “Pesadelo em Elm Street”. O filme inglês “Em Defesa da Nação”, realizado por David Drury ganha o Grande Prémio.

Em 1988, Hong Kong estreia de rompante no festival surpreendendo tudo e todos com “A Chinese Ghost Story”, de Chin Siu Tung, incontestavelmente o Grande Prémio do ano. Em 1989 o grande vencedor foi o filme “Atracção Diabólica”, de George A.Romero e Cronenberg (presença assídua no Fantas) apresenta um dos seus filmes mais conseguidos e mais perturbantes “Irmãos Inseparáveis”.

O gore dominou o festival de 1990, com a grande surpresa a chegar novamente da Nova Zelândia, com “Bad Taste”, de Peter Jackson, talvez o filme mais sangrento (mas inventivo e delirante) da história do cinema. O principal prémio do festival foi para “Black Rainbow ” de Mike Hodges. O ano de 1991 pertence por inteiro ao excelente filme “Henry, Portrait of a Serial Killer”, de John McNaughton, visão realista do dia-a-dia de um serial killer, que ganhou em toda a linha: Grande Prémio, melhor interpretação masculina e feminina, prémio do público e prémio da crítica. Em 1992 o Grande Prémio foi parar ao relativamente desconhecido “Toto Le Heros”, de Jaco Van Dormael, perante candidatos de peso que viriam a ter uma carreira invejável nas salas: “Os Livros de Próspero”, de Peter Greenaway, “Naked Lunch” de David Lynch, e “Europa”, de Lars Von Trier.

Em 1993 o grande premiado foi o neozelandês Peter Jackson, que surpreendeu novamente com o inarrável “Braindead”, que consegue acrescentar sempre mais sangue e tripas do que julgariamos possível. Este ano fica igualmente marcado pela grandiosa estreia de Quentin Tarantino que surpreendeu tudo e todos com a sua primeira obra “Reservoir Dogs”. Em 1994 o grande vencedor foi “Cronos”, do mexicano Guillermo del Toro e em 1995 o Grande Prémio foi parar às mãos de Danny Boyle com o seu primeiro filme “Pequenos Crimes Entre Amigos”.

Em 1996 aconteceu algo praticamente inédito no festival. O grande vencedor do festival foi um sucesso nas salas de cinema. “Seven/Os Sete Pecados Mortais”, de David Fincher foi, sem sombra de dúvida, o filme do ano. Em 1997 o grande premiado foi “Bound/Sem Limites” de Larry e Andrew Waschoswski tendo-se inaugurado nesse mesmo ano um novo espaço de programação, “Fantásia”, dedicado ao cinema que se produz no Oriente.

A edição de 1998 do Festival Internacional de Cinema do Porto, para além da edição que marca a maioridade do evento (18 anos), foi a maior de sempre, em número de filmes, em número de salas e em público. O Teatro Rivoli assumiu a posição de sala central, deixando o Auditório Nacional Carlos Alberto para segundo plano. O Grande Prémio foi atribuido a “Retroactive”, de Louis Morneau. O grande premiado de 1999 foi “Cube” de Vincenzo Natali, num festival que reduziu o número de filmes projectados para preservar a qualidade do evento ao invés da quantidade de projecções.

Mais recentemente, e com a recessão a fazer-se sentir de ano para ano, os premiados foram “Siam Sunset” de John Polson em 2000,  “Amor es Perros” de Alejandro G. Iñaturri em 2001, “Fausto 5.0” de Isidro Ortiz, Allex Ollé e Carlos Padrissa em 2002 e no ano passado “Intacto” de Juan Carlos Fresnadillo foi o grande vencedor, mostrando mais uma vez toda a força do cinema espanhol. Da edição do ano passado fica ainda o destaque para Danny Boyle que arrecadou o prémio para melhor realizador com o fantástico “28 Days After”.

365 DIAS DEPOIS ….

… O Fantas está de volta. Mesmo em tempo de “vacas magras” e com algumas ameaças de possível falência da Cinema Novo (Empresa organizadora do evento), a 24ª edição do Festival de Cinema Fantástico do Porto está prestes a começar prometendo ser uma das mais espetaculares de sempre. De 16 de Fevereiro a 1 de Março, a cidade do Porto irá receber cerca de 250 filmes e uma quantidade enorme de espectadores, curiosos e jornalistas. Pelo cardápio de fitas que foi apresentado, só podemos esperar um grande sucesso desta edição que irá servir de aquecimento para a edição de quarto de século do festival no próximo ano.

Não irão faltar motivos para dar um pulinho ao Rivoli ou às salas AMC e apreciar muito e bom cinema. Logo no dia de abertura oficial do festival, 20 de Fevereiro, será apresentado em ante-estreia nacional, “Northfork” de Michael Polish, um filme onírico e surpreendente com um naipe de actores de excepção como Nick Nolte, Daryl Hannah e James Woods num filme mágico, sobre o medo que o homem tem de grandes mudanças na sua vida.

Se o nível da sessão de abertura é muito alto, a sessão de encerramento agendada para dia 28 de Fevereiro não fica nada atrás com “The Cooler” de Wayne Kramer, um dos mais esperados filmes do ano com um notável William H. Macy enquanto protagonista.

Na Secção Oficial do Cinema Fantástico é dificil fazer destaques dado o equilíbrio da selecção. Aqui ficam alguns dos filmes em competição e provavelmente as maiores atracções do festival: “The Texas Chainsaw Massacre” de Marcus Nispel, “The Locals” de Greg Page, um surpreendente filme de terror onde se prova que nem tudo foi inventado até hoje, “Cabin Fever” de Eli Roth, o filme surpresa do ano nos Estados Unidos, “The Last Horror Movie” de Julian Richards, uma das descobertas de Cannes do ano passado e o muito aguardado e divertido “House of 1000 Corpses” de Rob Zombie.

A Secção Oficial da Semana dos Realizadores assume este ano um carácter mais alargado e na sua vasta selecção de filmes podemos destacar: “O Herói” de Zé Zé Gamboa, uma produção portuguesa filmada em Angola; “Perfect Strangers” de Gaylene Preston, que traz-nos Sam Neal num filme de grande suspense; “Struggle” da austríaca Ruth Mader, uma presença na Competição do último festival de Cannes e “800 Balas”, de Álex de la Iglesia, uma homenagem aos western sphaguetti.

Para além das secções oficiais acima referidas, ainda temos a competição oficial das curta-metragens, a secção oficial Première & Panorama de onde destacamos o “Auto da Compadecida” do brasileiro Guel Arraes, a secção Méliès D’Argent, a secção Orient Express (filmes asiáticos) e a secção dedicada ao cinema português.

Se todos estes filmes não bastassem para convencer até os mais cépticos a sair de casa e a ir ao cinema, este ano a semana Pré-Fantas promete grandes momentos de cinema. Serão dedicadas retrospectivas sobre as obras de Boris Karloff (actor britânico que ficou para sempre conhecido como o “Frankenstein”), Lucio Fulci (o realizador dos zombie-spaggetti) e Herchell Gordon Lewis (fundador do popular subgénero de terror que é o “Gore”) assim como irão decorrer diversas antestreias nacionais. Estas retrospectivas prolongam-se até depois de dia 20 de Fevereiro, altura em que abre oficialmente o festival e onde poderá ser vista uma retrospectiva de cinema espanhol fantástico recente nas salas AMC (Homenagem à Filmax e à sua Fantastic Factory, a maior produtora de cinema fantástico em Espanha).

TODOS RUMO AO PORTO

Durante muito tempo tem-se ouvido falar de um vazio enorme de eventos e espaços culturais e que a cultura em Portugal não evolui, que o estado não subsidia e que Portugal não anda para a frente. O grande problema da sociedade portuguesa é o querer e não fazer. A maioria é a favor da legalização do aborto, mas ao invés de ir votar, prefere ir para a praia e deixar que os outros decidam por eles. Somos todos a favor do teatro e que deveriam haver mais peças e mais divulgação de uma arte com grande tradição no nosso país, mas a verdade é que o comodismo faz com que fiquemos em casa a ver a telenovela mexicana. Um exemplo recente da falta de empenhamento do público português foi a Zero em Comportamento, organização que todos lhe atribuiam mérito e valor mas as salas ficavam às moscas levando ao seu encerramento. Sem acção não existe reacção. Por isso, apelo a todos que acham que o Fantasporto é um evento de valor em Portugal, para aproveitarem a ocasião, conhecer a cidade invicta e ver muito e bom cinema.

Desejo muitas boas fitas a todos!



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