Fantasporto 2016: o princípio
Quatro rostos preenchiam a mesa de conferência de imprensa. Tiago Guedes, o director do Rivoli, deu o mote e passou a palavra ao sempre prolífico Mário Dorminsky, director do festival a par de Beatriz Pacheco Pereira, que, por sua vez, tinha ao seu lado direito o realizador Luís Galvão Teles. Eis o primeiro momento público do Fantasporto 2016.
Expondo a realidade do cinema e dos festivais cinematográficos em Portugal, reflectindo sobre a importância do seu festival e da 36ª edição que este ano apresenta, Mário Dorminsky começou por afirmar que “nunca houve tanta cultura em Portugal”, destacando os projectos criativos jovens que vão contornando a falta de apoios das estruturas autárquicas e estatais. “Como no pós-25 de Abril, quando não pensávamos no dinheiro”.
No entanto, é com dinheiro que se organiza um festival e Dorminsky agradeceu à Câmara do Porto o apoio total de 90.000€, sendo 65.000€ o valor correspondente ao aluguer do Rivoli. Demonstrando sempre a preocupação em frisar a presença da cidade na essência do festival, como no nome, o director acabou por se debruçar nas diferenças entre Norte e Sul, alegando que em Lisboa se pede primeiro e no Norte se pede depois de estarem estabelecidos os projectos.
Sem ajudas estatais de grande porte, é lógico que o Fantas, como carinhosamente é chamado, esteja também dependente de ajudas privadas, onde a Unicer com a marca Super Bock tem um papel preponderante, ajudando à sua efectuação desde o segundo ano. Serve esta declaração para se afirmar publicamente o elogio, pois os privados estão “vocacionados para os grandes festivais de música rock”, onde mesmo assim nada é como era e alguns não chegam a receber o que o Fantasporto recebeu em alturas em que o seu orçamento era de um milhão de euros.
Do Porto para o Mundo
Os tempos mudam, os orçamentos também, mas as caras vão-se mantendo. “Acontece assim em Toronto, Berlim, Veneza, Cannes, onde os directores e programadores dos festivais são os mesmos há muitos anos”.
Inserindo o Fantasporto num dos seis festivais de cinema a nível nacional, onde se destaca a par do Lisbon & Estoril Film Festival, Dorminsky considera que é pela experiência que são “pioneiros do que é emergente”, demonstrando com a descoberta de Alejandro Iñarritu que é através de muito “estudo e pesquisa, desde a produção até à amostragem do filme” que conseguem destacar, mais cedo e melhor, nomes que serão, como o citado, vencedores ou nomeados para vários galardões. O Fantas antecede, como uma montra, aquilo que o Mundo do cinema vem mais tarde confirmar.
Deixando a sorte em segundo plano, Dorminsky revelou a insistência na América Latina como fonte de produções de qualidade mundial. Ainda assim, é possível destacar a presença de russos, polacos e húngaros, mostrando a força que o Leste começa a evidenciar no mundo cinematográfico.
Considerando o seu uma mescla dos festivais Sundance e Slamdance, o director aponta o sucesso do vencedor da edição transacta (Liza, a Fada-Raposa, de Károly Ujj Mészáros) que marcou presença em mais de uma centena de festivais, tendo vencido várias dezenas de prémios, a prova de que o Fantas tem um papel importante na carreira dos que lá se representam e no panorama cinéfilo.
Se assim não fosse, os realizadores não se referiam ao festival de primeira linha considerado pela revista Tripper um dos dez festivais mundiais que não podemos perder durante a nossa vida.
O dinheiro não é tudo
Ao longo do tempo, a técnica foi mudando e agora o domínio pertence ao digital. Os orçamentos que antes continham rubricas para aluguer de armazéns e transportes dispendiosos de caixas de filmes, ficaram agora mais pequenos, fruto da conjuntura.
Dorminsky afirma que é preciso alguma contenção e que nem sempre podem aceder aos caprichos de algumas estrelas que desejam viajar em Classe Executiva.
“Só pagamos viagens dentro da Europa. Isso pode ser limitativo, por não trazermos tantos nomes de dimensão mundial” mas é forma do Fantasporto se aguentar com um orçamento de menos de metade do tal milhão que em tempos era despendido.
Com todas as limitações que possam existir, o Fantasporto continua determinado a apostar nos filmes que não são vistos, facto que Dorminsky atesta com uma frase lacónica: “Não há filmes comprados.”
Certo é que o caminho traçado colocou Portugal e o Porto na rota do cinema, passando por vários órgãos de comunicação, incluindo a Euronews.
A vez de Beatriz
Beatriz Pacheco Pereira, ao contrário do seu companheiro de vida e de direcção, é mais breve. Mais concreta e com menos divagações, oferece uma visão mais prática. Na verdade, complementam-se. Não podemos dispensar nenhum para ter a real noção do que é o Fantasporto.
Foram sessenta e sete os países a propor filmes, tendo ficado quarenta na programação. A esta pertencem os cento e quarenta filmes em Antestreia Mundial, International Premiere (a primeira apresentação fora do seu país de origem) ou Antestreia Europeia, mas apenas cinco podem ser considerados de horror. Como o mundo, que “nos trouxe a feliz confluência do turismo e de uma óptima programação”, e os orçamentos, também o Fantas mudou.
Como gosta de frisar, “o Fantasporto também se faz nos corredores” e este ano o artista convidado é Afonso Canedo, destacando-se também a subtemática da música.
Beatriz apresentou ainda o homenageado deste ano, Nicolau Breyner, como sendo um homem de cinema que está muito para lá da notoriedade que a televisão lhe confere.
Um filme de duas cabeças
Gelo é o filme de abertura desta edição do Fantasporto. Luís e Gonçalo Galvão Teles, pai e filho, realizam esta obra, cuja abordagem nos é dada pelo primeiro, presente na conferência de imprensa.
“É um filme a quatro mãos ou bicéfalo, como o meu filho gosta de lhe chamar”, afirma Luís, também co-produtor do projecto.
Reiterando a honra de estar presente no festival, Luís recorda a homenagem de há seis anos, vizinha à morte do seu pai, o que confere a este regresso de pai e filho uma dimensão sentimental que se vê acrescida ainda com as referências de transmissão geracional de Gelo.
“Fui homenageado como que em final de carreira, mas aqui estou com um novo filme, por isso estou vivo”, afirmou o realizador para depois agraciar a “actriz extraordinária” que conseguiu contratar com uma anormal simplicidade.
“Foi tudo muito fácil. Encontrámo-nos em Madrid, discutimos o que queríamos para o filme e três dias depois tínhamos um contrato assinado, que é algo impensável no nosso país onde demoro meses a montar um elenco.”
Além de Ivana Baquero (actriz de O Labirinto de Fauno, de Guillermo del Toro, vencedor do Fantas 2007), Albano Jerónimo, Afonso Pimentel, Ivo Canelas, Inês Castel-Branco, entre outros, fazem deste um “filme de actores, de imaginação”.
Quantas vidas há numa vida? É este o mote de Gelo, em antestreia mundial dia 26 de Fevereiro no Fantasporto, um filme que incita o espectador a viver mais do que uma vida, através da mulher que vive duas vezes, misturando o real e o imaginário. Duas vezes, como nas duas cabeças que o trouxeram até nós.
O futuro
A presença de oito escolas perfaz um recorde de participações e augura um auspicioso futuro para o nosso cinema. Talvez seja isso que permita ao Fantasporto ter sessenta e três filmes portugueses em competição e nos leve a constatar que mais portugueses gostam do cinema nacional.
A par do futuro, destaque ainda para o Fantas for Peace, com uma história ao estilo de Aristides Sousa Mendes passada no Japão e para as temáticas actuais que se desvendam e desvelam na programação. “O desenraizamento, as migrações, a violência, a dificuldade de integração da juventude urbana sem rumo” são as temáticas actuais que Beatriz nos aponta como sendo o presente do Fantasporto. E é somando o presente sagaz, com um futuro construído de forma sólida, com alicerces na descoberta, no estudo e no talento que o Fantasporto faz trinta e seis anos numa edição que a Rua de Baixo faz questão de não perder.
Fotografia: Andreia Filipa Cardoso
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