30º Fantas
Os Filmes do Fantas.
Nota Prévia: Um especial agradecimento ao restarurante/cafetaria A BRASILEIRA na baixa do Porto que nos permitiu acompanhar o Festival e produzir este texto.
A 30ª edição do festival de cinema portuense foi repleta de emoções fortes. Houve vampiros, zombies, sangue, muita violência gratuita e um desfilar de cruzes e outros ícones religiosos.
O pedido de reforço dos apoios estatais marcou as intervenções da organização e dos convidados ao longo do certame. Na cerimónia de abertura do Fantas não faltaram os discursos longos da praxe neste tipo de evento. Com Gabriela Canavilhas sentada na primeira fila, a coisa ia em jeito de recado político. A Ministra da Cultura quando chamada a discursar apontou disponibilidade para encontrar soluções.
Colin Arthur foi homenageado nesta edição e trouxe consigo um brinde para o vislumbre da plateia, a cabeça de um dos macacos da famosa sequência de “2001 – Odisseia no Espaço”, algo que faz tremer as pernas de um verdadeiro cinéfilo. Já o produtor Samuel Hadida havia discursado quando Michael J. Basset (realizador de “Solomon Kane”), prometendo ser breve, disse aquilo que o público queria ouvir: “Um festival de cinema é feito de filmes”.
Os Filmes do Fantas (alguns destaques)
Execuções, murros, estaladas, facadas, gritos e afins. Quando o Rivoli enche, nota-se esta procura pela vertigem e pelo arrepio no público, que celebra a as sequências mais entusiasmantes aplaudindo.
“La Horde”
Quando Yannick Dahan e Benjamin Rocher apresentaram “La Horde” contaram que ouviram várias vezes ser-lhes dito que não podiam fazer um filme de zombies em França. Nas palavras dos próprios, responderam com um “Fuck You” – que se crê simbólico – e puseram mãos ao filme que queriam criar. E este filme é ouro para os fãs de filmes de zombies e não só. A acção arranca em tom de policial: um grupo de polícias que reclama vingança invade um edifício onde se encontram os gangsters responsáveis pela morte de um colega. A coisa começa a correr mal para os pouco ortodoxos agentes da lei quando se apercebem que Paris está entregue aos mortos-vivos. Resta aos bons e aos maus juntarem esforços para sobreviverem. Um filme de acção deliciosamente violento com um argumento sólido premiado pelo júri. Os diálogos são divertidíssimos e há algumas situações de primeira água. A realização é de grande nervo e presta sincera homenagem a vários géneros.
“Thirst”
Chan Wok Park é já um nome familiar para os fãs de cinema de acção asiático devido ao fenómeno “Old Boy”. O seu novo filme “Thirst” acompanha um padre católico que se torna vampiro depois de uma transfusão de sangue. Como é hábito no cinema de Park a acção é o pretexto para acompanhar a viagem psicológica dos personagens. Esta é uma história de um homem de fé entre a expiação e a tentação, que tenta lidar com a nova forma como o seu corpo e a mente sentem o mundo. É também uma história de amor fatalista e um retrato cómico de uma família e duma comunidade. O filme vencedor da secção Orient Express foi provavelmente o melhor filme exibido no festival.
“Rec 2”
Uma equipa militar entra dentro do edifício onde está o “mal Medeiros”, no ponto em que acabava o primeiro “Rec”. Aos homens armados (também com câmaras) junta-se um suposto representante do ministério da saúde. Ao mesmo tempo, há mais personagens que conseguem infiltrar-se dentro do edifício. Era muito o medo de que esta sequela se mostrasse apenas como uma forma de vender o peixe, mas nada disso se confirmou. O espectador acompanha o filme através das várias câmaras que os personagens levam consigo para o cenário. O argumento mantém-se sempre fresco suscitando no público a vontade de saber o que vai acontecer no instante seguinte. O ambiente é denso e muito bem conseguido, a montagem está no ponto. Um entusiasmante filme de género.
“Air Doll”
É uma pena que este belíssimo filme não tenha alcançado qualquer menção no palmarés do festival. Sem dúvida um dos melhores filmes a concurso, “Air Doll” (“Koreeda”), é a história de uma boneca insuflável que ganha vida e se faz a ela com muita vontade. São várias as sequências que nos vão ficar na memória. Este filme assenta numa metáfora sobre o vazio existencialista. Seremos assim tão diferentes de alguém que dentro de si tem apenas ar? Afinal, hoje quase todos nós somos vazios. Um ensaio sobre a visão que um corpo recém-animado tem sobre a sociedade dos nossos dias. E no fundo, também a nós nos parece tão estranho o dia-a-dia que vivemos.
“Heartless”
Jim Sturgess é Jamie Morgan, um fotógrafo que vive em East London, uma zona assolada pela violência dos gangs. Mas serão estes gangs como os outros, ou será que os seus capuzes negros escondem demónios reais? Grande vencedor da competição fantástico, este filme tem um grave problema – o seu fim. O argumento sucumbe no último quarto, ficando-nos a sensação que afinal nem é carne nem é peixe. E é uma pena porque este é um filme perfeito no seu início. O ambiente que Philip Ridley consegue é denso e excitante, tanto entre Jamie e os seus próximos como entre todos eles e o ambiente que os envolve. A coisa começa a correr mal quando entra a personagem de Papa B, que nunca chega a ser simbolicamente aquilo que devia. Por melhor que seja a realização de Ridley, o filme que podia ser tão bom, deixa-nos um certo amargo de boca. Uma palavra para Sturgess, justíssimo prémio de representação – este filme é “Jamie Morgan all the way” e o actor está sem dúvida à altura do desafio. Apesar de tudo, este é um filme a ver. Dá gozo ver Ridley a filmar e só a cena brilhante do prostituto vale o dinheiro de um bilhete de cinema.
“Embargo”
A adaptação do conto homónimo de José Saramago é um comprimido para combater a doença de que o cinema português padece. Um filme capaz de agradar a muitos tipos de público, inteligente, bem escrito e realizado. António Ferreia faz uma comédia de bom coração que só não fará rir quem não o tiver. O cineasta proporciona mais uma vez excelentes interpretações a todo o elenco. Filipe Costa é uma revelação para o nosso cinema na composição calorosa de Nuno, um azarado do caraças que fica preso no seu carro num momento que pode virar a sua vida.
“Deliver us from evil”
Johannes regressa à sua cidade natal com a mulher e os seus dois filhos – uma família feliz. A ajudar Johannes a remodelar a casa está Alain, um emigrante que tenta esquecer a guerra dos Balcãs. O irmão, Lars, é um camionista alcoólico e frustrado que no regresso a casa atropela Anna, uma figura querida de toda a vila. Após Lars tramar Alain, incriminando-o, as pessoas daquele pequeno meio parecem estar de acordo: linchem o “negro”. O filme de Ole Bornedal, além de uma tenaz reflexão sobre o preconceito, tem um subtexto de classes ultra-divertido. Sem nunca ser leviano, faz-nos rir de coisas sérias pondo-as em perspectiva. Quando a certa altura chega ao ponto de ser uma pérola no estilo “homem culto de classe média contra a escumalha intolerante”, ficamos maravilhados com a maneira como Bornedal nos levou nesta viagem. Primeiro faz-nos pensar “Como reagiria?”, entretanto leva-nos à exaustão dramática – este é daqueles filmes em que já embrenhados no enredo, começamos a implorar para que nada aconteça aos “nossos” personagens. Pelo meio, o à-vontade é tanto que o realizador dinamarquês se dá ao luxo de nos minar o pensamento com o seu humor negro de filigrana. Apesar de não se perceber muito bem qual a necessidade do filme começar com uma voz-off um quanto irritante, estamos perante um argumento que nos agarra até ao fim. A realização e a fotografia são de excelência. Prémio especial do Júri.
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