Festival Músicas do Mundo 2013 | Dias 18, 19 e 20 de Julho
São poucos os festivais que existem por cá que conseguem, numa única frase, mostrar aquilo que são realmente. O Festival Músicas do Mundo (FMM) é um deles. É mesmo “Música com espírito de aventura”
Quinta-Feira, 18 de Julho
O FMM não existe sem África. Encarem-no como um dogma. É um eixo vital na essência do FMM, e num ano que se assume como especial, de celebração, África tinha de estar presente logo no dia de abertura no mui acolhedor Castelo de Sines. E esteve-o. E nós que estávamos ali a assistir, só ganhámos com isso.
Bassekou Kouyaté & Ngoni Ba, vieram do Mali e estrearam-se no FMM em 2008, com um concerto no Centro de Artes. Os blues africanos que traziam na bagagem rapidamente foram libertados no palco do Castelo. É um som quente, que contrasta com a brisa fresca, tão típica por estas bandas, aquele que nos chega aos ouvidos. Em palco são sete elementos que se ocupam de uma variada panóplia de instrumentos; há instrumentos de percussão e Ngonis de todos os tamanhos. O Ngoni é um instrumento de cordas e Bassekou Kouyaté é um dos melhores tocadores. Há muito e bom improviso. Há alegria. Há vontade de dançar – é algo recorrente em muitos concertos do FMM – mas há também a clara percepção de que estamos perante músicos de eleição que sentem que estão a ser recebidos de braços abertos pelo público. Grande concerto. Já há algum tempo que o FMM não começava com uma nota tão alta.
A segunda actuação traz uma viragem radical não só no género musical mas também no continente. Os nova-iorquinos Hazmat Modine – que se estrearam no festival em 2008, no já extinto palco de Porto Covo, trazem ao palco do Castelo um verdadeiro melting pot musical. Escutamos blues, jazz (pensamos sempre em Nova Orleães) e funk. As composições dos Hazmat Modine reflectem uma América bem distinta daquela que nos é apresentada todos os dias pela televisão. Esqueçam polémicas e escândalos. Esqueçam vícios e maus hábitos. Esqueçam credos, raças ou cor. Em vez disso imaginem-se à beira do Mississípi, com água até aos joelhos e imersos nuns blues contagiantes. Em vez disso imaginem-se em Nova Orleães em modo bon-vivant, de copo na mão enquanto apreciam um belo jazz. É verdade que não contagiam como os malianos mas não é por isso que deixam de dar um belo concerto.
A primeira coisa que passa pela cabeça é que 8 anos foi tempo de mais para consumar este reencontro, no entanto mais vale tarde que nunca. Amadou Bagayoko e Mariam Doumbia são um dos duos mais adorados da música africana. É incrível olhar em volta e vermo-nos rodeados de gente que não conhecemos de lado nenhum, mas em todas as faces encontramos o mesmo sorriso tolo e embevecido. É este o efeito Amadou & Mariam e não há como evitá-lo ou contorná-lo. Quase ninguém sabe as letras de cor mas isso também não é o mais importante por aqui. Aqui absorve-se a música, a experiência. Vive-se o momento. Acreditem que funciona muitas vezes duma forma surpreendente. As canções de Amadou & Mariam são momentos de autentica celebração, de histórias e de lições de vida. A guitarra é tratada de forma única, como apenas os africanos o sabem fazer. Temos blues e rock africano ao som das canções inesquecíveis de “Dimanche a Bamako” ou do mais recente “Folila”. Nós limitamo-nos a agradecer humildemente o enorme privilégio que tivemos oportunidade de presenciar e vivenciar. Neste momento ecoa um verso em loop na minha cabeça “Le dimanche à Bamako c’est le jour de mariage”.
Sexta-Feira, 19 de Julho
À imagem dos nomes anteriores, os Barbez também não são estreantes no FMM – fizeram-no em 2010 com um grande concerto. Desta vez os nova-iorquinos estavam de volta para apresentar um novo álbum, “Bella Ciao”, nome da conhecida canção popular italiana e para a qual apresentaram também a sua interpretação ou não seja o novo álbum inspirado na Itália judaica e do pós-guerra. As canções dos Barbez são de uma beleza ímpar mas nem isso as torna mais fáceis de absorver. As cordas do violino teimam muitas vezes em falar mais alto que o resto e o resultado são sentimentos contraditórios que vão-se mutando entre canções. Primeiro parece que sentimos um aperto cá dentro, uma angústia. Depois tudo se transforma. Escuta-se folk e jazz e até poemas do poeta italiano Pier Paolo Pasolini declamados em português pelo convidado da banda, o escocês Sandy Kilpatrick.
Os Lo’jo chegaram a Sines consagrados com o “Songlines Music Awards” e com uma carreira com mais de 30 anos. E é exactamente aqui que se encontra a matriz destes franceses; na sua longevidade, nas vivências e experiências absorvidas ao longo dos anos. São bandas como os Lo’jo que nos fazem pensar no imenso mundo que o aquilo a que se decidiu chamar world music. Por exemplo. Os projectos europeus diferem, em muito, dos projectos africanos porque procuram muitas vezes incorporar sonoridades que lhes são estranhas, enquanto que os projectos africanos têm tendência a procurar mostrar uma sonoridade que é muito sua. Os Lo’jo como decerto já perceberam encontram-se no primeiro grupo e escutá-los é fazer uma viagem pelo mundo.
Baloji nasceu no Congo em 1978 mas vive na Bélgica desde os 4 anos, no entanto o distanciamento do seu País Natal não se traduziu numa total adaptação ao seu País adoptivo, segundo as palavras do próprio: “Lá não me sinto totalmente congolês, aqui não me sinto particularmente belga”. Esta indefinição acaba, de certa forma, por se reflectir na sua música, um combinação única de funk e hip-hop, blues africanos e ritmos bem congoleses (ao escrever estas linhas lembro-me dos Konono nº1, do enorme concerto que deram na praia há alguns anos e como também fazem falta por cá este ano). Depois há também o enorme talento de Baloji sobre o palco onde é um verdadeiro líder. Pleno de personalidade, estilo, simpatia e até com um discurso político claro e coerente porque os tempos assim o exigem. A perfeita definição de um frontman. Foi a surpresa da noite e deste primeiro fim de semana de FMM.
O que dizer dos Dubioza Kolektiv? Os Bósnios são daquelas bandas de quem sabemos exactamente o que esperar: loucura e festa do princípio ao fim. Exactamente o que se espera quando se fala do último concerto da noite no Castelo. Diria que não precisaram de mais de um minuto para incendiar uma multidão já de si sedenta por mais, depois do belo concerto de Baloji, alguns minutos antes. As canções dos Dubioza Kolektiv não primam pela originalidade (acho que inclusivamente nem eles o procuram fazer), não são tocadas de forma sublime (cada uma delas contem uma dose de loucura e, porque não dizê-lo, de anarquia). São puros hinos de festa e de loucura. É ska, é hip-hop, é rock, é reggae, tudo servido à moda dos Balcãs. Foi daqueles concertos que já entrou para a história do festival pela adesão que despoletou e pela entrega que se observou entre o público e a banda. Os Dubioza Kolektiv sentem-se em casa em Sines e faz-se questão que assim seja. Houve quem comentasse que se houvesse fogo-de-artifício, estaríamos a assistir ao concerto de encerramento do festival no Castelo. Verdade.
Sábado, 20 de Julho
Já tinha encontrado JP Simões no FMM várias vezes, sempre na pele de espectador. 2013 marcou finalmente a estreia deste trovador dos tempos modernos, senhor de um sentido de humor muito peculiar (que ficou patente ao longo do concerto), músico e compositor de enorme talento. Foi na companhia da sua banda, ou grupo de amigos, que decidiu fazer um tertúlia musical no Castelo e todos fomos convidados. Houve copos, cigarros, flamenco, samba, música de cinema italiana, bossa-nova e muito mais. Foi pena ter durado tão pouco.
Os Dakhabrakha subiram ao palco do Castelo como perfeitos desconhecidos e uma hora e pouco depois saíram de lá sob uma enorme e merecida ovação. Os ucranianos personificaram de forma perfeita aquilo que representa o FMM: descoberta. Eram quatro os elementos; Marko Halanevych, senhor de uma voz impressionante e Iryna Kovalenko, Olena Tsibulska e Nina Garenetska, que se dividiam pelas vocalizações, percussões e pela Garmoshka (um tipo de acordeão) e o berimbau de boca. O folk de cariz mais rural e com a percussão esteve quase sempre em destaque – quase sempre porque por vezes era o piano que assumia o papel principal – mas a espaços eram incorporados elementos de hip-hop ou vocalizações em falsete que nos causavam arrepios. Há improvisação e experimentalismo. E o que dizer de «Baby», cantada em falsete por Marko Halanevych mesmo a fechar? São momentos como este que fazem o FMM a referência que é actualmente. Uma actuação que primeiro se estranhou e depois se entranhou.
Hermeto Pascoal é como um avô no FMM. Ou pelo menos era assim que era visto até ao concerto desta edição. Quem conhece a carreira e obra deste senhor, sente desde logo um imenso respeito e admiração. É um nome incontornável da música brasileira, exímio na forma como combina elementos da música popular com música erudita. A vontade de rever aquelas longas barbas brancas e o corpo grande e envelhecido pelo tempo a andar pelo palco, a procurar controlar tudo o que se passa era imensa. Por isso conseguem imaginar a tremenda desilusão que foi ao se ouvir da boca daquele senhor “Vamos parar de tocar porque a direcção do festival disse para parar. Esse festival é uma merda.”, seguida da saída de palco de todos os elementos da banda… Momentos depois o manager da banda ainda voltou ao palco para explicar e assumir a responsabilidade pelo sucedido, percebeu mal a indicação da produção – que pediu que o concerto se começasse a encaminhar gradualmente para o final e não que o concerto terminasse de imediato. O mal estava feito e veremos se não foi irreparável. Se uma relação de pura reverência não foi abruptamente cortada. No que diz respeito ao concerto, foi claramente inferior ao concerto de 2005, naquele mesmo palco, ainda que, em virtude da craveira dos músicos que o acompanham, se tenham assistido a óptimos momentos de jazz entrelaçados com música popular brasileira. Pena é que nada disto será lembrado.
A festa continua na próxima Quarta-Feira, já com o palco da Avenida Vasco da Gama, junto à praia, a entrar também em acção.
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