Festival Músicas do Mundo
Saiba tudo sobre o mais importante festival nacional de world music. Entrevista com o director Carlos Seixas.
SINES E O FESTIVAL MÚSICAS DO MUNDO
Por entre o marasmo que é a actividade cultural na margem sul, Sines deve ser vista, não como uma excepção, mas antes como um exemplo a seguir.
Recentemente, com a inauguração do Centro de Artes de Sines, a cidade deu o passo decisivo na afirmação cultural, numa zona demasiado grande geograficamente falando, para teimar em manter-se à sombra de Lisboa.
Contudo, a principal bandeira de Sines nos últimos anos tem sido o Festival Músicas do Mundo, que para além de já se ter destacado como o mais importante festival nacional de world music (termo ingrato, mas que o entendimento geral já convencionou), se tem afirmado cada vez mais como uma alternativa válida aos festivais de verão mais generalistas.
Um dos grandes trunfos do certame é o seu carisma, que tira partido das principais valências da cidade: o imponente Castelo de Sines é o palco principal da programação do FMM, enquanto que a bela Avenida da Praia recebe concertos antes e depois e os respectivos after-hours. Para além disso, a praia de Porto Covo é também palco de actuações durante toda a semana que precede os três dias mais importantes do festival.
Mas não só de concertos vive o FMM. O já mencionado recém-construído Centro de Artes de Sines é um importante equipamento que permite um variado conjunto de abordagens artísticas à música do mundo. Assim, durante todo o mês de Julho, passarão pelo CAS exposições, cinema documental (onde se destaca, por exemplo, um documentário sobre Amadou & Miriam, o duo africano que o ano passado se apresentou em Sines), workshops (David Murray e o seu saxofone voltam a marcar presença, tal como o baterista dos KTU, Pat Mastelotto, e Reid Anderson e Ethan Iverson, respectivamente pianista e contrabaixista dos americanos The Bad Plus) e algumas conversas com os músicos (em que Vusi Mahlasela, Mariem Hassan e os Cordel de Fogo Encantado se disponibilizam para dois dedos de conversa com os fãs).
Durante praticamente todo o mês de Julho, Sines veste-se de gala para receber o FMM. Para isso, haverá ainda animação de rua e uma feira do disco. Mais do que um festival, o Festival Músicas do Mundo é um verdadeiro acontecimento que faz parar uma cidade e que atrai milhares de pessoas.
QUANDO, ONDE E COMO?
A sétima edição do Festival Músicas do Mundo decorre em Julho, com o início marcado para dia 21 e o término para dia 29. Os espectáculos dividem-se por três palcos, a saber: na praia de Porto Covo, na Avenida da Praia e no Castelo de Sines, sendo este último o palco dos momentos do programa que se adivinham de maior intensidade. Aliás, serão apenas estes concertos a terem entrada paga: o bilhete custa 10 € por dia. Todas as restantes actividades têm entrada gratuita (com excepção da inscrição nos workshops).
O PROGRAMA
A edição deste ano do Festival Músicas do Mundo extende-se este ano a uma semana de duração. No entanto, nos primeiros dias estes limitam-se à praia de Porto Covo. São eles:
Dia 21 – Francis Hime; Mayra Andrade
Dia 22 – Boris Kovac & La Campanella
Dia 23 – Actores Alidos
Dia 24 – Vaguement La Jungle
Dia 25 – Dazkarieh; Eliseo Parra
A partir de dia 26, o FMM muda-se de armas e bagagens para a cidade de Sines, dividindo-se pelos dois palcos, o da Avenida da Praia e o do Castelo de Sines. Apenas os espectáculos neste último são pagos. Eis a programação geral:
Dia 26 – Jacques Pellen; K’Naan (Avenida da Praia)
Dia 27 – Vusi Mahlasela (Avenida da Praia) | Gaiteiros de Lisboa; Trio Rabih Abou-Khalil & Joachim Kühn; Toumani Diabité (Castelo) | Almaailman Vasarat (Avenida da Praia)
Dia 28 – Nuru Kane (Avenida da Praia) | The Bad Plus; Trilok Gurtu; Thomas Mapfumo (Castelo) | Tony Allen (Avenida da Praia)
Dia 29 – Mariem Hassan (Avenida da Praia) | Värttinä; Cordel do Fogo Encantado; Seun Kuti & Egypt 80 (Castelo) | Ivo Papasov (Avenida da Praia)
Para uma informação detalhada acerca das actividades paralelas, pode visistar a página oficial do certame, seguindo este link directo.
OS DESTAQUES RDB
A Rua de Baixo gosta de velar pelo bem-estar cultural dos seus leitores. Para isso, propõe-se todos os meses a filtrar e a divulgar o máximo da informação cultural que considera a mais adequada. No entanto, como humanos que somos, por vezes também gostamos de tirar partido e fazer valer os nossos gostos. É por isso que, perante um cartaz tão alargado e eclético quanto o do Festival Músicas do Mundo, decidimos criar este pequeno excerto onde destacamos, por um motivo ou por outro, alguns dos nomes que vão pisar os palcos de Sines. Atenção, não se esqueça que são apenas opiniões e, por isso, valem o que valem.
Toumani Diabaté – O legendário Ali Farka Touré chamava-o de “Deus da kora”. De facto, Toumani Diabaté trouxe este instrumento, uma espécie de harpa de 21 cordas tradicional da África Ocidental, para a luz do dia quando em 1989 gravou o primeiro disco de kora a solo, intitulado “Kaira”. O seu estilo peculiar de tocar, numa mistura entre a técnica tradicional africana com as escalas do jazz e até do flamenco, valeram-lhe desde cedo o reconhecimento internacional, tornando-se num dos maiores vultos musicais do Mali. A sua longa carreira conta com várias colaborações de sucesso, onde se destaca a que manteve com Ali Farka Touré, que resultou no aclamado álbum “In The Heart Of The Moon”, com o bluesman Taj Mahal e com o líder dos Blur, Damon Albarn. Depois de ter tocado no nosso país ao lado de Ali Farka, esta será a estreia de Toumani Diabaté em nome próprio, acompanhado pela Symmetric Orchestra, que é composta por músicos provenientes de todo o Império Mandinga.
Trilok Gurtu – Há quem diga que é Deus no céu e Trilok Gurtu na Terra. Exageros aparte, Trilok Gurtu é considerado o melhor percussionista de sempre, título que ganhou pela ponte que criou entre a música oriental e a ocidental, eliminando as barreiras entre elas. O virtuosismo deste indiano, natural de Bombaim, não só o transformaram num dos grandes vultos do post-jazz, como do jazz de fusão e do avant-garde. A folha de trabalhos de Trilok Gurtu inclui incontáveis colaborações com os mais variados génios da música dos últimos anos, tal como John McLaughlin, Jan Garbarek, Ravi Shankar ou David Gilmour. Para Sines, acompanhado pelos irmãos Misra, espera-se a experiência mais transcendental de todo o festival.
Seun Kuti – Fela Kuti é uma lenda, não só da Nigéria, que colocou sozinho no mapa, como da própria música. É ele o pai do afrobeat e, segundo alguns, do funk como nós hoje o conhecemos. Além disso, foi figura de proa da política nigeriana, até à sua morte em 1997. Com o seu desaparecimento, o legado ficou a cargo dos seus dois sucessores: Femi e Seun Kuti. Em 2004, Femi Kuti encerrou o FMM com uma dos mais poderosos concertos que já passaram por Portugal. Agora, em 2006, é o benjamim da família, Seun Kuti, que se vai encarregar da festa de encerramento do certame. Virtuoso do saxofone, Seun Kuti mantém a mesma força em palco e a carga política das suas letras; no entanto, distingue-se musicalmente do seu irmão pelas novas tendências que aborda, como o hip-hop. A acompanhá-lo estarão os lendário Egypt 80, a banda do pai, num concerto que se espera, no mínimo, obrigatório.
ENTREVISTA
A Rua de Baixo teve o prazer de poder falar com o homem por detrás deste Festival, o director Carlos Seixas . Eis a conversa:
Rua de Baixo – O Festival Músicas do Mundo é cada vez mais uma bandeira nacional a nível cultural. Que impacto tem o festival na cidade de Sines em particular?
A comunidade sineense considera o FMM como “o seu festival”. A exposição mediática da cidade como a capital nacional da world music, considerada em Julho o centro da encruzilhada com outros continentes; o espírito de descoberta, o conhecimento do “outro” e o afluxo cada vez maior do número de visitantes; o respectivo impacto económico no comércio e na indústria hoteleira local e regional. São tudo motivos de orgulho, um consequente aumento da auto-estima e mais-valias para que os cidadãos o sintam como seu.
Quem acompanha o FMM desde o início tem observado a olhos vistos o crescimento do festival, de ano para ano. Até onde pode ir o festival?
Até onde o público e, porque não, também a crítica nos deixar ir, tendo em conta que o festival não se acomoda, antes se reinventa a cada nova edição.
O ano passado o castelo de Sines recebeu lotação máxima em alguns concertos, o que obrigou a que as portas se fechassem. Se essa situação se mantiver e a procura continuar a aumentar, ponderam alterar o local dos concertos?
O Castelo é a nossa sala por excelência. E continuará a ser. Para o público que não consegue bilhetes temos sempre a transmissão vídeo e som em directo nos largos adjacentes e junto à praia. É de salientar que dos 24 concertos programados para este ano apenas 9 serão pagos e produzidos no Castelo. Nos restantes palcos – em Porto Covo e na Avenida da Praia – a lotação é muito maior e a entrada livre, com concertos qualitativamente semelhantes aos efectuados dentro das muralhas.
Este é o primeiro ano do festival já com o Centro de Artes de Sines concluído. Como vai beneficiar o FMM das novas valências que este importante equipamento oferece?
A esmagadora maioria das Iniciativas Paralelas serão realizadas no CAS. Este ano a programação foi consideravelmente melhorada e queremos que no futuro estas actividades complementares sejam a grande aposta para a criação de novos públicos e fidelizar por períodos mais prolongados a permanência dos visitantes de Sines.
Na edição deste ano, a presença portuguesa no palco principal do FMM faz-se com os Gaiteiros de Lisboa. Acha que a música portuguesa de raiz tradicional está em perigo? Acha que precisa de ser mais apoiada?
A música com raiz tradicional não está em perigo. De há muito que alguns dos nossos melhores músicos a reinventam. Claro que é necessário apoio na sua divulgação internacional, como se faz por exemplo com o vinho e com o turismo. Nas feiras internacionais da world music verifica-se a presença “agressiva” de instituições governamentais especializadas, de países de todo o mundo, divulgando e apoiando por várias formas os seus músicos e projectos. Portugal só aparece por iniciativa de algumas produtoras ou agências, sem qualquer apoio institucional.
Presumo que seja muito complicado fazer o alinhamento do festival todos os anos. Pessoalmente, existe algum nome que gostaria de vir a ter um dia a actuar em Sines?
É complicado pelas datas em que decorre o festival. É no Verão que se realizam a maior parte dos festivais. Muitos dos músicos que pretendemos trazer a Sines têm uma agenda sobrecarregada nessa altura do ano. E é muito difícil deslocarem-se a Portugal para concerto único. De quando em quando o “namoro” concretiza-se passados alguns anos.
Dou três exemplos, entre muitos, de músicos que gostaria de ver actuar no palco do Castelo: Tom Waits, Ry Cooder e Flaco Jimenez
O FMM não se faz só de concertos. Há alguma iniciativa paralela que gostasse de destacar?
Destaco os workshops de Pat Mastelotto, David Murray, Ethan Iverson e Reid Anderson, destinado a músicos de todos os instrumentos. Também o ciclo de cinema documental e a extensão do festival “Escrita na Paisagem”. Mas para melhor apreciação, não deixem de consultar o site: www.fmm.com.pt
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