Jorge Travassos
A Rua de Baixo esteve à conversa com Travassos, o programador do Festival Rescaldo
Aproveitando o culminar de mais uma edição do Festival Rescaldo (a sexta), a Rua de Baixo esteve à conversa com o programador do festival – Jorge Travassos – sobre o passado e o futuro do evento.
De que forma é que esta edição do Rescaldo marcou a diferença em relação a edições anteriores? O que trouxe de novo ao público?
A principal diferença da recente edição do Rescaldo foi o facto de ter atingido uma maior visibilidade generalizada – o que se reflectiu na procura. De resto tentámos manter o conceito firme e apresentar, desde a 1ª edição, nomes e projectos menos conhecidos que merecem destaque pelo seu contributo para as músicas criativas feitas em Portugal. A maior revelação deste ano foi sem dúvida o projecto Almost a Song da Joana Sá com o Luís José Martins.
A Culturgest e a Trem Azul foram suficientes para abarcar o festival deste ano ou gostarias de ter o apoio de outros espaços?
Admito que considero no futuro a existência de outros espaços, essencialmente porque isso tornaria a programação mais flexível – no entanto estamos a firmar uma relação com a Culturgest e a tentar associar o conceito ao espaço. É um trabalho que está a ser construído e que precisa de ser apurado. Envolver outros espaços seria, de momento, imprudente. Nesta edição conquistámos o espaço da cafetaria e creio que isso já é um passo para o festival se expandir. Por outro lado, defendo que o crescimento do festival é um assunto delicado que deve ser ponderado com a máxima das precauções.
Como se processou a selecção de bandas do festival? Foi um processo difícil? Quais os critérios de selecção?
A selecção é sempre um processo difícil. Com o notório sucesso do festival as minhas responsabilidades têm aumentado proporcionalmente. O que me obriga a um trabalho de pesquisa quase diário de modo a ter essa capacidade de escolha. Confesso que me trouxe alguns dissabores ter de ouvir muita música portuguesa que preferia não ter ouvido, a sua maioria tão igual a tantas outras sem qualquer tentativa de busca por um trilho próprio. Por vezes sinto que ando à procura de uma agulha num palheiro.
Quando tiveste a ideia de arrancar com o Rescaldo e fizeste praticamente tudo sozinho, alguma vez pensaste que o festival ia chegar ao lugar de destaque de hoje?
Sempre tive a sensação de que o conceito era bom e que o festival tinha potencial para crescer, mas sinceramente nunca esperei que assumisse estas proporções. Felizmente que continuo a ter o controlo sobre o festival, o que me dá a opção de gerir esse lugar de destaque como achar mais conveniente.
Como encaras a crescente falta de apoios e financiamento a eventos culturais no nosso País?
Portugal nunca teve uma orientação política que abraçasse as vantagens de ter políticas culturais coordenadas, nunca teve qualquer visão para isso e nunca soube aproveitar o nosso potencial cultural decentemente. Todas as coisas boas conseguidas nunca foram continuadas por governos seguintes e acabaram por enfraquecer. O maior exemplo disto é a existência dos Teatros Municipais, todos eles com excelentes condições mas sem qualquer capacidade de gestão.
Por outro lado sinto que nunca existiram muitos apoios e que desde sempre vivemos num regime onde é obrigatório sabermos adaptar-nos às vicissitudes da conjectura. Quem tem mesmo vontade de fazer, faz, e os apoios nunca foram um entrave a que manifestações de grande interesse pudessem acontecer. Considero que a existência da criação nestes moldes alimenta de forma um pouco mais genuína o teor da criação artística e que na maioria das vezes os resultados são muito bons. É o caso de Lisboa onde as coisas continuam a fervilhar com a mesma intensidade, apesar de existir menos dinheiro.
Quantas pessoas receberam na edição deste ano? Fez jus às expectativas? Superou a dos outros anos?
Comparativamente com a edição anterior o público evoluiu de 65% para 95%. Superou as minhas expectativas. Isto deve-se ao facto do Rescaldo este ano ter tido mais visibilidade e de ter chegado a outros canais e públicos. Gostava de acreditar também que as pessoas estão cansadas de festivais associados a marcas, que não passam de meras campanhas publicitárias altamente viciadas, e estão curiosas para ouvir outras propostas.
Qual a banda/músico que chamou mais público às salas?
As bandas que conseguiram encher o auditório foram o Norberto Lobo com o Carlos Bica no ano passado, Almost a Song e os Pop Dell´Arte este ano. Na Trem Azul, este ano ainda, os Black Bombaim ficaram esgotados dias antes, não cabia um grão de arroz na sala.
Já pensaste editar um disco com todas as bandas que actuaram no Rescaldo?
Isso é um ponto pensado desde o início. De qualquer maneira, até à data ainda não fez sentido o suficiente. Temos editado nos últimos dois anos projectos que tocaram no festival através da editora Shhpuma e isso é um grande contributo. É um trabalho que está a amadurecer e continuará a dar frutos no futuro.
Como tem sido o percurso das bandas/músicos depois de actuarem nas edições do Rescaldo? Passa a haver um reconhecimento maior por parte do público? Têm lugar nos grandes festivais?
Não sei se o Rescaldo é de tal forma importante que seja considerado uma rampa segura de lançamento para músicos menos conhecidos. Certamente que ajudará de alguma maneira, mas os músicos é que são os donos das suas carreiras e só eles poderão determinar as ambições do seu percurso. Estou em crer que a maioria não tem como objectivo tocar num grande festival, seja lá o que isso significa.
Porque é que a música mais alternativa não vende discos mas empurra multidões para festivais?
A palavra alternativa provoca-me calafrios. Provavelmente o que é alternativo para ti não é alternativo para mim ou para o vizinho. Não existem festivais de música alternativa que tenham multidões, senão jamais poderá ser considerado alternativo.
A música de minorias continua a ter um público mais fiel do que a música projectada para massas. Nesses nichos as pessoas ainda gostam de ter os discos físicos ou formatos não comprimidos e tendem a não se deixar corromper por formas de audição que empobrecem a música. Com a facilidade do mercado global os negócios direccionados a esses nichos são os únicos que têm conseguido encontrar um caminho de sobrevivência nesta morte anunciada do mercado discográfico.
Nunca pensaste em criar um concurso de bandas na área do rock e do jazz experimentais?
Não acredito em concursos. O dia-a-dia é um concurso, quem jogar melhor o jogo ganha.
Já estás a pensar no próximo Rescaldo? Alguma ideia que possas partilhar para já?
O próximo Rescaldo já está em curso. Tendo em conta que a expectativa é uma arma que tem que ser doseada de forma equilibrada, só iremos fazer anúncios públicos quando for pertinente.
Fotografia por Vera Marmelo
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