Festival Silêncio @ Musicbox
Bulícios Silenciosos.
O Musicbox serviu, mais uma vez, como pano de fundo ao segundo dia do Festival Silêncio no passado dia 19 de Junho – evento que, estabelecendo pontes entre as mais diversas formas de expressão artística, visa motivar o embate recíproco com a palavra expressa, cruzando tendências e novos moldes que façam colidir a música com a palavra.
O espectáculo abriu em modo spoken word com “Estilhaços”. Adolfo Luxúria Canibal representa com a voz textos do seu livro homónimo, acompanhado nos teclados por António Rafael e Henrique Fernandes no contrabaixo. «De estrelas nada sei», «Questão de ambiência», «A filha surda», «Noite Transfigurada» e «Tempo que Passa» foram alguns dos recitados a meia luz .
Premente, direccionado, corrosivo, lascivo, reflexivo e acusador, Adolfo assume assim, com a sua leitura, as mensagens emergentes neste livro/disco. As imagens captadas, as antigas recordações ”que nenhuma imagem consegue captar”, o frenesim de experiências mundanas nas suas manhas, as reminiscências da dimensão infinita do silêncio “emoldurado na penumbra” (em «Noite transfigurada») a ineficácia da medicina (em «Filha surda»), o crescimento e triunfo da descoberta na homonomia do filho (em «Tempo que passa»), a incompreensão da adaptabilidade a grandes metrópoles da moda – como Nova Iorque, Londres ou Tóquio – no discernimento da sua utilidade, segundo o escritor/cantor, “monumentabilidade, comida e tecnologia” (em «Questão de ambiência»), sem esquecer as breves alusões das suas origens africanas (em «De estrelas nada sei») são propósitos que marcam este trabalho e entronizam-se ao longo da sua actuação.
Adolfo demonstra que a palavra falada intensifica o seu significado, tão original como cru, quando contorcida do contrabaixo e retemperada em teclados tão minimalistas como audaciosos.
Na segunda parte, com tradução projectada em simultâneo, o alemão Marc-Uwe Kling prossegue o debuxo, em registo já mais descontraído de poetry slam, detonando particular sentido de humor ao alimentar toda a sua intervenção de voz ritmada na ironia com que adorna a palavra. Transmite uma partilha e entrega totais, expressas de modo cénico pelo corpo e voz.
Raros são os momentos em que Marc-Uwe não arranca uma gargalhada colectiva aos presentes. Num género pautado por fábulas virtuais e histórias, tão simbólicas quão alucinantes, em diálogos fantasiados entre kangurus e humanos, termina a deambulação personificada com uma constatação, quiçá de pluralidade significativa, ”Tu és o meu Notebook”!!
A liberdade de expressão poética popular oral que caracteriza o poetry slam sente-se, de igual modo, no carismático slammer poeta e cantor francês Jonh Banzai. Poeta e improvisador, apelidado de “mercador de sentimentos”, incentiva o público na ironia da dicção e do som, da palavra em si mesma, da comunicação. Brinca avec les mots como ninguém e a visão do dicionário é espremida nessa multiplicidade de sentidos e formas que extravasa na performance.
A sala já não tão cheia como em “Estilhaços” ainda recebe Sam the Kid (Samuel Mira) e pai, Napoleão Mira, que, sob o pseudónimo Viriato Ventura, escreveu duas músicas do seu recente trabalho, «Pratica(mente)» e «Slides (poema retratista de Chelas)».
Sam quase canta a palavra, no grito do desassossego, revolta e inadaptação que os textos insinuam. Viriato projecta-os de forma clara sem perder a intenção clara na denúncia.
A destacar, «Alentopia» dito por STK e escrito por Viriato, «Máscaras» e «Tabacaria», de Fernando Pessoa na voz de Viriato, e «Abstenção» (Povo Unido, para alguns, como frisou Viriato) de STK e recitado por ambos.
Já com casa muito pouco cheia, em jeito Live Act, MC Jonh Banzai volta acompanhado do DJ Davido para apresentar “Loverdose”.
Nesta noite, o “Silêncio” terminaria com Dj Set de Tiago Santos, dos Cool Hipnoise – Silêncio Clubbing – já com o espaço muito pouco preenchido.
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