Festival Sudoeste TMN 2010
Mudam-se os tempos, atrasam-se as vontades - o SWD é quando o adolescente quiser.
De 4 a 8 de Agosto, a décima quarta edição do festival Sudoeste voltou a tomar conta da Herdade da Casa Branca, no litoral alentejano. Muita gente, nova gente e gente muito nova, no festival de sempre.
Swd ou Sudoeste TMN 2010 (versão paga actualizada), assim se chama agora o festival que deu origem ao burburinho, à expectativa e à ansiedade que vai crescendo na mesma medida do aproximar do Verão. É o primeiro que nos lembramos quando pensamos nas origens desta epidemia adolescente – a febre dos festivais. Tratamento de sintomas? Pó, o mais que se possa ingerir, e tentar (não) dormir na tenda, nunca – é grátis, valha-nos isso.
As coordenadas começaram a ficar mais fáceis de apontar quando a sudoeste, há 14 edições atrás, se inventou a primeira, por excelência e referência. Pelo menos a primeira a espalhar-se nas entranhas das ‘turmas’ que afligem por misturar folia às férias, ver reunidos aqueles que vêem todos os dias durante o resto do ano e, quiçá, ainda somar vitórias aos ‘namoricos’ de verão, às conquistas nas tabelas das noites mais ébrias, dos actos mais loucos, das mais arrebatadas situações para contar aos netos (até apostamos que ficam por lembrar em tenra/média idade) e, se sobrar espaço, ver um ou outro concerto.
Por falar em concertos, e porque a Swd também os há, certo foi que vários souberam bem. Vamos falar deles. Para não falar da roda gigante, das farturas, churros e iguarias SS – Suculentas Saudáveis – dos adornos populares e de toda a panóplia azul-feira que estimula, para alguns, o sucesso comercial da festa azul-TMN. O público-alvo que pegou nas extremidades das cordas elevadas a balões de cor que decoravam o oxigénio dos hectares festivaleiros, tipo connecting people, tem direito a saber o que perdeu nos palcos. Falemos dos(poucos mas bons) concertos.
Ao que interessa
Parecia que ainda estavam todos em registo warm-up mas, afinal e segundo fontes da Música no Coração, já lá moravam 30 mil. No primeiro dia a sério do festival (querem mesmo saber novidades sobre a recepção ao campista e os 2ManyDjs? Sorry – Não há), a espera dianteira aguardava os Flaming Lips com algum apetite. Afinal estes senhores são raros (segunda vez por cá, a primeira foi há dez anos em Paredes de Coura) e estão mais vinho do Porto do que antes.
Não fossem os juniores de laranja enfezados nos cantos do palco, a tentar seriamente dançar como amadores (escolhidos aleatoriamente do público, voluntários da Galp ou coro típico alentejano?) e até podia ter sido um dos grandes concertos-espectáculo do festival.
Lá se passearam de confetis, balões, pistolas, megafones, cornetas, papelinhos semi-mágicos coloridos e, o vocalista, ainda montou um homem-urso bem grande e pouco feroz. A entrada ameaçava tudo isso e mais uma chuva de surpresas psicadélicas, com Wayne Coyne a rebolar num globo gigante plateia adentro. Se é para dar show, os lábios em brasa dão-no.
Um dos entraves, para artistas de qualidade e esforçados em estimular pequenas maiorias com deixas incentivadoras, é que se os destinatários não lhes souberem dar o devido valor e se interessarem tão somente por descabidos hits publicitários e distrativos paralelos, momentos como «She Doesn’t Use Jelly» e «Do You Realize?» terão sido (quase) em vão.
Podíamos saltar Kruder & Dorfmeister, se esta dupla não fosse sempre bem-vinda ao arquivo da memória representativa de uma mudança radical e definitiva, que nos marcou para sempre o início de uma nova percepção e de um novo rumo na música electrónica e de dança.
No palco Groovebox, os austríacos fizeram-se assistir por MC’s que cantaram a cerimónia, acompanhando-lhes as batidas gastas, o ar sereno e habituado dos K&D, e antevendo a falta de esperança na continuidade e surpresa que um dia pudessem voltar a surpreender-nos.
O jogo vídeo e tudo o que a multi-media-player tem para oferecer, isso, esteve sempre lá a assegurar que tempo dado aos K&D nunca é perdido. A viagem ao passado e o regresso ao presente sabem sempre bem –sabem a futuro.
Mas a senhora que já produziu com Buraka, que ‘diz que’ não actuava mais porque queria ‘atinar’, mas que na verdade não consegue (nem deve) parar – M.I.A., já estava a ameaçar a dança e, se não pelas outras, só ela sozinha já era razão para aterrar rapidamente no palco principal.
Errata: Não é uma senhora, no sentido da idade. É uma miúda – uma senhora miúda. Que mexe com multidões mais novas que ela e desperta curiosidade no público em geral. Milion Dollar Baby de seus «Paper Planes», para quem só vai por aí, são outra razão principal da correria ao palco… principal.
Mostrou um pouco de tudo o que lhe diz respeito, acompanhada pela ‘irmã’ à altura, Mathangi, e uma banda/bailarinas do mesmo calibre, e despediu-se com o mais recente “Maya”, de óculos escuros marados, casaco moda-M.I.A., calças muito-só-dela e «BornFree» para atestar. Um festão «Galang» cheio de genica e nuances de provocação e polémica, a tocar o público – na real ascensão de ‘tocar’, em «Kala», e na assistência também. Em «Teqkilla», e já depois de ter descarregado umas amostras da dita, juntou-se em palco tudo ao molho e fé em M.I.A..
Groove Armada? “BlackLight” é novo, vem assim empacotado numa refrescante, pouco renovada, mas sempre abrilhantada actuação. Pouco mais haveria a dizer do que já se conhece da festa, da dança que causam e da mensagem I See You Baby que obriga mesmo a abanar os rabos e a gostar, pelo menos um bocadinho, do esforço antigo e bem intencionado da dupla british (salva, acrescente-se, pelo pico «Superstylin» a ir buscar os corpos já adormecidos do público).
Sobre Jamiroquai, Air e Massive Attack, como de outros presentes que pouco nos presentearam, nada temos a declarar, como eles não tiveram a acrescentar. Excepto, talvez, uns quilitos a mais em Jay Kay (menos forma, menos saltinhos, o mesmo chapéu?), a nostalgia enternecedora de «Moon Safari», e «Paradise Circus» a bater-se com «Splitting The Atom» e a espevitar os fãs reformados de Massive. Já é alguma coisa, vá.
Mas, que isto tem de surpresas boas mais que de tristes constatações repetidamente constatadas, a melhor estava para vir, em português de Portugal. Os Orelha Negra são Sam The Kid, DJ Cruzfader, Fred Ferreira (bateria), Francisco Rebelo (baixo) e João Gomes (teclas), e merecem apresentação discriminada, sim senhor, porque são ainda mais do que já se contava que viessem a ser.
Está bem que se juntou a nata do Groove, desde sempre demonstrada nos projectos individuais ou em equipa de cada um, mas resultar assim numa base funk-hip-hop tão plena de qualidade e sujeita à melhor das influências e aditivos sonoros, num instrumento que transporta arte visual pelas paredes e a acompanha por deliciosas melodias em palco… É qualquer coisa.
Ao vivo, a cores e em covers de Beyoncé ou MC Hammer, como prometia o disco homónimo de estreia em modos leeveface – os Orelha não conseguem desviar totalmente a atenção de si próprios por estarem agarrados à magia da música que (re)inventaram e nos foram mostrar. Obrigada.
Nem tudo o que já vimos devia ser repetitivo, bastava que fosse repetido. A prova disso é o não suficientemente repetido DJ Shadow. O figurão do homem-produtor veio de pratos, mesa e discos envoltos numa redoma-globo, que girava entre o seu imbatível scratch e o espectáculo visual cénico que lhe serviu de videotrack. Coisa mais linda.
Num dos maiores “valeu a pena” do festival, Shadow voltou, onze anos mais tarde, a arrasar o mesmo espaço, outro Sudoeste, e alguma gente repetida em temas históricos e arrepiantes como «Walkie Talkie», «Six Days» ou «This Time (I’m Gonna Try It my Way»)”.
Durante a projecção de imagens intercaladas e triplamente sensoriais – homem, redoma e fundo, “Private Press” e “The Outsider” foram álbuns em destaque, mas não sem lhes criar novas interpretações e juntar novidades que, ainda assim de novas, já fizeram público levitar aos novos acordes do tema que ficou por descodificar, apontando a Daft Punk mas sem parar por aí de agradar e fazer estremecer a Groovebox. Ele que se repita por cá! As vezes que quiser!
Agora (agora = Agosto) quem já cá fazia falta, e bem que desconfiávamos, era Beirut. Excederam as expectativas da desconfiança e ansiedade aos que os desejavam, e foram recebidos num Planeta Sudoeste ao rubro, à pinha, contente e atento em não deixar cair em vão a sua, finalmente, visita a território nacional “- Viram rapazes? Nós gostamos muito de vocês!”.
Ainda bem que Zack Condon acabou por vir (à terceira é de vez) e por espalhar Balcãs, música do mundo, indie, folk e rock pelo palco secundário (bem mais principal que o dos Air, nesta altura). Juntam ao seu ar nerd-geek-chic a importância do trompete, do acordeão e do ukulele, e fazem de músicas como «Nantes», «Sunday Smile» e «Elephant Gun», obras-primas capazes de provocar românticas borboletas no estômago e uma resposta involuntária em dança, com o movimento que nos é possível dar aos membros entalados por uma enchente em franca e louca sintonia.
Conclusão rapidinha
Se a Sudoeste se “vivesse” menos e se “visse” mais, quem sabe, até podíamos voltar a ter coisas para contar e, sobretudo, para lembrar.
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