Festival Temps D’Images

Sons, imagens e movimentos num encontro de artes. Entrevista exclusiva com António Câmara Manuel, director artístico do Festival.

O festival europeu Temps D’Images instala-se na cidade de Lisboa entre os dias 3 e 18 de Outubro. Privilegiando o encontro das artes de palco com as artes da imagem o festival realiza este ano a sua quarta edição em Portugal, quinta a nível europeu.

Organizado pela DuplaCena e pelo Centro Cultural de Belém, o Festival Temps D’Images promove o encontro e o diálogo entre artistas vindos de meios diferentes e com linguagens distintas. Os espectáculos podem ser vistos no CCB, Museu do Chiado, Culturgest, Negócio|ZDB e Fnac Chiado, e juntam as artes visuais, o teatro, a dança, a música, a imagem e as tecnologias.

Com um vasto programa definido para a cidade de Lisboa, o festival tem o seu início marcado com a exposição da norte-americana Sharon Lockhart, Pine Flat. Este é um projecto fotográfico e cinematográfico desenvolvido pessoalmente por Lockhart no seio de uma pequena comunidade rural no interior da Califórnia. Composto por dezanove fotografias e doze filmes de 16 mm, resultado de dois anos e meio de filmagens e um ano e meio de trabalho fotográfico num celeiro da comunidade, este projecto une duas artes maiores, o cinema e a fotografia, viscerais para Sharon Lockhart.

A 9 de Outubro estreia no CCB Silêncio, o projecto de dança e multimédia que uniu a dança da portuguesa Clara Andermatt e o cinema do francês François-Jacques Ossang. Deste “casamento”, proporcionado directamente pelo festival, surge um trabalho singular que une a dança, o som e a imagem. Os dois artistas, que trabalham pela primeira vez juntos, contam uma história que parece viver sempre no presente, na causalidade imediata dos eventos. Em Silêncio é o tempo “quem” conduz o enredo e dá sentido à própria peça.

E quando o teatro, o espaço, a imagem e a música se juntam acontece mais uma estreia no Temps D’Images: Reset. Este é um espectáculo baseado em textos de Samuel Beckett com música de Vasco Mendonça, encenação de Caroline Petrick, vídeo de Sandro Aguilar e conceito espacial de Nikolaas Vande Keere. Este é um teatro musical, levado à cena na Culturgest, a 18 de Outubro, por um actor, seis músicos e imagens vídeo que nos transportam pelo recomeço de cada coisa… Pela palavra que dá lugar ao silêncio, pela luz que se apaga pouco antes de se acender de novo, pelo passo em frente que é interrompido pelo passo atrás… pelo eterno recomeço que é a condição humana.

Quase a fechar o festival, o CCB recebe, a 17 de Outubro, Quadri{+}chromies o concerto que é o elogio da criatividade pela electrónica, ou quem sabe o elogio da electrónica pela criatividade… De um lado as extraordinárias composições musicais electrónicas do francês Hector Zazou, por outro lado as imagens, também elas geradas por computador, de Bernard Caillaud (falecido em 2004). É este bailado de sons e cores, de tons e ritmos mecânicos que impressionam e fascinam espectadores em todo o mundo.

Nestes 15 dias de espectáculos e apresentações, Lisboa transforma-se num palco privilegiado para descobrir novas linguagens artísticas e projectos nacionais e internacionais muito inovadores. São os espectáculos, as projecções, as conferências, os “Estaleiros” e os encontros com artistas que erguem mais alto o objectivo do Temps D’Images: criar, divulgar, fazer circular e partilhar novas formas de interpretação da arte e de artistas.

Em 2002, Temps D’Images nasceu de uma parceria entre o canal ARTE e La Ferme du Buisson, Scène Nationale de Marne-la-Vallée com o objectivo de criar pontes que permitissem o encontro de artistas e das suas artes. Depois de se propagar por diversos países europeus, incluindo Portugal em 2003, chegou ao continente americano, mais precisamente ao Canadá, no ano passado. Por toda a Europa as diversas edições locais do Temps D’Images realizam-se entre os dias 1 de Setembro e 9 de Dezembro de 2006 e no Canadá em Fevereiro de 2007.

Entrevista a António Câmara Manuel
Director artístico do Festival Temps D’Images, Portugal

No momento em que o Festival Temps D’Images enche Lisboa de dança, música e imagens, entrevistámos o seu director artístico, António Câmara Manuel. Falou-nos da singularidade deste festival, da sua importância para os artistas e para o público português. Ao apresentar-nos as suas “jóias da coroa” aguça-nos o desejo de fazer parte deste grande encontro de artes!

RDB: Lisboa recebe pela 4ª vez a edição portuguesa do Festival Temps D’Images. Qual a importância deste evento para o panorama cultural português?

António Câmara Manuel: Trata-se do único festival que apresenta projectos, na sua maioria em estreia, desafia artistas que trabalham normalmente uma linguagem estanque a reiniciarem um novo método de trabalho. Um método bicéfalo de criação.

Por outro lado, é um Festival programado por todos os responsáveis dos vários espaços de apresentação espelhando diversas sensibilidades e gostos dentro de um mesmo conceito. A programação torna-se assim, também ela, transversal. Penso que não há muitos eventos ou festivais com estas características.

Este é um festival europeu cujo objectivo é proporcionar o encontro dos artistas e das artes de palco e da imagem. Quer dizer que pessoas de diversas nacionalidades têm a oportunidade de trabalhar em conjunto e apresentar-se em diversas edições locais do Festival Temps D’Images?

Sim. O caso da Clara Andermatt com o cineasta François Jacques Ossang é disso sintomático. Dois artistas maiores das suas linguagens construíram um projecto uno. O projecto será apresentado em França. Normalmente os projectos, quando são apresentados em vários países, variam entre dois e quatro. No próximo ano faremos um esforço para apresentarmos um dos projectos do Festival Europeu nos 10 países da rede. Este ano cinco dos nossos “cine-espectáculos” serão apresentados noutros países.

Embora a passagem do Festival Temps D’Images aconteça em Lisboa entre os dias 3 e 18 de Outubro este é um evento muito mais alargado no tempo. É tão importante o período de apresentação ao público quanto o tempo de residência artística e de preparação dos trabalhos apresentados?

Como disse este Festival tem uma grande percentagem de estreias. Têm, consequentemente, um trabalho de criação, intenso no tempo.

O Festival começa a ser preparado com um ou, por vezes, dois anos de antecedência. O cronograma do trabalho artístico é pelos artistas definido.

Como referimos antes, o encontro entre artistas, produtores e promotores de espectáculos é um dos objectivos do Festival Temps D’Images. Este é vocacionalmente um festival para os profissionais da área da cultura?

Não. O Festival tem um espaço próprio para os profissionais da cultura que, neste ano, é o master class da RoseLee Goldberg.

É um Festival para o público em geral e que tem como objectivo apresentar uma nova forma de linguagem artística.

Os encontros que se proporcionam nos “Estaleiros” entre pessoas de áreas tão distintas como o cinema, as artes de palco e a fotografia, por exemplo, é um dos momentos mais interessantes do festival. É aqui que melhor se traduz a incessante vontade de criar e partilhar novas formas de interpretação?

Diria antes que é com os estaleiros que os programadores podem arriscar mais nas suas propostas de artistas. O resultado não é a apresentação de um espectáculo “concluído” e a liberdade criativa é o único critério que se impõe. Além, obviamente, da presença do corpo e da imagem em movimento.

Calculo que não seja tarefa fácil, mas… Como se faz a programação do Festival Temps D’Images? O que gostaria de ter trazido a Lisboa e não foi possível?

Como disse, por vários programadores nacionais e a partir das propostas dos parceiros da rede Temps d’Images. Normalmente apresento o que quero dentro do orçamento que tenho (que é dos menores da rede…). Aprendi a ser realista e a apresentar aquilo que posso. Tenho no entanto a convicção que o Festival conseguirá no futuro ter mais apoios institucionais. Nessa altura apresentarei projectos de maiores dimensões como fazem os meus parceiros franceses e italianos.

Se tivesse de destacar 3 acontecimentos dentro do festival Temps D’Images  de Portugal quais seriam?

Clara Andermatt e François-Jacques Ossang, porque aconteceu a partir de uma proposta do Festival, que quis juntar dois artistas maiores, que não se conheciam (nem mesmo o seu trabalho artístico) em fazerem um “Silêncio” conjunto.

“Reset”. Quatro músicos, quatro cantores e um actor em palco, a partir de textos de Becket numa partitura cine-musical de Vasco Mendonça e Sandro Aguilar.

Hector Zazou. Falar dele seria uma redundância nos adjectivos superlativos.

A nível global o festival já passou as fronteira da Europa e instalou-se também no Canadá. A nível local como quer o Festival Temps D’Images crescer em Portugal?

Queremos que o Festival saia de Lisboa pelo menos no que concerne aos artistas nacionais. Existem algumas instituições e pessoas que admiro e que gostaria que apresentassem extensões do Temps D’Images em Portugal. Talvez ter mais três espaços ou cidades.



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