Festival Vodafone Paredes de Coura 2022 | Dia 4 (19.08.2022)
E, ao quarto dia de rotina festivaleira, com os primeiros esgares de cansaço a fazerem notar-se, Márcia foi um bom nome para nos tranquilizar e embalar para mais uma jornada de agitação musical. Apesar de aparentar ser uma viagem calma, as canções de Márcia fazem reflectir, levam-nos ao fundo do nosso interior, quase sem darmos por isso enquanto baloiçamos ao ritmo das suas composições delicodoces. Mais a mais, a sua escrita aborda (e bem) cada vez mais temáticas prementes e sensíveis da nossa sociedade, que merecem naturalmente essa nossa introspecção, mesmo num cenário de concerto.

No mesmo Palco Vodafone FM, aterraram os Baleia Baleia Baleia, à boleia de algumas alterações de cartaz que sucederam já no decorrer do festival. E se a organização optou por não suprir a lacuna de King Gizzard & The Lizard Wizard por não lograr encontrar uma banda do mesmo porte, a dupla Manuel Molarinho e Ricardo Cabral provou que nem sempre é necessário procurar nomes maiores. Com a dedicação e garra com que Baleia Baleia Baleia agarraram esta oportunidade, o entretenimento está mais que assegurado, como ficou mais que assente na longa de versão de abertura de “Interdependência”.

Depois, na área do palco principal, no último suspirar do dia, um reluzente raio de sol sob o nome de Arlo Parks, para apresentar ao vivo um disco superior, editado durante o duro período pandémico, e que finalmente poderia ser tocado ao ar livre, partilhando connosco refrões entoados a plenos pulmões. E a aparição ao vivo fez jus ao trabalho de estúdio, mantendo a primorosa produção que «Collapsed in Sumbeams» apresenta. Despojada de tiques de estrela, como aliás toda a banda que a acompanha, Arlo Parks deliciou-nos com a candura do seu som, sempre limado e estruturado com cabeça, tronco e membros.
Passámos da luz para o breu ao transitarmos para o palco secundário, onde pontificariam seguidamente os Boy Harsher. E, se o universo deles nunca foi propriamente luminoso, os projectos mais recentes vincou essa tendência para o obscuro, como na banda-sonora da curta-metragem que a própria dupla filmou. As vocalizações de Jae Matthews desenrolam-se charmosa e despretensiosamente pelas produções sintéticas e carregadas do comparsa Augustus Muller. E, de facto, a performance no Vodafone Paredes de Coura soou tão compacta que mais parecia estarmos imersos na atmosfera de um filme em que o público foi personagem atenta.

Devido às referidas trocas e baldrocas, causadas pelo desafortunado cancelamento de King Gizzard & The Lizard Wizard, Kelly Lee Owens foi promovida inesperadamente para o Palco Vodafone. E o que aconteceu foi uma brilhante demonstração de força e categoria por parte da criativa galesa, que transmitiu toda a música que corre dentro de si, provando que o experimentalismo electrónico (executado isoladamente em palco) pode agradar a uma vasta plateia como aquela perante a qual actuou.

Os Arp Frique & Family, que ocuparam o Palco Vodafone FM ao início da noite, valeram como uma das revelações desta edição de 2022, e levaram-nos a dar uma volta ao mundo em modo dançado, com os seus maravilhosos ritmos a servirem de combustível. Por diversas vezes parecíamos estar dentro do castelo de Sines, em pleno FMM, para que se perceba melhor as direcções tomadas pelo cérebro neerlandês que serve de maestro a este colectivo.

Para queimar os últimos cartuchos no Palco Vodafone foram convocados os The Blaze, que mais uma vez aterrarem por detrás de cenários futurísticos, tal como na digressão de 2019 (que transitou igualmente pelos festivais nacionais). Confirma-se que a fatia imagética se mantém preponderante, e que acaba por repartir as atenções com aquilo que provém das colunas. Além do novo figurino em palco, maioritariamente constituído por um conjunto de monitores que se movimentam por todo o palco, rodando por diferentes ângulos, o espectáculo do duo de primos parisiense não foi especialmente surpreendente. Valem-lhes, todavia, as batidas gordas que produzem e que geram dependência em nós, às quais acrescem as melodias vocais com uma tonalidade sui generis e que combinam na perfeição com as simples instrumentações.
Reportagem do primeiro dia disponível aqui, do segundo aqui e do terceiro aqui.
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