Filtered Disco
O papel de DJ Sneak no pioneirismo do fusão entre o Disco e o House (Filtered Disco) e sua influência na Europa através do French Touch dos Daft Punk, Roulé e Crydamoure.
Apesar de ter sido em Chicago que, literalmente, explodiram centenas de vinis de Disco-Sound (na tristemente célebre “Disco Demolition Night”, no Comiskey Park), ironicamente, é uma daquelas cidades que, em conjunto com Nova Iorque, Miami, São Francisco e Detroit, não deixou o estilo morrer.
Foi em Chicago que o House nasceu e este, como se sabe, descende directamente do Disco. Assim, nunca foi estranho ouvir samples de temas Disco em produções House, desde a génese do estilo. No entanto, durante anos a utilização do sampling seguiu uma norma que foi alterada em meados dos anos noventa.
DJ Sneak (nome de baptismo Carlos Sosa), de origem porto-riquenha, mas desde muito jovem a viver em Chicago, acompanhou apaixonadamente a suave transição do Disco para o House e, obviamente, quando iniciou o seu caminho na produção misturou-os.
Mas, enquanto um vulgar produtor samplava uma secção de um qualquer tema Disco ou Funk, sobrepondo simplesmente uma batida 4/4 de House, Sneak dava o seu toque especial. Pegava num excerto, e usava todas as potencialidades que os meios técnicos tinham na altura, usando diversos efeitos de filtros, para além de usar técnicas de cut-up mais habituais no Hip-Hop. Temas como «You Can`t Hide From Your Bud», «Keep On Groovin», «Quincy`s Groove» ou «Tweakin` At The Club» são exemplos do domínio dessas técnicas de produção.
Criou uma editora, a Defiant, e as suas produções cedo chegaram aos ouvidos de outro grande esteta de Chicago: Cajmere (também conhecido como Green Velvet). Cajmere era dono das editoras Cajual (mais House) e Relief (mais Techno), e eventualmente começou a editar nestas diversos temas de Sneak. Sendo duas editoras de grande referência, e com grande alcance, não tardou muito a que o seu estilo começasse a influenciar outros.
Dentro da própria cidade de Chicago, nomes como Gene Farris, Paul Johnson, Stacey Kidd, Mark Grant ou até o próprio Cajmere começaram a utilizar técnicas de produção semelhantes às de Sneak. Daí, foi um instante até se ver em Nova Iorque nomes como Armand Van Helden, Mateo & Matos, Roger Sanchez ou Junior Sanchez usarem também técnicas similares (Sneak chegou inclusive a produzir em conjunto com Armand Van Helden, colaboração que deu à luz os temas «Psychic Bounty Killaz», parte 1 e 2). Até em Detroit Moodymann experimentou a fórmula em «I Can`t Kick This Feeling When It Hits».
Claro que a Europa não ficou imune e rapidamente chegou a Londres, onde nomes como Dave Lee (Joey Negro), Basement Jaxx ou Rhythm Masters não ficaram indiferentes aos novos sons de Chicago, assim como o germânico Ian Pooley ou os austríacos Last Disco Superstars.
Porém, foi em França que bateu mais forte. O que até não é de estranhar, pois teve, durante os anos 70, uma forte cena Disco-Sound, sendo um dos principais países europeus a produzi-lo durante a época de ouro do mesmo. Dois jovens, de nome Thomas Bangalter e Guy-Manuel de Homem-Christo eram uns apaixonados por tudo o que vinha de Chicago naquela altura, e também não ficaram alheios aos sons produzidos por Sneak. Tinham gostos bastante ecléticos, pois gostavam de Rock, de Disco, de Hip-Hop, de House e de Techno. E, nem de propósito, o pai de Thomas Bangalter havia sido também produtor de Disco… o resultado foram os Daft Punk (nome que teve origem num projecto de rock, os Darlin’, quando um crítico musical apelidou a sua sonoridade de “daft punk”).
Nos primeiros 12”, como o álbum “Homework”, onde o uso das técnicas de produção típicas de Sneak (embora com um toque próprio da dupla), eram utilizadas de forma bastante eficaz e cedo causaram furor em pistas de dança por todo o mundo. Não tardou até que a imprensa inglesa (para variar) inventasse um nome para este tipo de som: Filtered Disco.
Obviamente, outros produtores franceses adoptaram também esse tipo de som (tanto que chegou a haver uma altura em que Filtered Disco e French House eram praticamente sinónimos). Os que mais sobressaíram dentro dessa vaga foram produtores como Etiénne De Crecy, Alex Gopher, Alan Braxe, Fred Falke, DJ Falcon, Cassius, Bob Sinclar (antes dos assobios, o homem fazia discos de jeito), Superfunk (Fafa Monteco, Stephane B & Mike 303), Demon ou Jess & Crabbe.
Existiram editoras em França que suportaram este tipo de som, como a Roulé (de Thomas Bangalter), a Crydamoure (de Guy-Manuel), a Vulture, a Fiat Lux, a Poumtschack, a Yellow, a Pro-Zak Traxx, a Blackjack ou a Riviera e projectos como os Stardust (Thomas Bangalter, Alan Braxe & Benjamin Diamond) e Modjo que assaltaram tudo o que era Tops, utilizando uma versão mais “leve” das sonoridades inventadas por Sneak, e, inadvertidamente, ajudando a criar algumas das fundações do anódino Funky House.
Começou assim a desenrolar-se uma forte conexão Chicago/França: muitas noites/festas em que participavam DJs dos dois sítios, produtores de Chicago a editar em labels francesas (Sneak e Paul Johnson, por exemplo, editaram pela Crydamoure) e consequentes trocas de remisturas. Já Gene Farris, curiosamente, editava mais pela germânica Force Inc., editora que também não era indiferente ao estilo.
Com o passar do tempo, a euforia em torno deste tipo de sonoridades começou a arrefecer, sobretudo com o advento do Electroclash e a recuperação dos anos 80 (se bem que muito House francês já por lá andasse a repescar algumas coisas). Os Daft Punk também ajudaram com o álbum “Discovery”, que curiosamente tem um tema, o «Digital Love», produzido a meias com DJ Sneak…
Como tudo é cíclico, o Filtered Disco é bem capaz de retornar em força; o Maximal, (também ele muito centrado em França) já efectuou alguma recuperação, embora com um espírito mais “rockeiro” à mistura e nomes como Soundstream/Soundhack ou Tiger & Woods parecem querer recuperar alguma da atitude que estava por detrás das produções de Sneak dos anos 90, para além de aparecerem em 12”s de nomes como Knee Deep, 6th Borough Project ou Dplay com também inspirados nessa vaga filtrada.
Nem de propósito, após alguns anos na sombra, DJ Sneak está de certa forma a voltar à ribalta. Primeiro, com um set marcante em conjunto com Ricardo Villalobos num festival na Roménia, numa união latina, e a seguir, através do convite feito pela NRK para fazer um duplo cd misturado para a série “Back In The Box”, onde mistura vários temas da chamada época de ouro do Filtered Disco, que continuam todos a soar bastante actuais.
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