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Wine & Grooves #2

Desgosto de copo meio cheio.

A viagem musical de hoje leva-nos a embarcar numa jornada conceptual com Florence Welch – vocalista da banda Florence and the Machine – onde a mesma procura descobrir a essência do seu ser após um desgosto amoroso. Florence abriu-se a esta oportunidade de inspiração ao falar um pouco mais sobre a sua vida pessoal, após ter conversado com Taylor Swift, que lhe disse que “devia falar mais sobre o que está a acontecer na sua vida”. Podemos dizer que se inspirou de tamanha forma, que levou os Florence and the Machine a fazerem provavelmente o álbum mais coeso da sua carreira até ao momento. Tal levou a banda a fazer também uma curta metragem intitulada de “The Odyssey” – do português “A Odisseia” – baseada neste álbum, onde é possível assistir a jornada de Florence, enquanto esta caminha por vários pontos da cidade, exorcizando as suas guerras interiores, através da dança e do canto.

Seguindo a ideia do álbum, escolhemos para a 2ª edição da rubrica ‘Wine & Grooves’ trazer-vos o vinho branco alentejano ‘Sei Lá’. Este néctar é definido pela sua “cor citrina brilhante; boa frescura, intensidade aromática e juventude desmarcando-se as notas florais”. É produzido através de castas de Antão Vaz, Arinto e Verdelho, num estágio de 6 meses em cubas de inox pelas mãos da Morais Rocha Wines. Esta empresa surge na casa agrícola JJMR em 2005 de uma vontade em produzir vinhos e azeites que nos trouxessem um pouco do que o Baixo Alentejo de Portugal nos pode oferecer, mais propriamente o que a vila da Vidigueira nos pode trazer.

A Odisseia

Agulha posta. Vinho servido.

Enquanto se começa a ouvir “Ship to Wreck” – faixa de abertura deste “How Big, How Blue, How Beautiful” -, podemos observar o vinho e inferir a sua cor amarelada e transparência. Enquanto se degusta o vinho, ouvimos Florence a repetir “Did i drink to much? Am I losing touch?” – do português “Estou a beber demais? Estou a perder o jeito?” – que esperemos que não seja uma previsão para o fim desta edição.

Depois desta abertura explosiva, eis que chega o primeiro single do álbum: “What Kind of Man”. Coloca-nos de imediato num estado mais introspectivo sobre qual é a verdadeira forma de amar alguém. Esta é uma “badalada questão”, onde existem várias análises, tais como, as cinco linguagens do amor. Ao longo da música vamos conseguindo justificar o porquê da nossa escolha do ‘Sei Lá’ branco para este álbum, e não a sua versão tinta para acompanhar o mesmo, pois só a liberdade de um vinho branco nos faria dançar, ao mesmo tempo que vamos entrando neste estado introspectivo de Florence.

Ao dia de escrita desta rubrica, não havia um céu azul para onde olhar e acompanhar esta faixa: “How Big, How Blue, How Beautiful” – do português “Tão grande? Tão azul? Tão bonito?”. Perante a incerteza: um ‘Sei Lá’ do que nos reserva o nosso tempo além do cinza que vemos à nossa frente, focamos no travo ácido e levemente frutado deste vinho. Podemos compará-lo, ao lado por vezes amargo dos desafios que libertamos e enfrentamos no nosso dia-a-dia, à medida que Florence nos canta “What are we gonna do? / We’ve opened the door, now it’s all coming through”, onde a incerteza do amanhã pode efectivamente vir a ser algo grande, azul e bonito. O instrumental final desta música é um encorpar da mesma, justificando o título ao álbum de uma forma positiva e a celebrar a vitória sobre estes mesmos desafios.

só a liberdade de um vinho branco nos faria dançar

Com “Queen of Peace” saltamos de uma estrada filosófica para uma música de desgostos amorosos – tema conceptual do álbum, mas sempre com a vontade irrevogável que Florence demonstra ao dançar ao vivo.

Com a entrada de “Various Storms & Saints”, os Florence and the Machine colocam-nos num ponto de aprendizagem e de como as experiências de vida nos definem ao mesmo tempo que lutamos internamente para chegarmos a um ponto de resolução: “I am teaching myself how to be free. (…) Can people just untie themselves / Uncurling like flowers?”. Onde neste caso se aplica mais rapidamente um ‘desenrolar’ (uncurling) de videiras.

Chegou a hora de um desafio, coloquem a música “Delilah” num volume mais alto, mas que não vos dê problemas com os vizinhos. Levantem-se com o copo na mão e foco na letra de “Delilah” – do português Dalila, mulher mencionada no décimo sexto capítulo do Livro de Juízes na Bíblia Hebraica e amada por Sansão. Agora vejam se conseguem resistir a não dançar ao som da sexta faixa deste álbum. Para os mais inseguros, lembrem-se, nem Florence tem a certeza: “Never knew I was a dancer / ‘Til Delilah showed me how”. E, já agora, usar o nome do vinho que estamos a degustar – ‘Sei Lá’ dançar – não pode servir de pretexto para saltar este desafio.

Que a música é muitas vezes vista como a bengala de corações partidos, como em “Long & Lost”, já nós sabemos, mas é em “Caught” que temos mais uma vez Florence a exorcizar. Esta refere que por muito que os amigos e os livros nos digam o caminho a seguir: “Old friends have said, the books I’ve read / Say it’s the thing to do”, quem está envolvido está em constante conflito entre a teoria e a prática. É como se de nada soubéssemos (é mesmo complicado não fazer constantes trocadilhos com o nome do vinho, enquanto se ouve este álbum) e ficamos sempre presos nesse limbo entre o certo e o desejo: “It’s the hardest thing I’ve ever had to do / To try and keep from calling you”.

Podemos começar uma nova moda nesta rubrica e definir a música ‘brinde’ (toast) do álbum. É sem dúvida a “Third Eye”. Depois de todo um desabafo, eis que Florence chega a um fecho e deixa as incertezas (lembram-se do nome do vinho…), para acreditar no seu potencial “Hey, look up / You don’t have to be a ghost / Here amongst the living / You are flesh and blood / And you deserve to be loved / And you deserve what you are given”, chegando ao último dos cinco estados de luto de Kübler-Ross. Curiosamente, ao contrário do que acontece no álbum, esta é a música que fecha a curta metragem.

Por fim, depois de apelar a “Delilah”, “St Jude” – do português São Judas e um dos doze apóstolos de Jesus -, eis que surge a vês de apelar às mães/seres de criação em “Mother”: “Mother, make me / Make me a big grey cloud / So I can rain on you things I can’t say out loud”. Só faltava mesmo apelar ao deus Baco – o deus romano do vinho que nos acompanha durante as nossas edições desta “Wine & Grooves”

É assim que fechamos mais uma edição da rubrica “Wine & Grooves”, ao mesmo tempo que o nosso gira discos também pára de tocar. Esperemos que tenham gostado e que as notas florais deste ‘Sei lá’ branco tenham sido apreciadas.

Os Florence and the Machine fizeram-nos viajar por um álbum de resolução pessoal e desgostos amorosos, sempre a ver o ‘copo meio cheio’ (neste caso, espero que o vosso copo, tal como o meu, já esteja vazio) e que tenham apreciado este vinho, assim como nós. Afinal de contas, “nunca vai saber, se não provar” e já agora, se não ouvir também.

Ficha Técnica

Castas Antão Vaz, Arinto e Verdelho

Região Vidigueira

Tipo Branco

Classificação Regional Alentejano

Colheita 2020

Vindima Mecânica e noturna

Estágio Cubas de inox durante 6 meses.

Longevidade 3 a 5 anos

Álcool 13.5 %

Acidez total 5.2

Açúcar residual 1

PH 3.46



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