Gil Scott-Heron
1949 - 2011 - R.I.P
Nota: Este artigo foi originalmente publicado na edição de Maio de 2010.
No dia 15 de Maio, na Casa da Música do Porto, e no dia 17, na Aula Magna em Lisboa, o poeta e músico vai apresentar o disco de regresso após 16 anos de silêncio. “I’m New Here”, já aclamado pela crítica como um dos discos da década. Mas será ele assim tão novo aqui?
Gil Scott-Heron conta com 61 anos. Na espiral dos últimos 16 anos apenas foram editadas compilações ou best of’s dos seus trabalhos mais antigos. Desde 2001 que tem vindo a cumprir algumas penas de prisão por delitos relacionados com posse de cocaína. Tem cinco livros editados entre 1970 e 2001 e um Masters em Escrita Criativa pela Universidade de John Hopkins. O álbum de 2010, “I’m New Here”, aponta muito mais para dentro do próprio artista do que para sociedade sobre a qual lançava o seu repto e escárnio nos anos 1970 e ’80. A pergunta que se impõe é de onde vem o fascínio por esta personagem de uma época em que a música e a poesia ainda eram uma arma?
O triunfo de um homem normal
Nascido em Chicago, Illinois, a 1 de Abril de 1949, passou a infância em Jackson, Tenessee, com a sua avó materna, Lillie Scott, que descreve na primeira música do seu último disco como “she had more than the five senses, she knew more than books can teach and raised everyone she touched just a little bit higher”. Filho de Bobbie Scott-Heron, cantora da New York Oratorial Society, e de Giles “Gil” Heron, um dos primeiros atletas negros a jogar pelo Glasgow’s Celtic Football Club nos anos 1950, futebolista de descendência jamaicana apelidado de “The Black Arrow”.
Aos 13 anos, e após a morte da sua avó, vai viver com a sua mãe para o Bronx, em Nova Iorque, e inscreve-se no liceu. Mais tarde, transfere-se para o The Fielston School com uma bolsa completa, após um dos seus professores ter mostrado alguns textos escritos por ele ao chefe do departamento de Inglês.
É na Lincoln University na Pennsylvania que conhece Brian Jackson, com quem vem a formar a banda Black&Blues, e que depois o acompanhará até aos anos 1980, quando se separam.
Depois de dois anos na universidade, deixa os estudos para escrever o seu primeiro livro, “The Vulture”, em 1970, que é bem recebido pela crítica.
Este ano é crucial para Gill Scott, que se muda novamente para Nova Iorque, para o bairro de Chelsea, uma comunidade multiracial e multicultural, e lança o seu primeiro LP, “Small Talk at 125th and Lenox”, o qual contém já todo o ethos da mensagem que se procurava passar: a superficialidade da televisão e do consumismo desenfreado, a hipocrisia de alguns pseudo-revolucionários negros, a ignorância da classe média perante as condições de vida e dificuldades dos residentes citadinos e a homofobia. Como influências, reconhecia Richie Havens, John Coltrane, Otis Redding, Jose Feliciano, Billie Holiday, Langston Hughes, Malcolm X, Huey Newton, Nina Simone e o pianista Brian Jackson.
No ano seguinte, lançou “Pieces of a Man” que conta com «The Revolution Will Not Be Televised», a música que se tornou hino da luta de uma geração contra o sistema instituído, contra as forças que prevalecem, e acabou por fundar o rap da geração seguinte. Em 1972, lança “Free Will”; em 1974, “Winter in America”, no qual conta com a participação de Brian Jackson, que ajuda a tornar mais coeso o discurso e a apurar a estética musical; em 1975, sai “The First Minute of a New Day”; em 1976, lança dois discos, “From South Africa to South Carolina”, que estabelece um paralelo entre o apartheid e a situação social na Carolina do Sul, e I”t’s your World”; em 1977, lança o álbum “Bridges”, e, em 1978, lança “Secrets”. Nos anos 1980 são editados três discos: dois em 1980, “Real Eyes” e “Reflections”; um em 1982, chamado “Moving Target”. Depois, só em 1994 é que regressa com o disco “Spirits”, que tem como primeira faixa a música “Message to the Messengers”, onde apela a que os rappers emergentes cuidem mais a sua mensagem e sirvam como guia, não como perpetuadores da revolução televisiva. Agora regressa, em 2010, com o disco “I’m New Here” que vem apresentar ao público português.
O apelo cego deste artista a várias gerações, que vão desde o intelectual de meia-idade que gosta de jazz e de dar uma perninha verbal na contra-revolução, ao jovem que revê no homem a luta engajada que gostaria de travar por um mundo e sociedade melhor, pode ser atribuída ao facto de Gil Scott não saber comprometer-se, não se saber retirar do ringue até soar a última campainha. Ele canta “Because it’s easier to run, / Easier than staying and finding out you’re the only one… who didn’t run / Because running will be the way your life and mine will be described”. Podemos dizer que Gill Scott não foge, nem da luta, nem da prisão, nem da música, mas que está a chegar a Portugal.
Ilustração de Isabel Salvado
There are no comments
Add yoursTem de iniciar a sessão para publicar um comentário.
Artigos Relacionados