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Gonçalo Tocha

O poeta errante das imagens

Gonçalo Tocha pronuncia da forma certa a palavra “Açores”. Filma com a musicalidade da poesia dentro. A relação com o mar inspira a sua imaginação criadora. Mergulha na defesa pelo Cinema Português (mesmo quando este vai a votos parlamentares). Encara a vida com uma boa dose de humor e amor.

Um road-movie à procura do amor perdido foi o seu primeiro filme. “Balaou”, o filme-dedicação à sua mãe, é a sua primeira longa-metragem. Com este filme recebeu o Prémio de Melhor Longa-Metragem Portuguesa e melhor Fotografia na quarta edição do IndieLisboa. A sua segunda longa-metragem “É na Terra não é na Lua” foi premiada internacionalmente.

Como surgiu o Cinema como criação na tua vida?

Em termos de fazer um filme surgiu com o “Balaou”. Não estudei para ser realizador. Aconteceu que fundei um cineclube na Universidade (o Nucivo -Núcleo de Cinema e Vídeo da Universidade de Lisboa) e foi o que me levou a começar a filmar. Este colectivo durou uns seis, sete anos. Serviu de ponto de formação informal e de produção. Convidámos programadores e realizadores. Adquirimos material para filmar e todos podiam usá-lo.

Conta-nos a história do “Balaou”

O “Balaou” demorou dois anos a criar, entre 2005 e 2007; foi uma viagem pessoal de luto pela morte da minha mãe que mais tarde se transforma num filme. Um acontecimento de vida que proporciona um filme. Se sabemos que temos de fazer aqueles filmes que estão na nossa cabeça… Não foi o que aconteceu com este meu primeiro filme. Levei uma câmara para os Açores e intuitivamente ia preparado para o que pudesse acontecer. Voltava a São Miguel, à terra da minha mãe, para fazer o luto. Aí encontro um casal francês, a Florence e o Beru, que tinha um barco à vela, o Balaou, e que me convidou para voltar com eles para o continente. Algo surge nessa viagem que faz sentido num ciclo de vida, num ciclo de ponto de partida e de chegada. Durante os oito dias de viagem e de mar eu fui sempre a filmar.

O mar fez a ligação entre a perda da minha mãe e a viagem com a simbologia da despedida. Nessa viagem o mar entendi-o como o rio Lethes, o rio do esquecimento. Vamos no rio depositar as cinzas ou para nos despedirmos de alguém, no mar de sentimentos. O Balaou é o grito. A minha vida a partir daí mudou. Deixei de ser professor durante um ano e meio para editar o filme. Depois comecei a pensar em fazer um segundo filme.

O teu segundo filme intitula-se “É na Terra não é na Lua”. Qual o ponto de ligação entre os dois filmes?

Terminei o “Balaou” em Fevereiro de 2007. Em Agosto voltei a São Miguel para mostrar o filme aos habitantes da ilha (actores do filme). Logo aí tinha um convite para visitar o Corvo e poder fazer um filme. Encarei esse convite como um chamamento. Pensei que talvez houvesse outra viagem a fazer. Neste filme, em vez de uma câmara como no primeiro, tinha duas câmaras e dobrei a equipa (fui com o Dídio Pestana que gravou o som). Duas semanas depois de mostrar o “Balaou” em São Miguel comecei a filmar o meu segundo filme. Logo que cheguei à ilha do Corvo senti que estava noutra viagem. O Balaou foi muito uma experiência especial e pessoal. Neste outro filme a minha experiência pessoal estava diluída nas mais de 400 pessoas do Corvo.

Os dois filmes são quase como um milagre que aconteceu. Estive a trabalhar com quase nada e sem saber se ia conseguir fazer o filme.

Neste momento o arquipélago dos Açores é o local onde sinto que eu tenho de filmar.

Qual a importância dos prémios recebidos?

O filme mantém-se sempre o mesmo. Os prémios validam ou não esse trabalho. A avaliação é sempre uma escolha subjectiva consoante o gosto. O que foi surpreendente foi ter recebido vários prémios seguidos. Se calhar houve aí uma onda qualquer. O valor monetário dos prémios é um extra porque possibilitaram-me pagar o filme.

Há um gosto saboroso nos prémios uma vez que estes filmes surgiram praticamente do nada e ter alguém, um júri, a valorizar esses filmes é muito positivo.

Qual a tua opinião em relação ao papel do governo português no apoio ou falta dele dado ao Cinema nacional?

Eu enquanto realizador não pedi subsídios; não por achar que o governo não deve apoiar, muito pelo contrário. No meu caso pessoal não sabia se ia conseguir fazer o filme. Achei que era complicado estar a pedir subsídios por este motivo. Não queria comprometer-me…

O governo devia apoiar o Cinema para além dos subsídios.

Descreves o teu filme, não como uma reorganização da realidade, mas como uma recriação. Nesse sentido o filme é uma criação artística fugindo à definição de simples documentário?

Não sei muito bem o que é um documentário e o que é uma ficção. Não aprendi a fazer filme [risos]…

As tuas duas longas foram histórias que te aconteceram como se estas viessem ter contigo. O teu próximo filme terá um argumento?

Sinto vou voltar aos Açores. Não tenho nenhum (pré) argumento.

Fala-nos do Cinema Português…

O Cinema Português está a viver um período forte. Não é uma questão de prémios mas sim de criação artística. Como viajei muito para apresentar o meu filme percebi que é impressionante como as pessoas falam do Cinema Português. Falam dos autores em concreto mas falam do Cinema Português como um tipo de Cinema. Como autores falam do Pedro Costa há vários anos e também do Miguel Gomes e dos seus dois últimos filmes.

Algo de muito forte está a acontecer ao Cinema Português. O Cinema filma uma espécie de desejo a pensar na obra e não no que agrada ao público. Apesar do público Português ser muito importante para os realizadores. Lá fora, quando são exibidos filmes Portugueses, há uma empatia tão grande. Não consigo perceber como existe aquela ideia do senso comum de que os realizadores não pensam no público Português.

É um Cinema que arrisca e está a arriscar muito. Nessa linha pensamos em realizadores como o Pedro Costa, o Miguel Gomes e o João Salaviza. Todos têm formas de fazer Cinema diferentes. No entanto contaminamo-nos uns aos outros. É um Cinema de autor que pega nas expectativas do público. Uma época com muitos realizadores que estão a apresentar bons filmes e que estão a viver e a fazer viver o Cinema Português.

Quais os realizadores que te inspiram?

Não consigo filmar como eles mas são realizadores que me levam a filmar. De repente o filme torna-se uma experiência última, que pode ser única. Gosto dessa ideia e acredito nesse Cinema. Os casos do Rainer Fassbinder e do Werner Herzog são exemplos desse cinema inspirador.

Quando penso em filmes, penso essencialmente na obra e só depois penso nos realizadores.

Qual a realizadora que consideras marcante?

A Marguerite Duras, tanto como escritora como realizadora. Deixou-nos obras fantásticas.

Dividias o teu tempo entre o Cinema e a Música?

Na comparação entre ambos a entrega é maior no Cinema. A Música foi massacrada pelo Cinema. Não teve grandes hipóteses de sobrevivência. Estava sempre a adiar os álbuns que tinha de fazer por causa do Cinema. O Cinema tinha um lado de urgência. A Música é mais intemporal, pode ser feita ao longo do tempo. Eu sofro com isso. O Tocha Pestana foi morto pela ilha do Corvo.

O teu rosto tem sido associado à luta pelo Cinema Português. És uma das três grandes figuras/tochas maiores (Miguel Gomes e João Salaviza) associadas a este movimento.

A luta pelo Cinema Português começou há mais de trinta anos e continua. Este não é um movimento único, tem várias caras e várias frentes. Estão envolvidas as associações de realizadores, o sindicato, realizadores individuais, técnicos individuais… Neste momento não há um ponto final porque a luta é tão grande e em tantas frentes. Temos as questões das condições de trabalho, dos apoios plurianuais e pontuais. Por vezes vamos ter de esquecer os filmes que estamos a fazer para estar a lutar por questões de trabalho que são mínimas.

Por vezes parece que o Governo Português não está muito preocupado com o Cinema Português.

Consideras importante envolver o público Português nessa luta?

O público é parte fundamental desta luta. Não pode haver divisão entre criadores e quem usufrui da cultura. Temos que tornar esse discurso muito claro. A partir do momento em que há pessoas que acham bem cortar na cultura é porque se passa algo de errado.

Qual a sensação de seres um novo explorador com a câmara sempre ligada no Corvo em pleno século XXI?

Filmar o Corvo foi a grande experiência social e talvez civilizacional.Com a câmara vivi a quadruplicar a experiência humana do que tivesse sido sem ela. A câmara nesse sentido potencia muito. Se tivermos uma relação muito directa entre nós, a câmara e as pessoas vivemos [imaginamos/criamos] muito mais…

 

 

Fotografias de Cesaltina Mota/Diário de Odivelas
Agradecimentos: Centro Cultural da Malaposta



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