“Guia para 50 Personagens da Ficção Portuguesa” | Bruno Vieira Amaral

“Guia para 50 Personagens da Ficção Portuguesa” | Bruno Vieira Amaral

Uma pequena preciosidade

No ano de 1968, Jorge Luis Borges lançava “O Livro dos Seres Imaginários”, que dava a conhecer 116 criaturas nascidas da fantasia humana, através de lendas, mitos e religiões. À pesquisa em fontes antigas e às próprias descrições de autores como C. S. Lewis, Homero ou Franz Kafka, Borges juntava a sua imaginação ilimitada, apresentando em pequenas linhas uma pequena enciclopédia de criaturas encantadas que não poderiam ser vistas em parques naturais ou jardins zoológicos.

Anos mais tarde, em 1980, Alberto Manguel e Gianni Guadalupi escreviam «Dictionnaire des Lieux Imaginaires» – ou «Dicionário dos Lugares Imaginários», ainda sem uma merecida edição portuguesa -, um atlas de geografias inventadas, um incrível guia de viagens condenadas à impossibilidade.

Muitos leitores perguntarão: que sentido fará então pegar em livros que se dedicam a falar de impossibilidades como se de algo real se tratasse? Em «Guia para 50 Personagens da Ficção Portuguesa» (Guerra & Paz, 2013), Bruno Vieira Amaral avança com uma boa hipótese: «É um divertimento que parasita e prolonga o jogo da literatura, a mais séria das brincadeiras de faz-de-conta, e como tal destina-se aos melhores leitores, aos que, por muito que tenham lido, mantêm uma ingenuidade de espírito, sempre prontos para mais um salto literário de fé.»

«Guia para 50 Personagens da Ficção Portuguesa» faz parte deste universo de livros que falam de personagens nascidas no mundo da ficção e que, muitas vezes, são mais reais do que nós. Ou, posto de outra forma, que seguram espelhos onde nos reconhecemos a nós próprios e a outros que nos cercam os dias. Eis-nos assim perante 50 das mais fascinantes personagens da ficção portuguesa, apresentadas em pequenos capítulos numa ordem cronológica que, mais do que seguir a data de publicação do livro ou o tempo que nele é descrito, segue a linha do tempo feita de emoções e estados de alma. Cada personagem é apresentada num BI de poucas linhas, seguindo-se um texto de Bruno Vieira Amaral e, como um ponto final animado, um pequeno excerto da obra onde cada personagem tem moradia fixa.

Numa viagem literária compreendida entre 1846 – «Viagens na Minha Terra», de Almeida Garrett – e 2011 – «O Retorno», de Dulce Maria Cardoso -, encontramos histórias de amor e ciúme, de mulheres anjo e outras mais difíceis de aturar, de gente que desistiu e de outros que conseguiram vencer a má sorte ou o destino negro que lhes parecia encomendado. Fascinante é também que, enquanto seguimos as pisadas destas 50 eternas criaturas, percorremos também a história deste país chamado Portugal, onde foram cabendo regicídios, um Estado Novo, uma Guerra Colonial, uma revolução ou uma entrada a pés juntos na União Europeia.

Bruno Vieira Amaral escreve com a paixão e a vertigem de um grande leitor, aliando a um incrível poder de síntese uma escrita pintada com muita melancolia e o perfume da poesia. Além de levantar o véu sobre 50 criaturas que se tornaram eternas, «Guia para 50 Personagens da Ficção Portuguesa» faz-nos ter vontade de bater à porta de suas casas, seja para reatar uma amizade antiga ou meter conversa pela primeira vez. Um livro verdadeiramente precioso, Bruno Vieira Amaral está de parabéns.



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