HABLAS SÓNAR?
Una caliente Barcelona.
Ao contrário do tempo que nos acolheu durante o OFFF, na semana anterior, as temperaturas já haviam aquecido com as expectativas de mais um Sónar, em terras catalãs! Entre 16 e 18 de Junho sublinhámos o mapa diário com anotações e desejos múltiplos de ver peixes graúdos e petingas musicais, que fizessem jus ao apetite que o festival sabe aguçar.
Tanto mar
O menu servia todos os gostos e o interessante deste festival é que, com ou sem pulseira de entrada, o Sónar acaba por tocar a todos, ou não movimentasse massas e eventos paralelos, dos quais o público não se esquiva. Espanhóis, portugueses, norte-americanos, franceses, japoneses, italianos. Todos falavam Sónar, expressando a língua agregadora da vontade de conhecer, descobrir e partilhar aquilo que o festival promete: o melhor da Música e Artes Multimédia. É, por isso, normal que o festival se respire pelas ruas, não como uma onda ou mais um cliché de arrastão. O festival faz parte e envolve quem está ON e quem está OFF, de uma forma muito própria. O OFF Sónar é, neste caso, um movimento paralelo ao main event, mas que a ele se acopula pelo foco de oferta e audiência arrastada até à cidade. Festas na praia ou em barcos, promovidas por clubes ou editoras… Nomes que, não estando no cardápio principal, também teriam bom espaço nele, desta feita a um preço mais acessível (grátis, para os eventos junto à areia). O festival ecoa e, calhando bem, merecia um feriado com ponte [daqueles bem casados, como os que temos por cá], para que a experiência fosse vivida em pleno pelos habitantes da própria cidade, prolongada fim-de-semana a dentro.
Tardes sin siesta
Almoçar e digerir por lá, onde tudo começa. Aos olhos [ouvidos] de muitos, o Sónar by day é a camada mais “fina” do bolo, bem montado entre os espaços do Macba e do CCCB. Ainda sob resquícios do OFFF, com a exposição “Other Mirrors” a elevar o experimentalismo visual, o OFFFMática poderia ser a primeira volta no carrossel tão bem pautado por outras parcerias, em especial as mantidas com as gigantes ADIDAS, Red Bull e a cerveja da terra, Estrella. Se a primeira marca se via tão all In como all over paredes e ao peito/tiracolo dos presentes, as restantes duas viram-se as grandes cabeças-de-cartaz dos palcos centrais. Estrella no SonarVillage, em espaço aberto, e as asas a bater no SonarDôme, o grande domus. Neste último caso, sublinha-se a interessante parceria com a Red Bull Music Academy Radio, cujo jornal diário e emissões live streaming puseram à escuta milhares de pessoas por todo o mundo, abrilhantando novamente o line-up do festival a partir de uma espécie de tenda ininterruptamente cheia, para dançar na presença de lendas, revelações bem lapidadas e estrelas em ascensão. No primeiro dia, que se ficou apenas pela parte diurna, tivemos uma espécie de aperitivo RBMA com os mexicanos Poirer e Boogat, seguidos do esperado Kidkanevil – que soube agarrar o público pelos tornozelos. Uma boa entrada, mas haveria ainda tanto para ver. Ainda nessa tarde, no SonarVillage, os projectos Toro y Moi de Chazwick Bundick, o dub cherry Floating Points e os suecos Little Dragon deram as cartas certas para encabeçar o acolhimento ao festival, abrindo alas para os dois dias seguintes.
E porque sexta-feira a temperatura subiu mais uns graus, a fasquia também se elevou. Entre a hora da sobremesa, lanche, até ao abrir do apetite para o jantar, fomos servidos de um possante trio de ataque no SonarDôme, constando da lista: o true school basseliner DJ Zinc; a revelação ancorada desde o ano passado por Benga, Katy B; e os franceses Pilooski e Pentile, no corpo electro de Discodeine. Ainda no set electrónica, mas mudando de palco, @SonarVillage fizeram-se ansiar Agoria e Four Tet. Agoria provou-se o prodígio francês que (juntamente com The Hacker + Vitalic + Laurent Garnier) deu uma injecção de vanguardismo ao panorama musical electrónico, reconhecido bem além das terras de Sarkozy. Aplaudido e vestindo a camisola da Domino Records, o britânico Four Tet deixou-nos um set inquietante, cruzando influências tão distantes como Burial, Madvillan ou Aphex Twin – e este último ainda se havia de pronunciar naquela noite.
No último dia, ainda que de tarde, as pernas cansavam. No entanto a vontade fez a força pelos nomes de Gilles Peterson, Yelawolt e Apparat Band – projecto de Sacha Ring em formato banda, o verdadeiro ponto alto da tarde de sábado, numa performance quase imaculada, não fosse pelo pouco espaço e qualidade acústica do SonarHall.
A noite é dos que não dormem
O conceito Sónar by night é totalmente diferente. Não se vai a pé, nem se está no centro. Vai-se por 40/50/60€ de táxi – consoante negociação – ou a 2€ de autocarro, em direcção àquilo que poderia ser a nossa FIL, a FIRA. Um espaço disfarçadamente gigante com quatro pistas à espera de grandes nomes mundiais e público de todo o mundo também. Lá coubemos todos, coubemos muitos. Entre palcos, música e carrinhos de choque, por ali marinámos em duas noites de oferta talvez mais mainstream, mas incontornavelmente relevante. Os revigorados The Human League, a M.I.L.F. M.I.A. e o irreverente Steve Aoki (de barco de borracha) fizeram justiça à mobilização em massa arrastada nos seus horários, deixando ainda um bom lugar para a grande novidade (!!!) da África do Sul Die Antwoord: o trio composto pelas personagens inusitadas de Ninja, Yo-Landi Vi$$er e DJ Hi-Tek tem dominado a cena hip hop emancipada de Capetown para o resto do mundo pós-mundial de futebol. Felicidade garantida, encheram-nos ainda a barriga o engomadinho A-Trak e o great Aphex Twin. Uma nota apenas para James Murphy: gostamos muito do senhor e por isso, também, nos destroça vê-lo já às 6h e bastante insatisfeito – para o ano, a ver se gira-discos depois da ceia, mas em horário menos sonolento (para o próprio).
A encerrar, a despedida (des)faz-se em sorrisos. Os Underworld, com a mesma qualidade e energia de há 15 anos atrás [poderia parecer impossível, mas foi bem verdade – a verificar, eventualmente, por terras da Zambujeira]. The Gaslamp Killer, o homem de L.A. que nos arrasta os queixos pelo chão com a energia inconfundível com que navega por tunes de jungle, dubstep, disco ou segmentos de rock alternativo, foi sem dúvida uma surpresa a revisitar no festival Neopop, este mês, em Viana do Castelo. Aquecido o ar, seguiram-se as atenções para os Magnetic Man, projecto mais recente dos dubstepers de Benga, Skream e Artwork, que superou as expectativas dos mais cépticos quanto à soma comercial das partes que conhecemos, em nome singular, de pistas underground q.b..
E porque no meio está a virtude, a noite rebentou a meio caminho, precisamente com o concerto dos Buraka Som Sistema. Um concerto sem espinhas, orquestrado por DJ Riot na percussão, Fred na Bateria e J-Wow na maquinaria, dando o mote para os agitadores Blaya, Kalaf e Conductor. Foi um bom concerto e a reacção do público bastante reconfortante para qualquer português que ali estivesse. Tornou-se, então, muito fácil não nos mexermos do lugar para esperar por ver as subsequentes actuações do berliner Paul Kalkbrenner e James Holden. Dois grandes sets, entre o tecno e a electrónica, que colaram o público em frente ao palco SonarPub, mas de pés ligeiros e bailarinos para aquele que seria um bom desfecho de mais uma edição.
Sem gigantes altos nem graves baixos, foi essencialmente um festival consistente em nomes reconhecidos e, exceptuando puxões RBMA, foram poucas as apostas em futuros talentos. Não obstante, os estilos diversificados suportaram uma experiência enriquecedora para quem faz parte do meio ou para quem pagou para desfrutar dele, visitando duas faces de uma moeda única, sublinhada nas t-shirts e merchandising do evento – não estivesse o Sónar for Sale.
É única, sem dúvida, a forma como uma plataforma como esta consegue edificar um conceito que funde tão bem a contra-cultura com um lado eventualmente mais comercial, numa estratégia que cativa a cidade e os visitantes pela satisfação da fome musical, culturalmente atractiva, aliada à experiência de massas suavizada pelo elevado standard de qualidade dos projectos e manifestações organizadas em seu torno. Verdade: a nível musical não houve tantas surpresas como expectativas e, especialmente, o formato by night já não é tão advanced como já foi… Mas é também por isso que o conceito, por si, se exporta tão bem, seja para os vizinhos galegos, para Tóquio, Nova Iorque, Londres ou – futuramente – São Paulo. Sim, está confirmado que o festival será uma realidade no Brasil olímpico. E é esta a coisa boa de manter o Sónar em família: depois de visitarmos os nuestros hermanos, podemos sempre ir ver se está tudo legal na outra ponta da língua.
Hasta la proxima!
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Excelente artigo, Ana!