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Hell Hound

Da Marinha Grande ao Mississippi.

O blues e o estado do Mississippi no início do século XX como pano de fundo. Música de negros, cantando desgraças e dificuldades por que passam nos campos de algodão do sul dos Estados Unidos. Foi aqui e assim que nasceu este género musical, que mais tarde influenciou estilos como o rock´n roll, folk ou o country.

Agora, um século depois, Hell Hound transporta esse espírito para um álbum de oito faixas. Não em Mississippi, mas na portuguesa Marinha Grande. Não negro, mas branco. Hell Hound é Diogo Augusto com uma guitarra, banjo, harmónica e a sua própria voz. O nome do registo diz tudo: “21st Century White Mississippi Blues”, lançado pela Experimentáculo Records.

Parafraseando o autor, “é um álbum que se ouve bem com um copo de whisky sem gelo na mão, cigarros, bar com decoração de madeira e pouco mais…”. Esta descrição serve, também, como cenário ideal para um concerto: palco, igualmente em madeira, e cadeira com os pés ligeiramente tortos, desgastada da insistente utilização.

Falando de música, o blues que aqui encontramos é o autêntico. O de início do século XX. Aquele que deflagra alguns anos após o final da Guerra Civil norte-americana, que põe um ponto final à escravatura, na teoria. Aquele em que a religião é tema forte e sério. Não o blues eléctrico de Hendrix, muito menos o reinventado dos Zeppelin. É aquele que nos relaxa. Que nos irrita, por vezes. Fala-nos de sofrimento, de amor. Quase sempre devagar. Quase sempre, porque em alguns momentos Hell Hound também gosta de explodir. E aí, abanamos a cabeça mergulhados num ritmo mais intenso.

Contextualizando a música feita por Diogo Augusto, podemos situá-la entre os nomes mais influentes deste género: Robert Johnson e Son House. Um pouco de Dylan no início de carreira e, ainda, de Johnny Cash, onde entram alguns nuances do country.

Músicas com a palavra “Blues” no título também fazem parte do repertório, como mandam as regras dos mais distintos bluesmen.

A 18 de Junho, no Teatro Reflexo, em Sintra, o autor de 21st Century White Mississippi Blues mostra-nos o seu trabalho.

Porquê Hell Hound?

Este nome tem a ver com uma música do Robert Johnson, «Hellhound on my trail». Trata-se de uma faixa que possui uma imagem religiosa muito forte, com algumas referências ao inferno. Sempre fiz música com essas referências. Aproveitei a embalagem, e decidi ainda, dessa forma, fazer uma homenagem ao senhor…

Tiveste dois projectos anteriores a este (The Wage e Sonic Reverends), com uma banda de apoio. Esta nova aventura já estava pensada, ou foi uma ideia que foi ganhando forma?

É mais a segunda opção. Quando estive com os The Wage, houve uma altura com muitas pausas. Quando houve uma paragem mais prolongada decidi fazer coisas novas. Tinha uma guitarra acústica ranhosa e fui em frente. Fiz alguns concertos, coisas bastante informais, gravei um conjunto de músicas com pouca qualidade, parava, pegava no material novamente. Mais recentemente, em finais de 2009, abordei este projecto de uma forma mais séria, investi num banjo e gravei um EP de oito músicas, que escolhi entre mais de 60 que tinha gravado.

E quanto tempo demoraste a conceber este disco?

Desde que me decidi a fazer o álbum até ao momento em que o gravo, deve ter passado uma semana. Chegava do trabalho, montava o material e gravava uma música. Foi assim todos os dias da semana. São oito faixas, por isso dá a média de uma música por dia.

“21st Century White Mississippi Blues”, nome do álbum, parece que nos remete para novas sensações que o blues oferece, mas no novo século…

E cantado por um gajo branco… (risos) Tinha uma música, que por acaso não entra no projecto final, que falava exactamente disso. Ou seja, está aqui um gajo branco, classe média, com estudos superiores, a fazer música que se ouvia no século XX. Na verdade, trata-se de uma abordagem algo sarcástica do blues. Mas sim, a ideia anda muito à volta disso. Com este título pretendo também mostrar que as coisas não estão assim tão diferentes do que se fazia na altura. Havia questões, muito étnicas à época, que agora continuam a acontecer, mas são observadas de uma forma quase democrática. Resumindo, foi trazer um pouco desse blues arcaico, com uma guitarra acústica, slide e pouco mais.

Trazendo nomes mais contemporâneos, podemos dizer que és mais Cash ou Dylan, que Hendrix?

Sim, sem dúvida. Não tenho amplificadores, não tenho efeitos, distorção. Fica tudo mais natural. Portanto soa a Robert Johnson, Son House, e posteriormente a Cash e aos primeiros anos de carreira de Bob Dylan.

Guitarra, banjo e harmónica são os instrumentos deste registo. No próximo projecto teremos novidades no que a instrumentos ou novos elementos diz respeito?

Não, de todo. A ideia é esta. Quanto a instrumentos, poderão existir coisas novas, mas sempre dentro do espírito acústico. Um bandolim, talvez… mas só eu a tocar. Não tenho problema nenhum com isso, mas não era a mesma coisa. Perdia-se o efeito Hell Hound. Tenho de estar sozinho em palco.

Curiosidade: “Blues” é uma palavra que, invariavelmente, faz parte dos títulos de várias músicas do género. Que espécie de acordo é este entre os intérpretes/banda e a palavra “Blues”?

(risos) É preguiça. No meu caso é mesmo isso. A maior parte das músicas não têm refrão. Gravas a faixa, chegas ao fim e não sabes que nome vais dar. Pensas: “blues” entra. E pronto, 50 por cento do título já está… (risos) Agora falta uma palavra qualquer. Eu acho mesmo que é isso.

Além de cantares em Inglês, tocas um género musical bem aceite no estrangeiro. Pensas em levar o teu material para o exterior?

Penso e não penso. Não é propriamente algo que dependa só de mim. Um músico que faz isto bem em Portugal é diferente de um outro do mesmo valor lá fora, nos Estados Unidos. É óbvio que por vezes penso nisso. Não me teria metido na música se não quisesse ir lá para fora, e mostrar a mais pessoas o que faço. Em Portugal já foi mais difícil, mas continua a não ser muito fácil. O Legendary Tigerman à medida que se foi desligando do blues mais puro, foi ganhando mais sucesso. E se virmos bem as coisas faz sentido. É um género que em Portugal não existem muitas pessoas que se identifiquem. Por acaso, até tem algumas semelhanças com o fado, mas tem um passado e uma história que não fazem a ligação com Portugal. De uma maneira geral, compreendo essa visão distante dos blues. Mas não fico obcecado com uma possível não internacionalização. Isto é o que é…

Copo de whisky, maço de tabaco, bar velho, com decoração em madeira, guitarra e harmónica. Seria o concerto ideal?

Sim, mas no Mississippi e num espaço que não necessitasse de microfone. Para que tudo fosse autêntico. No início era assim que se fazia. Ah, e de preferência num final de tarde…



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