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Herodíades, Rainha

Novo espectáculo dos Artistas Unidos, em cena no Teatro da Politécnica até 21 de Janeiro.

“Dente por dente, tal era toda a minha lei; e eis-te gritando à minha frente: Dente por dente é o verbum de um deus que mais parece o de um delinquente!”
Herodíades

Herodíades, mulher de Herodes. Herodíades, mãe de Salomé. Herodíades, que chora sobre a cabeça de João Baptista a perda dos seus Deuses, mas a impossibilidade de aceitar um novo Deus que apregoa a pobreza. Este é o segundo de três prantos escritos por Giovanni Testori.

Testori, poeta, dramaturgo e pintor milanês, aventurando-se também por outras tantas actividades, foi uma das mentes mais polémicas, contraditórias e imprevisíveis do mundo artístico século XX. Homossexual e, no entanto, ávido católico, este paradoxo resultante de uma educação ortodoxa acabou por moldar grande parte da sua obra. É já no final da vida, nos primeiros anos da década de 90, que Testori escreve os Tre Lai – Três Prantos, de Cleópatra, Herodíades e Maria, respectivamente. Estes são textos, nas palavras de Jorge Silva Melo, de um homem no fim da vida, de uma derradeira “conciliação entre a doutrina católica e o ardor sexual, o vitupério e a caridade, à procura do lugar ‘daquele que traz o escândalo’”.

Num cenário majestoso de veludo vermelho encontra-se Herodíades, rainha. A cabeça de João Baptista repousa à sua frente, “posta na mesa que posta já a esperava”. E Herodíades chora. Grita. O pranto, pela boca do próprio Testori, é “voluntariamente obsessivo e claustrofóbico”; cru, corrosivo e escandaloso, de uma ânsia sexual quase palpável no ambiente em que é proferido.

João Baptista, mensageiro de Cristo, traz as suas novas a Herodíades. Mas um Deus de pobreza, de doença e de caridade? Nunca! Nunca para esta rainha. Os seus Deuses eram os da glória, da libertinagem e da sumptuosidade. Não era o verbo que Herodíades queria de João, mas nada ele lhe deu. A vingança, fria e majestosa, jaz agora em frente à insaciável vingadora. E Herodíades chora. Grita. Até os seus gloriosos Deuses esta perdeu. Que lhe resta agora?

Elmano Sancho é extraordinário como Herodíades, um papel que se desdobra em inúmeras partituras e que exige um ritmo que, aliado ao texto em verso, se verifica de grande complexidade. O actor, admitindo estar a viver o papel mais desafiador da sua carreira, consegue captar a imagem da rainha, da mulher, implacável e acutilantemente.

A peça já foi feita tanto por um actor como por uma actriz; neste caso, Jorge Silva Melo sentiu que o desejo sexual fora de qualquer regra que Herodíades apresenta funcionaria melhor com um homem. A dicotomia entre feminino e masculino acaba por resultar, demonstrando em Herodíades também uma possível faceta de Testori.

Embora este seja apenas o segundo pranto, tanto Cleópatra como Maria acabam por surgir, em toda a envolvência da acção e na própria mente de Herodíades. O trabalho final é incrivelmente poético, mas de uma poesia audaz e perfurante, que não deixará ninguém indiferente.

HERODÍADES de Giovanni Testori

Tradução Miguel Serras Pereira
Com Elmano Sancho
Cenografia e Figurinos Rita Lopes Alves
Luz Pedro Domingos
Actor Leandro Fernandes
Imagem José Luis Carvalhosa
Montagem Miguel Aguiar
Produção Vânia Rodrigues e Andreia Bento
Encenação Jorge Silva Melo

No Teatro da Politécnica de 11 a 21 de Janeiro – M16
4ª às 21h00 | 5ª às 19h00 | 6ª às 19h00 | Sáb às 19h00



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