Heróis do Mar

25 anos de glória e paixão.

O documentário “Brava Dança”, recentemente exibido no festival DocLisboa, trouxe de novo à baila aquele que foi o maior fenómeno musical da pop portuguesa.

O trabalho do jornalista Jorge Pires e do realizador José Pinheiro reveste-se assim da maior importância para fazer luz sobre um período fecundo mas pouco conhecido das gerações mais novas.

Importa, por isso, contextualizar os antecedentes históricos dos Heróis do Mar: Faíscas e Corpo Diplomático. No primeiro caso, falamos do primeiro projecto punk português, que já incluía Paulo Pedro Gonçalves e Pedro Ayres Magalhães. Nas entrevistas que concederam durante a sua curta existência, afirmaram que faziam “música moderna portuguesa eléctrica mas que não eram rock”.

O segundo projecto pré-Heróis do Mar chamava-se Corpo Diplomático e incorporava também o teclista Carlos Maria Trindade. O único disco editado seria “Música Moderna”, de 1980, e as baterias estavam apontadas para a new wave. Embora causassem sensação ao nível dos concertos, teriam também uma existência curta.

Até 1980, predominavam nas rádios portuguesas as canções de intervenção e começava também a ascensão da música brasileira. O panorama começou  a mudar com os temas «Chico Fininho», de Rui Veloso, «Cavalos de Corrida» dos UHF ou «Chiclete» dos Táxi. Era o boom do rock português e assistia-se ao desfilar de temas de três minutos que invariavelmente tomavam de assalto as tabelas de vendas em Portugal.

É em finais desse ano que Pedro Ayres de Magalhães aborda Rui Pregal da Cunha na discoteca Trumps, em Lisboa, e lhe pergunta se quer ser vocalista de um novo projecto musical. O futuro cantor dos Heróis do Mar era uma boa escolha. As suas frequentes incursões nos lugares da movida lisboeta de 80, o facto de ter participado no projecto musical experimentalista, Colagem Urbana, e a sua recusa em alinhar num Portugal passadista, faziam dele o homem certo para o lugar certo.

No mês de Maio de 1981 arrancam os trabalhos para o primeiro disco dos Heróis do Mar. Já com Rui Pregal da Cunha na voz, Pedro Ayres de Magalhães no baixo, Paulo Pedro Gonçalves na guitarra, António José de Almeida na bateria e Carlos Maria Trindade nos teclados, lançam o seu primeiro single: «Brava Dança dos Heróis/Saudade». Estávamos em Agosto de 1981 e em finais desse ano surgia o primeiro álbum da banda: “Heróis do Mar”. O trabalho é um dos melhores de sempre da pop nacional.

Os cinco amigos fundiam em disco e em palco diversas influências: canção, pop, modernidade, história de Portugal e até as sagas de aventuras japonesas do cinema.

No entanto, a utilização de fardas, da bandeira de Portugal e da cruz de Cristo valeram-lhes as primeiras reacções adversas e a conotação com ideais fascistas, por parte da imprensa.

O Portugal de 80 parecia ser ainda de 60. E não compreendia que a banda procurava ser inovadora, mas sem trair um certo imaginário lusitano. Em «Brava Dança», os Heróis do Mar referem que várias pessoas lhes sugeriram que abandonassem aquele imagem inicial e que fizessem uma música mais ‘catchy’. O resultado foi o êxito estrondoso, “Amor”, de 1982 e nas palavras de Rui Pregal da Cunha: “os portugueses já tinham uma música para dançar nas discotecas”.

Seria por volta desta altura que a revista britânica The Face os consideraria a melhor banda da Europa continental. Ainda assim, a transformação de “cartão de visita da modernidade portuguesa” para fenómeno de vendas não seria pacífica entre os fãs.

Mas os êxitos continuaram a surgir em disco: «Cachopa» do álbum “Mãe” (1983), e principalmente os singles «Paixão» (1984) e «Alegria», de 1985.

O ano de 1986 traria o terceiro trabalho do agrupamento português: “Macau”. Neste álbum já se começa a notar algum cansaço e falta de ideias, descontando uma excelente canção: «Fado». No ano seguinte, os Heróis do Mar jogariam o seu às de trunfo com o single «O Inventor». A ideia presente neste tema, e em «Eu Quero», do álbum “Heróis do Mar IV”, fazia jus a uma certa forma ‘clean and fun’ de gozar com as pessoas que apelidaram no início a banda de fascista. O tema «O Inventor» é aliás ilustrado com uma prestação ao vivo no documentário de Jorge Pires e José Pinheiro.

Com o lançamento de “Heróis do Mar IV”, em 1988, encerrava-se o último capítulo de um agrupamento que fez da mensagem, e da imagem, o seu leitmotiv principal, ou seja, a sua base de existência musical e cultural.

Nesta altura, as divergências musicais e pessoais atingiam o auge: Pedro Ayres de Magalhães fundava os Madredeus e António José de Almeida abandonava o grupo. Pouco depois era a vez de Rui Pregal da Cunha e Pedro Paulo Gonçalves iniciarem o projecto LX-90.

A hipótese de regresso do conjunto ganhou força com a realização da Expo 98 de Lisboa. Nessa altura, falou-se da ideia de um espectáculo de encerramento a cargo dos Heróis do Mar. Para Rui Pregal da Cunha seria “trazer Portugal de volta a Portugal”, mas a ideia não se concretizou devido a divergências incontornáveis entre os elementos do grupo.

A grande virtude de “A Brava Dança” consiste em recuperar uma memória que convém não esquecer. Mostrando material inédito e imagens que continuariam perdidas nos arquivos de televisões nacionais e estrangeiras. Outra das tarefas que o documentário executa na perfeição é a de dar voz aos heróis, contextualizando o momento político e cultural que se vivia no Portugal dos idos de 80.

Num dado momento do documentário, o antigo vocalista dos Heróis do Mar faz uma confissão: “Internacionalização? os brasileiros dizem que não nos entendem…”. Parece mentira, o conjunto até teve alguns temas seus a passarem em discotecas do Rio de Janeiro mas os tempos eram outros. Existiam apenas dois canais televisivos e não havia uma indústria musical em Portugal…

O público, que descobre ou redescobre os Heróis do Mar na discoteca Plateau ao som de «Paixão», percebe que o grupo lisboeta foi mais do que uma sensação do momento. A música deles é e continua a soar actual e fresca.

É sensata a reedição pela EMI do catálogo do conjunto prevista para 2007. No entanto, faz mais sentido a edição de uma caixa com todos os singles da banda, porque este era o seu ponto forte.

Ao fim de 25 anos, o legado dos Heróis do Mar permanece mais vivo do que nunca. Porque eles foram a melhor banda pop de Portugal e abriram caminho para tudo o que se fez a seguir. Ousaram quebrar barreiras com um guarda-roupa original, com temas que apontavam para o sentir lusitano: «Saudade», «Brava Dança dos Heróis», uma certa irreverência, «Amor» e «Paixão», ou o puro gozo pop, «O Inventor» e «Eu Quero».

Era muito saudável para a música popular cantada em português que Pedro Ayres de Magalhães, Rui Pregal da Cunha e restantes companheiros se reagrupassem para fazer um novo disco, uma tournée ou um DVD de um espectáculo ao vivo.

Os fãs da primeira hora rejubilariam e os mais novos ficariam certamente convencidos.



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