Hostis, de Scott Cooper

“Hostis”, de Scott Cooper

um western clássico sem o ser

“Hostis” não veio ao mundo para inventar a roda, já a descobriu, gostou do seu funcionamento e até virá talvez para prestar-lhe homenagem. É um western clássico em termos conceptuais, robusto, que se inspira no trabalho dos grandes mestres do cinema do género – existem inúmeros planos de saída de espaços fechados para a intensa luz do dia em que quase se poderia jurar tratar-se de “A Desaparecida”.

Baseado em fórmulas clássicas e sólidas, muito por “culpa” da exímia cinematografia do japonês Masanobu Takayanagi, não traz muitos elementos de inovação mas é extremamente competente no seu raio de actuação. Aprecia os grandes planos das faces dos protagonistas, tendo a sorte de encontrar frente à lente actores com muitas provas dadas no cinema e que sabem perfeitamente o que fazer – embora, por vezes, talvez fruto de exigências de argumento, se cruzem com algum excesso de dramatismo ou exagero emocional. A banda sonora composta por Max Richter faz com que esses excessos frequentes se intensifiquem, conjugando-se perfeitamente com o estilo épico-sentimental do filme.

(…) são os colonos hostis para com os nativos e primeiro ocupantes do futuro território dos Estados Unidos ou são os nativos hostis porque se defendem contra a chegada dos colonos?

Alguns twists de argumento introduzem frescura embora o protagonista (Joe, o personagem interpretado por Christian Bale) seja mostrado logo no início como o tipo de homem tão amargo que trinca limões enquanto dá ordem de prisão a famílias de nativos americanos. O capitão Joseph Blocker – ou Joe, como é commumente chamado – carrega consigo, apesar do exterior rude e implacável, uma cópia do “Júlio César” de Shakespeare, aspecto que pode ser interpretado como a tónica para a longa caminhada espiritual em que embarcará na maior parte do filme. E quando se menciona aqui a longa caminhada, também em termos de tempo psicológico do espectador se trata de um visionamento tão penoso e duro quanto o dos personagens que percorrem as agruras do deserto – e este aspecto não é necessariamente mau, apenas ajuda o espectador a sentir aquilo que está em causa. A dada altura, Joe mencionará até, à laia de confissão de homem de parcas palavras, que não tem feito senão carregar o seu enorme fardo.

Na base e formalmente, “Hostis” começa por parecer um western mas quando é pedido a Joe que leve o chefe índio Yellow Hawk e a sua família até ao seu território de origem, acaba por tornar-se numa jornada de expiação de pecados para todos os intervenientes, cada um tem o seu papel e os seus pecados. A questão da hostilidade que o título encerra é dúbia e assim permanecerá, deixando espaço para que se possa perguntar se são os colonos hostis para com os nativos e primeiro ocupantes do futuro território dos Estados Unidos ou são os nativos hostis porque se defendem contra a chegada dos colonos – e com extrema violência, relembre-se que tribos inteiras foram dizimadas à época, no século XIX.

é sobretudo uma viagem filosófica e em que cada interveniente irá reflectir em que é que se tornou – e aprender a viver com isso

Se se esperar a tradicional luta do “bom versus mau”, essa linha não se encontra claramente definida e deixa espaço para que se questione. À semelhança, aliás, do personagem de Joe, que todas as noites se inspira em “Júlio César”, também ele intrinsecamente dividido na sua cruzada, apesar de exteriormente não o demonstrar – a crença em Deus é menos consistente que a crença nos homens ou na realidade criada pelos homens, assim o transmite em conversa com Rosalie Quad, a viúva interpretada por Rosamund Pike. E se a complexidade dos personagens de pele branca se encontra bastante bem trabalhada e definida, os nativos americanos são retratados, por oposição, com uma quase infantilidade ou natureza caricatural – perpassará, por vezes, o sentimento do bom selvagem. Se esse elemento de branqueamento dos nativos americanos é propositado, remetendo para esse mito introduzido no pensamento filosófico na Idade Moderna, então o intuito foi bem sucedido; se esse elemento se trata propositadamente de uma quase domesticação e aceitação do modo de vida dos e valores dos colonos de forma tácita, então esse é um ponto fraco no argumento.

“Hostis” é um western clássico sem o ser. Clássico nas fórmulas e nos pressupostos, desenha uma proposta alternativa em que toca à complexidade psicológica dos personagens, tem poucos momentos de acção clássica, e é sobretudo uma viagem filosófica e em que cada interveniente irá reflectir em que é que se tornou – e aprender a viver com isso. Forte, sabe perfeitamente que caminhos quer trilhar, apostou muitas das suas fichas no seu talentoso elenco, não quer correr demasiados riscos e sabe como manter o suspense até ao final.

Estreia a 22 de Março.



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