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Hotel Chelsea

O Hotel Chelsea fechou para obras, mas no seu interior, entre entulhos e detritos, continuam hóspedes de longa duração que teimosamente resistem à destruição implacável do seu modo de vida

Quando, em 1966, Andy Warhol, filmou “Chelsea Girls”, um filme experimental com e acerca das habitantes do Hotel Chelsea, em Nova Iorque, já o hotel era há muito uma estrela em torno da qual gravitavam poetas, músicos, pintores, artistas sem arte conhecida e outras pessoas de métier desconhecido ou mesmo duvidoso. O álbum de estreia de Nico, “Chelsea Girl”, de 1967 (também aludindo ao hotel), foi para a Música o que o filme de Warhol tinha sido para o Cinema: um marco que estabelece um antes e um depois, ainda que muitos na altura não o tenham entendido assim.

Construído em 1883 e transformado em hotel em 1905, este estabelecimento, que também alugava apartamentos para estadas mais prolongadas, possuía um poder de atracção irresistível que o tornou sinónimo de boémia artística, festas, cultura underground, alternativa e avant garde.

Os seus 12 andares albergaram, entre personalidades norte-americanas e estrangeiras, Sarah Bernhardt, Mark Twain, Edith Piaf, Henri Cartier-Bresson, Jean-Paul Sartre, Jasper Johns, Arthur Miller, Jack Kerouac, Wilhem de Kooning, Dylan Thomas, Leonard Cohen, Jimi Hendrix, Bob Dylan, Charles Bukowski, Allen Ginsberg, Janis Joplin, Sam Shepard, Iggy Pop, Jane Fonda, Stanley Kubrick, Sid Vicious e muitos outros mais, entre famosos e outros que a História esqueceu.

Stanley Bard, foi gerente e co-proprietário do hotel entre os anos 50 do século XX e o ano de 2007, foi o responsável pela aura mítica do espaço e com ele as regras da hospedagem eram bastante peculiares. Podiam incluir um desconto final no preço porque o hóspede desenhava bem ou concordar esperar pelo pagamento da renda porque o livro ainda não tinha sido editado ou a peça ainda não estreara…

Muitos dos quartos do Chelsea estão associados às criações artísticas dos seus ocupantes; outros ficaram famosos também mas por razões sinistras, como o célebre apartamento n.º 100, onde Sid Vicious, dos Sex Pistols, apunhalou até à morte a namorada Nancy, em 1978. Ou o n.º 206, onde em 1953 o poeta Dylan Thomas entrou em coma alcoólico do qual já não recuperou. Muitos anos depois, havia quem afirmasse ter visto o seu fantasma; sendo que o de Thomas Wolfe, célebre novelista e dramaturgo, também teria sido avistado no seu antigo quarto: o 829.

No n.º 822 foram encenadas as famosas fotografias do livro Sex, de Madonna, em 1992, e no apartamento n.º 1008, Arthur C. Clarke escreveu “2001: Odisseia no Espaço”. Este apartamento é, desde há 30 anos, o lar da fotógrafa portuguesa Rita Barros.

 

 

 

Rita Barros, em 1999, publicou “15 Anos no Chelsea Hotel”, um livro de fotografia editado com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa que retratava a vivência do hotel, os seus vizinhos de apartamento e os seus auto-retratos enquanto hóspede, as encenações, as festas… É uma obra fundamental para a história do local e hoje está esgotadíssimo nas livrarias. Na Amazon, encontra-se com um valor superior a 1000 dólares. É obra!

Mesmo já acusando, claro, o peso da idade, o hotel entrou no novo milénio ainda mantendo uma aura e um carisma muito próprios, sendo talvez ainda um dos hotéis mais famosos do mundo – não pelo SPA ou pelo minibar, mas pelo verdadeiro hotel de charme que era. Em 2010, o Chelsea acabou por ser vendido a um grupo hoteleiro que não estava minimamente interessado na enorme importância do hotel para a cultura contemporânea. Nova Iorque também foi incapaz de preservar um legado destes e, em Agosto de 2011, o hotel fechou para remodelação (destruição…), não aceitando novos hóspedes.

Contudo, cerca de 100 hóspedes antigos resistem nos seus apartamentos cercados de entulho e detritos. Têm entre 5 e 80 anos de idade e aquele hotel era (é) a sua casa. Ninguém lhes propôs qualquer indemnização ou compensação e os media tratam-nos como não-pessoas, esperando que um véu de invisibilidade os cubra a todos.

Actualmente, Rita Barros regista, de forma mais ou menos clandestina, a destruição inexorável e imparável deste mítico espaço numa série de fotografias a que chamou “Displacement”. Também o blogue “Living with Legends, The Last Outpost of Bohemia”, da responsabilidade de Ed Hamilton, regista passo a passo o que vai acontecendo no hotel, da destruição do património aos planos mirabolantes de uma discoteca na cobertura, na esperança de que ainda se consiga travar um fim sem honra nem glória de um edifício que merecia continuar a ter uma história digna. But when money talks…

 

Lino Palmeiro

O Chelsea na primeira pessoa

Estamos no ano de 2008.

Em Nova Iorque o tempo está divinal. Em pleno Verão sente-se um calor abafado, que ao mesmo tempo inclui brisas que suavemente passam pelo nosso corpo.

Numa rua onde vemos todo o tipo de pessoas, despreocupadas a atravessar a via por cima das inúmeras passadeiras, temos uma loja de venda de instrumentos musicais, mas temos, também, o Chelsea Hotel.

Porquê a escolha do Chelsea? Ora, foi aqui que morreu Nancy, a namorada de Sid Vicious, dos Sex Pistols. É preciso dizer mais?

O hotel situa-se num dos inúmeros prédios de Manhattan, rodeado de vários Starbucks, como manda a tradição nova-iorquina.

À entrada do hotel temos a sinalética “Chelsea Hotel” e quando entramos vemos automaticamente que a recepção do hotel é diferente das outras.

Aqui mistura-se a qualidade de um hotel de luxo e a hospitalidade de uma boa casa. E na prática, é isso mesmo que caracteriza este espaço, que combina qualidade com uma hospitalidade pouco habitual.

Com o passar dos dias, fomos vendo as mesmas caras e, por conseguinte, conseguir chegar à conclusão de que essas mesmas caras viviam no hotel há anos e anos. Os hóspedes levam-nos directamente a memórias dos anos 60, em que os hippies tentavam mudar o Mundo, mas também até os anos 80, em que o rock ‘n’ rol se misturava com o punk e os seus seguidores se revoltavam contra a sociedade.

Se este hotel é diferente dos outros?

Sim é. Nunca será apenas mais um hotel, porque a História assim não o permite.

Vanessa Marcos



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