IndieLisboa 2004

A primeira edição do festival foi um sucesso a todos os níveis. A Rua de baixo esteve lá e conta-vos tudo.

Quando se soube que o IndieLisboa era uma realidade e que finalmente a nossa capital iria ser palco de um grande festival de cinema, existiu por parte de todos (comunicação, organização e público) uma euforia controlada, muito devido ao medo da não realização do mesmo. Todas as expectativas mais optimistas foram claramente superadas e o festival foi muito mais que uma mostra de cinema independente pois veio confirmar a existência de muito público interessado, provando que o S.Jorge é um dos pólos mais importantes da cultura na capital.

Foram dezenas de filmes que passaram pelas três salas do mítico cinema da Avenida da Liberdade. Documentários, ficções e animação, entre longas e curtas metragens, que deliciaram um público sedento de cinema novo de qualidade e que acedeu em massa ao chamamento da organização criando filas gigantes nas bilheteiras e suportando o ara abafado das salas que, devido ao seu precário estado de manutenção, não tinha o ar condicionado a funcionar, algo que foi ultrapassado nas sessões de abertura e encerramento (com cerca de 900 pessoas a assistir) através do arrefecimento manual disponibilizado pela organização em forma de leque de cartão.

Quanto aos filmes que pudémos assistir (infelizmente não foi possivel estar presente em mais sessões), a colheita foi positiva e, em alguns casos, surpreendente. Czech Dream, realizado por dois finalistas do curso de cinema de uma escola de Praga (Filip Remunda e Vít Klusák, que podem ver na imagem), foi uma das mais agradáveis surpresas. Aproveitando o hype em torno dos documentários trazido por Michael Moore, os dois checos decidiram criar uma divertida sátira sobre o consumismo, tendo para isso inventado uma nova rede de hipermercados que nunca passou de uma mera fachada no meio de um descampado. O objectivo era estudar o comportamento das pessoas, tendo sido criada toda a campanha publicitária e toda uma imagem daquela que seria a maior rede de hipermecados nacional, o verdadeiro “Sonho Checo”. No dia de inauguração, foram milhares de pessoas que estavam presentes no local e que, em vez de uma mega loja, encontraram apenas uma fachada de pano. O filme gerou uma incrível controvérsia na República Checa, a qual foi debatida posteriormente à exibição do filme com a presença da produtora.

Este contacto entre o público e os realizadores/produtores que a organização do festival disponibilizou, é também um factor a destacar pela positiva, principalmente no que diz respeito aos documentários que costumam levantar mais questões do que dar respostas.

A saga documental continuou com a exibição do vencedor da edição deste anos dos Óscares – The Fog Of War, uma incrível conversa de Errol Morris com o antigo Secretário da Defesa dos Estados Unidos da América, Robert S. McNamara, uma das figuras mais controversas e influentes da política mundial e que esteve directamente ligado a algumas das maiores crises bélicas da Terra do Tio Sam. Em formato de onze lições de vida, onde para além de ficar a conhecer alguns dos factos mais incómodos e vergonhosos da história americana, como por exemplo as razões quase fictícias que foram o mote para a guerra do Vietname, é-nos transmitida uma visão muito perturbante sobre a condição humana.

Uma das zonas geográficas mais em destaque neste festival foi sem sombra de dúvida a sul-americana. Temporada de patos de Fernando Eimbcke, foi um dos mais interessantes filmes que tivemos a oportunidade de assistir. Uma história banal, personagens ainda mais vulgares e uma mensagem límpida e pura que fez deste filme uma das mais agradáveis surpresas do festival. Uma mãe mexicana sai de casa num domingo qualquer e deixa os dois filhos sozinhos, ligados a uma X-Box e a litros de coca-cola. Surge depois uma vizinha que quer fazer um bolo e o homem das pizzas que recusa sair dali sem o dinheiro da encomenda. Os quatro passam o dia juntos e partilham as suas vidas, numa espécie de terapia de grupo, bastante interessante e reveladora.

Depois de muitas tentativas de trazer ao público alfacinha a obra de Johnnie To, um dos mais influentes realizadores asiáticos, finalmente tivémos a possibilidade de assistir ao seu mais recente trabalho – Breaking News- , um filme de acção quase hollywoodesco e satírico em relação ao trabalho das televisões. De volta à secção competitiva assitimos também a Whisky da dupla de realizadores do Uruguai, Juan Pablo Rebella / Pablo Stoll. Embora o argumento seja possivelmente do mais original presente neste festival, o filme fica um pouco àquem do esperado, principalmente devido ao seu desfecho. Mesmo assim, este filme vem provar uma das conclusões retiradas deste festival: O cinema feito na América do Sul está de muito boa saúde e recomenda-se.

Finalizando a nossa semana cinéfila, assistimos ao grande vencedor do prémio do júri – Le Monde Vivant de Eugene Green, um americano há muito tempo sediado em França. São necessários apenas dois adjectivos para caracterizar este filme: estranho e original. À primeira vista parece ser um tipo de “Ninja das Caldas” em francês, com um orçamento muito reduzido, actores que não parecem ser profissionais e um guarda-roupa que não existe. A história é no mínimo peculiar, senão vejamos: um homem anda no meio de uma floresta quando dá de caras com um outro homem que se denomina de “Cavaleiro de Leão” com uma espada no cinto e um “leão” (que não é mais que um cão que faz grunhidos de leão). Este diz que vai ter que matar um ogre para salvar uma princesa que está aprisionada numa torre. Penso que este início é bastante revelador da estranha história que é contada. Todo o filme é uma grande metáfora e é, sem dúvida, um grande exercício à nossa capacidade de interpretação e de imaginação. De todos os filmes que vimos, este é aquele que mais encaixa na designação deste festival – Independente. A magia do cinema também é essa: entreter, criar e com pouco fazer muito. Sem dúvida que a escolha do jurí foi acertada.

Já que falamos de prémios, aqui fica a lista dos filmes premiados:

Prémio de melhor fotografia para filme português: “A Cara que Mereces” de Miguel Gomes

Prémio da Critica/ Jornal Público: “A Cara que Mereces” de Miguel Gomes

Prémio do Público: “Alice et Moi” de Micha Wald

Prémio para melhor filme português: “Lisboetas” de Sérgio Tréfaut

Grande prémio de curta metragem: “Com qué la Lavaré” de Maria Trenór

Grande prémio de Longa Metragem: “Le Monde Vivant” de Eugéne Green

Em cerca de uma semana de festival, passaram pelo cinema S.Jorge mais de 11 mil pessoas, centenas de jornalistas e muitos realizadores. A edição de 2005 já está agendada e vai decorrer, se tudo correr bem nas obras do S.Jorge, no fim do mês de Março, aproveitando assim uma maior colheita de filmes. Nós esperamos lá estar mais uma vez e prometemos contar-vos tudo sobre a 2ª edição do IndieLisboa. Até lá, estão prometidas algumas surpresas por parte da Zero em Comportamento às quais nós iremos estar atentos.



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