IndieLisboa 2018|3 Longas-Metragens da Competição Internacional

IndieLisboa 2018| Longas-Metragens da Competição Internacional

“Person to Person”, “Pororoca” e “The Image You Missed”

Estão aqui juntas 3 longas-metragens que concorrem na Competição Internacional da edição deste ano do IndieLisboa porque muitos são os elemento que lhes são comuns. Formalmente, claro, são todos eles filmes independentes e com histórias muito diferentes mas que, em última instância, nos falam sobre vidas de pessoas e em pontos muito diferentes do globo – também em momentos muito distintos. Todos eles com linguagem própria mas reflectindo sobre as ligações estabelecidas entre pessoas, mostram através da janela dos seus mundos que o cinema representa essa macrounião aparentemente invisível mas afinal presente.

“Person to Person” abriu as hostes da Competição Internacional no primeiro dia do festival e traz-nos uma miríade de personagens que deambulam pela cidade de Nova Iorque actual e tem origem numa curta-metragem de 2014 com o mesmo nome. Pontilhada de estrelas que normalmente habitam o cinema de pendor indie, nomeadamente Michael Cera ou a estrela ascendente de “Broad City” Abbi Jacobson, trata-se de uma pelicula que mostra claramente como o realizador Dustin Guy Defa ama a sua cidade, como aliás o próprio fez questão de mencionar na apresentação do filme na primeira sessão de exibição, apesar da sensação estonteante provocada pelo jet lag. O que Dustin propõe é uma história simples de várias duplas de personagens a viver a sua vida ao longo de um dia na cidade, ora mostrando a investigação jornalística de um homicídio, ora focando-se nas peripécias de um coleccionador de discos na busca pelo seu raro Charlie Parker ou até mesmo na busca ansiosa de identidade sexual do grupo de adolescentes que se ama e odeia. A música e, especificamente, o jazz é uma constante e parece querer referir-se ou ligar-se à cidade antiga que vibrava nos clubes, na tradição dos grandes nomes daquele estilo musical. O realizador vai saltando de história em história sem que aquelas personagens se cheguem a cruzar ou interagir e mostra-nos as preocupações, por entre um humor acre e subtil, com que têm de se debater. O resultado é um pouco disperso mas interessante no modo como é retratada a cidade e em belíssimos planos de fim de tarde de outono que mostram precisamente o quanto o realizador presta homenagem à cidade.

Por outro lado, “Pororoca” é um poderoso filme romeno realizado por Constantin Popescu e que, apesar de a história parecer relativamente comum (sem com isto se lhe querer retirar a pertinência ou importância), revela-se um grande exercício de contenção e de mestria na realização. Minimalista no que toca aos meios e mesmo à quantidade de intervenientes na história, conta, contudo, com excelentes actores que transformam em quase realidade o drama de uma família que perde o rasto à filha num dia de brincadeira no parque. Ao longo de cerca de 2 horas e meia de filme, Popescu constrói de modo crescente um cenário muito perto da loucura e repleto de tensão e culpa, em que de repente toda a perfeição daquela família se desmorona. Ao mesmo tempo, conhecem-se alguns segredos que mostram que a perfeição pode apenas ser aparente, pormenores que subitamente deixam de ter importância perante um acontecimento muito maior. O protagonista, Tudor, entra numa espiral auto destrutiva, isolado do mundo e cada vez mais obcecado com a existência de um suspeito em particular. O modo como a imaginação prega partidas ou até o posicionamento da família no que toca à culpa tornam esta película num surpreendente, coerente e poderoso drama.

Num registo diferente, de cinema documental, “The Image You Missed” centra-se na busca que o cineasta Donal Foreman faz para perceber melhor um pai que sempre esteve ausente, o também realizador Arthur MacCaig. Donal dá início ao seu percurso no momento em que tem acesso ao espaço sagrado do pai, onde se incluía muito material inédito e, para Donal, quase um santuário onde pela primeira vez entra e é confrontado com um grau de intimidade a que nunca esteve exposto antes com o seu pai. Permanentemente em trabalho e obsessivamente focado no conflito da Irlanda do Norte, Arthur praticamente não conheceu o filho e só trocavam cartas, as mesmas que Donal faz questão de mostrar no filme. É uma viagem emocionante e profunda que mostra sobretudo a carreira do pai, como que remetendo para a omnipresença desse factor entre a vida de ambos. Trata-se também de uma descoberta emocionante sobre o começar a fazer filmes como modo de lidar com a ausência do pai e até mesmo algumas auto imagens perturbadoras, já que a câmara se tornou na companheira inseparável. Partindo da dor e simultaneamente do desejo de conhecer aquilo que lhe foi subtraído durante tanto tempo, Donal irá visitar alguns dos locais que o pai filmou, mostrando igualmente as fotografias que tirou e como o espaço actualmente se encontra. É simultaneamente uma viagem ao passado e um contraponto com a realidade actual em que Donal filma, as suas frustrações, as tentativas de criar uma linguagem própria e não ser apenas uma cópia do seu pai, fazendo a cobertura de eventos importantes. Donal não está interessado nesse percurso para si e “The Image You Missed” é um tocante documentário, muito íntimo, em que as tréguas da guerra são as tréguas por que o homem por trás da câmera tanto anseia. Realizador e realizado misturam-se, confundem-se, quem filma aparece na imagem por diversas vezes e a fronteira entre filme e realidade deixa de existir de forma obtusamente definida. Trata-se de um documentário que vai para além do documentário, é um tratado biográfico dos protagonistas e é um relato de vida, uma reflexão pessoal e a descoberta de um novo mundo sob a forma de película que ajuda a compor uma narrativa para onde antes apenas imagens difusas se encontravam.

 



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