“Irma Voth” | Miriam Toews
A saga de uma (quase) adolescente
Em 2007, o realizador mexicano Carlos Reygadas recebia o Ariel – o prémio máximo dado pela Academia Mexicana de Artes e Ciências Cinematográficas – pelo filme “Luz Silenciosa”. A acção decorria numa comunidade anabatista e contava a história de Johan, homem casado e com uma prole considerável, e a sua relação proibida com outra mulher, transgredindo todas as leis da sua religião e as práticas da comunidade a que pertencia. O papel de Esther, mulher de Johan, foi desempenhado por Miriam Toews – ela própria criada numa comunidade menonita – que, bebendo nesta experiência o licor da inspiração, escreveu o romance “Irma Voth”.
Irma parece ter uma nuvem negra a pairar sobre si. Banida pela família depois de se ter casado com um mexicano com fama de narco, vê este abandoná-la com a justificação de não ter sido uma boa mulher, deixando-lhe como consolo e companhia uma lanterna nova. Irma é uma quase adolescente de dezanove anos, criada numa comunidade religiosa do Canadá e, depois, nas montanhas da Sierra Madre. Os menonistas vivem como fantasmas, trabalhando como obscuros agricultores e vivendo fora do contexto da mundanidade. Depois da rejeição parental – do pai, diga-se em verdade -, Irma passa a viver numa casa abandonada, vendo a mãe e a irmã às escondidas do pai.
A sua vida ganha um novo fôlego quando uma equipa se instala na vizinhança para rodar um filme sobre a comunidade, contratando-a para trabalhar com o grupo na qualidade de intérprete da protagonista – uma actriz alemã que parece estar habitada por fantasmas vivos. Essa relação, com traços de grande intimidade, vai fazer com que Irma consiga olhar para a sua vida em forma de desafio, impulsionando-a a abraçar uma vida dedicada a aceitar o inesperado.
A escrita de Miriam Toews é de uma grande elegância, conciliando um humor refinado com fortes vagas de melancolia, desespero e saudade. A vida de Irma Voth é a saga de uma (quase) adolescente, obrigada a tornar-se adulta por vontade própria mas, também, por uma religião habitada pela intolerância. Nesta travessia, ao mesmo tempo que se fecha uma porta onde se deixa trancada a culpa, na incerteza de se esta conseguirá alguma vez voltar a brincar lá fora, abrem-se as portadas de uma janela com vista para a esperança. O futuro pode então começar.
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