Jameson Urban Routes | Parte 1
A gigante variedade de géneros que podíamos encontrar no cartaz do Jameson Urban Routes já se torna habitual de ano para ano, e uma das suas mais importantes singularidades. Daí que seja fácil de perceber a razão de não existir à venda um passe geral para o evento – não existe apenas um público-alvo deste festival, mas sim pelo menos meia dúzia. O festival de Outono, num Outono bem mais quente que os anos anteriores instalou-se no Musicbox e assim foi durante uma semana dividida por 13 sessões diferentes, com mais de 20 concertos.
As imensas pessoas que atenderam à chamada para o dia de abertura sabiam bem que estavam prestes a assistir a algo especial. No verão passado, o mundo ficou incrédulo com a morte de Prodigy, uma das maiores lendas do Hip-Hop e metade dos Mobb Deep. Havoc, a outra metade dessa dupla de Queens, decidiu celebrar a vida do amigo e partir numa tour, acompanhado de Big Noyd, rapper que também sempre esteve associado ao grupo. Exactamente por ser uma noite de celebração e de festa que DJ L.E.S, responsável pelos ritmos da dupla de MC’s, começou por aquecer com alguns dos maiores clássicos do género. E estávamos perante um público que ouvindo 2-Pac ou Wu-Tang-Clang começa logo a saltar, pelo que não foi missão difícil. Big Noyd veio puxar ainda mais, com alguns temas seus e depois convidar ao que toda a gente ansiava. “Are you ready for some Mobb Deep?”. Entre as dinâmicas que envolviam o público e o fazia gritar pelo nome da banda de Queens, entrou em palco Havoc. Mostrou o orgulho do seu bairro, metendo todos em uníssono a fazer ecoar Queensbridge, mas particularmente pelo seu amigo Prodigy, dedicando-lhe a maior parte dos temas enquanto ia oferecendo aquilo que os verdadeiros fãs queriam ouvir: um desfile por todos os clássicos da banda. “Ain’t no party like a Mobb Deep party, ‘cause a Mobb Deep party don’t stop.” Havia por ali quem tivesse as rimas todas na ponta da língua, celebrando a continuação do legado do grupo de Queens, Nova Iorque. «Shook Ones Pt.2», canção incontornável na evolução do Hip-Hop e que fechou o concerto provou isso mesmo. Todos se uniram a cantar aquelas rimas num ambiente que incutia respeito pela história que ali estávamos a assistir.
Para o dia seguinte, algo completamente diferente. Uma sessão dedicada à experimentação e à descoberta de novos sons. Para começar o cruzamento do stoner rock dos Black Bombaim com o free-jazz de Peter Brötzmann. Os barcelenses já não precisam de grandes apresentações. Bem habituados a tocar rodar os pequenos palcos portugueses com também bastante aventuras por lá fora – já estiverem em festivais de culto pela Europa (como é disso caso o Roadburn), Califórnia e Marrocos, e continuam a conquistar pessoas por onde passam. Nessas conquistas, surgiu o veterano do jazz alemão e com ele a oportunidade de gravar um disco em conjunto. O disco homónimo apareceu no ano passado e até esta altura apenas tinha existido uma oportunidade de o ver ao vivo. E durante pouco mais de uma hora a máquina bem oleada dos Black Bombaim criava o território para os improvisos e os desvaneios do saxofone de Brötzmann poderem passear à sua vontade, com sons que obrigavam a uma audição atenta por ser tão inesperada e desfasada do trio mas que depois se encontravam no headbanging. Com escalas que muitas vezes se confundiam com os berros da guitarra de Ricardo Miranda e inesperados, vimos ali uma colaboração invulgar e que não é em qualquer lado que se vê, especialmente quando se consegue rockar tanto com um saxofone.
Na segunda parte da sessão, o cabo-verdiano Marcus Veiga pegou em todo o que ouvia quando era mais jovem, fosse Metal, Punk ou Hip-Hop e juntou às suas origens e ao Funaná, nascendo assim a personagem Scúru Fitchádu. Apresentando-se em palco com mais dois músicos a ajudaram a criar ruído e paisagens negras, com uma electrónica bem pesada e crua, juntando elementos de rock, dub e lo-fi e Marcus tornava esta mistura em algo dançaável. Tudo nestas camadas vestia ali uma percussão que fez o MusicBox abanar bem as ancas, entre mensagens de intervenção ou agradecimentos aos bombeiros, “os heróis sem capa”. Pegou inclusive numa concertina, num encontro fugaz com progressões bem características do Funaná, que com a concertina fez lembrar de onde vinha apesar de, como confessou, nem se sente bem cabo-verdiano nem bem português, mas um resultado de uma longa lista de aventuras que viveu.
Fotografia por Ana Viotti – Jameson Urban Routes
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