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Jameson Urban Routes | Parte 2

O terceiro dia do Jameson Urban Routes arrancou com um cruzamento transatlântico. Primeiro os You Can’t Win Charlie Brown, sexteto que ali se apresentou com um baterista suplente e que continua a levar as dinâmicas e harmonias vocais a acompanharem Afonso Cabral que tão bem os singulariza, pintando o seu folk solarengo com uns toques de electrónica. «In the Light There is No Sun» é uma canção que espelha bem isso, atravessando vários ambientes, começando as palavras bem flutuantes de Afonso e que depois cai em momentos de dança que conseguem por toda a gente a bater o pé.

Para o fim, após uma rápida apresentação da banda, recebemos «Pro-Procastinator», a que será talvez a canção mais conhecida da banda e com devida justiça, com uma espetacular construção que mostra a facilidade da forma com que os portugueses tornam uma canção tão complexa e com tanta coisa a acontecer por ali em algo que parece tão natural. Vamos lá viajar, que os You Can’t Win Charlie Brown.

Depois, deixam-nos ansiosos pelo que iria acontecer a seguir, ao mostrar que eles próprios estavam ansiosos por aquilo.

Atravessámos então o Atlântico e vimos parar a São Paulo e por lá encontramos O Terno, com muita euforia do público. Era um regresso e, depois de terem lançado o tão aclamado “Melhor do que parece”, parecia que todos estavam ainda mais à sua espera. Venham eles!  Vestidas com as melodias e acordes brasileiros com o toque do psicadélico dos tempos modernos e uma data de influências do rock mais clássico, recebíamos aquelas canções sobre amores desencontrados e paisagens brasileiras que nos fazem pensar que Tim Bernardes, rosto principal dos paulistanos, já terá passado por muito. Ou isso ou então que é um óptimo contador de histórias e intérprete das personagens principais das mesmas.

Durante isso, a sua guitarra fazia o trabalho de todos os instrumentos que estão gravados no álbum e que de facto provava que o trio é suficiente para as canções, não fazendo grande falta mais ninguém. Enquanto os brasileiros iam mostrando que estavam mesmo felizes de estar ali, a falar das histórias que já tinham vivido pela Europa e como tiveram um vídeo de uma tour por cá gravado e editado por um amigo português. O público ia retribuindo, com aplausos calorosos e mostrando que sabia bem as canções e ajudando Bernardes nas palavras, particularmente em «Volta» e «Não Espero Mais». Este, quase nem conseguia acreditar no que estava a ver, ao ver a sala cantar muitas letras das suas canções, . “A gente veio do outro lado do Atlântico, vimos para esta sala e está isso acontecendo.” Quando uma banda faz música tão bonita, é natural que ela viaje mais longe.

E ao quarto-dia de Jameson Urban Routes, chegou o rock. Rock sem cerimónias, cru e duro. Por cá, não há melhor representante de tal que o “Good Boys” dos Stone Dead, disco lançado este ano mas que facilmente se poderia associar aos clássicos do rock de 70’s. Foi assim que o quarteto de Alcobaça abriu a noite e, ligando a distorção dos amplificadores, foram distribuindo canções que pareciam aqueles clássicos que estavam mesmo à espera de serem escritos.

As dinâmicas vocais entre João Branco e Bruno Monteiro, também ocupados pela guitarra e bateria, notavam uma grande preocupação e uma escrita que não é de todo desleixada, embora o façam parecer, não fosse isto rock n’ roll à antiga. Acima de tudo, via-se que a banda estava a divertir-se à grande e a fazer aquilo como se fosse a primeira vez que se tivessem juntado ali com uns amigos e a tocar umas malhas dos The Kinks ou dos The Who na garagem dos pais. Só que não, era mesmo Stone Dead que estávamos a ouvir, a assegurarem o legado do rock e a mostrar que este nunca há de perder a sua força.

Foi uma óptima maneira de abrir para o que vinha a seguir. Uma noite que já estava esgotada há alguns dias, por isso é natural que nas caras do público que visse alguma ânsia. A razão? Os Black Lips e o seu garage-rock. A impaciência do público era bem visível tal era o entusiasmo com que recebiam cada elemento do grupo que vinha ao palco acabar de montar ou afinar instrumentos e os três anos desde a última vez que nos visitaram, em Paredes de Coura, já andava a parecer uma eternidade. Mas tudo bem, andaram durante estes anos a trabalhar no seu mais recente “Satan’s Graffiti or God’s Art”, e ainda bem.

Nele conseguiram dar espaço à singularidade de todos os músicos, com tudo a convergir no que significa Black Lips, que se viu assim que Jared Swilley, baixista e um dos vocalistas principais, gritou pela primeira vez ao micro “One, Two, Three, Four!”, dando a contagem para todo o público entrar imediatamente em erupção com «Sea of Blasphemy», canção já com mais de 10 anos. Em palco, a turma que viajou de Atlanta, no estado da Georgia, apresentava-se com a ajuda da saxofonista Zumi Rosow, que parecia meia à parte daquele furacão com uma rara tranquilidade naquela sala, mas que dava àquele lo-fi melodias que o faziam um pouco menos cru. Entretanto, à medida que as canções foram caindo, o público não parava.

Com um mosh intenso e constante crowd-surfing, eram frequentes as ociasões que os próprios fãs subiam a palco, ora para saltarem imediatamente para a multidão, ora para se juntarem na voz, num microfone que ia estando vazio nas vezes em que Cole Alexander ia atrás. Entretanto, um festival de rolos de papel higiénico ia acontecendo pelo ar, atirado do público para banda e vice-versa. Tudo bem, era só para acrescentar um pouco de caos visual ao sonoro que já estava a acontecer. Muitas letras estavam ali bem sabidas, como foi o caso de «O Katrina!» ou da novíssima «Crystal Night», esta última a puxar para ritmos mais lentos, mas que eles sabiam bem como os fazer e os tornar saborosos. Foi momento em que todos se acalmaram e abraçaram a cantar. Sapatilhas iam voando, uma delas acertando mesmo em Swilley, mas está tudo bem. Apenas pede para não lhe acertarem na cara, porque partiu um dente na semana passada.

Pela tempestade que se viu no Musicbox e pelo estado em que ficou no fim, com tanto papel higiénico e lixo que se viu no rescaldo, não era de estranhar que se encontrassem um par de dentes no chão.

 



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