Je m’appelle hmmm

JE M’APPELLE HMMM

Agnès Troublé mostra-nos a importância dos planos fechados na ausência da linguagem falada, num filme que podia perfeitamente ser mudo.

É numa conversa de circunstância, que faz acompanhar a segunda refeição do dia de um grupo de camionistas, que o clapper dita o início do enredo. O ambiente parece descontraído, pois assim o percecionam os planos iniciais. Assistimos a cenas que se alternam entre o ambiente vivido em casa de Céline, a protagonista, e um camionista que segue em viagem por estradas que no final do filme se mostram sem saída. Falo-vos de “Je m’appelle hmmm”, o primeiro filme de Agnès Troublé e que está inserido na Competição Internacional de Longas-Metragens do IndieLisboa’14.

Céline tem 11 anos. Vive no seio de uma família que se prevê desconstruída. Uma mãe distante, dada a carga laboral, um pai desempregado, uma avó ingénua e puritana e dois irmãos cuja inocência não lhes permite estar a par do que se passa em redor. É necessário algum tempo para percebermos o que pode haver em comum entre Céline e um camionista cujo olhar suplanta solidão e abolia. Por outro lado, é imediata a visão sobre o tema central do plot: Céline ou hmmm, como mais tarde se faz apresentar, sofre de abusos sexuais do pai. Um pai que parece pacífico, mas que ao mesmo tempo transpira revolta e frustração.

Na protagonista vemos alguém com a idade trocada. Pela consciência e maturidade que transparece, através da forma preocupada com que encara as lides domésticas e, essencialmente, pela forma silenciosa com que guarda os abusos do próprio pai.

É durante uma visita de estudo que Céline e o camionista, que até então desconhecemos o nome, se cruzam na praia. As cenas em cadeia vão-nos dando conta de que este encontro ia acontecer. Tal como o desaparecimento da protagonista que se indicia quando esta escreve ‘’un jour je m’en iré’’ no antebraço esquerdo. Embora esta seja a primeira longa-metragem de Agnès Troublé, podemos desde logo perceber a importância que dá aos pormenores e aos simbolismos. Chego a pensar que estes acabam por fornecer mais informação à história do que os próprios diálogos. É possível desvendar parte do caracter das personagens através do olhar e dos gestos. Tal como a ação, que carregada de simbolismo, leva-nos a encontrar justificação para determinados porquês que inicialmente se apresentam sem resposta.

Inicialmente, Peter (o camionista) segue viagem sem saber que Céline o acompanha. Os diálogos entre os dois são poucos e os que existem vão sendo trocados entre o Inglês e o Francês. Vemos aqui o idioma como uma possível barreira. Mas não. De todo. Assistimos a uma encenação, que envolvida numa forte carga emocional, nos dá conta de tudo, mesmo sem que seja necessário falar muito. Vamos percebendo a existência de um sentimento de proteção que se vai criando à medida que o destino se encurta. Por trás desta viagem temos uma família que não sabe do paradeiro da filha. Porém, temos um pai que, consciente dos motivos que a levaram a fugir, transpira inquietude.

O óbvio remata o final da história: Peter é encontrado pela polícia com Céline. Os sentidos perdem-se. O camionista, que além de um camião conduzia um vazio interior, suicida-se assim que é acusado de ter abusado da menor. Céline dá de caras com o regresso à realidade. Restam um olhar triste e sombrio, que auxiliam o momento em que profere o seu nome pela última vez: Je m’appelle hmmm.

Uma história simples, mas que facilmente consegue captar a atenção do espectador. Graças à mistura de géneros que a envolvem; aos ínfimos pormenores capazes de substituir os diálogos; à encenação da protagonista, a pequena Lou-Lélia Demerliac, que soube exatamente como transformar em gestos, as palavras e os sentimentos; e, claro, à banda sonora que faz acompanhar os momentos mudos e que permite encher a ação com a dose de melancolia acertada.



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