Joana Jorge

O futuro da moda nacional em discurso directo na Rua de Baixo.

Joana Jorge é uma jovem licenciada portuguesa como tantas outras. Sem saber muito bem o que fazer depois do curso, e sentindo a necessidade de contactar com novas culturas e ideias, decidiu estagiar na Antuérpia e fazer um Mestrado em Londres.

No final deste percurso, foi convidada a mostrar o seu trabalho na iniciativa NokiaLab na ModaLisboa de 2004. Agora, encontra-se em Itália “para ganhar experiência”. Durante os poucos dias que esteve em Portugal, fomos conversar com ela e saber o que leva o “futuro de um país” a abandoná-lo e o que poderemos esperar nos próximos tempos dela.

RDB – Qual a tua formação?

Joana Jorge –
Eu fiz a licenciatura em Design de Moda na Faculdade de Arquitectura de Lisboa, mas já sabia que queria trabalhar nesta área há mais tempo. Comecei a fazer pequenas coisas ao longo do curso sempre com o objectivo de ir melhorando o meu trabalho, participando nuns concursos, ou fazendo figurinos. No final do curso estava sem saber muito bem o que fazer em seguida porque em Portugal há pequenos ateliers e coisas em pequena escala onde não é fácil entrar e onde não aprendes como uma empresa trabalha porque não têm uma grande escala e depois há as empresas mais “sérias”, de confecção… Foi quando decidir ir para a Antuérpia onde estagiei seis meses. Quando voltei a Portugal, concorri a um Mestrado em Londres e a bolsas da Gulbenkian porque também sentia uma necessidade teórica que não me tinham dado em Portugal.

Em Julho acabei o Mestrado e depois fui para Itália onde estou a fazer vestidos para “meninas bem-comportadas”, o que não é bem o meu estilo, porque até agora tinha feito coisas mais descomprometidas. Espero que me ajude a arranjar um trabalho melhor depois em Londres, que é onde me identifico mais. É a tal coisa, as pessoas ligam muito à experiência que tu tens, e eu não tenho dois anos de experiência em lado nenhum.

RDB – Se não tivesses ido para fora fazer um mestrado, achas que havia hipóteses de conseguires vingar no teu País?
Joana Jorge – Acho que o mercado é muito difícil, mas que há hipóteses e pessoas a fazer coisas. Eu quero voltar, mesmo sem saber para fazer o quê, mas acho que há espaço para novos designers em Portugal, mas o facto das pessoas virem com experiências lá de fora traz novas ideias, como os gabinetes de tendências ou do género de consultadoria que cá não há assim tanto. Mas acho que tu não consegues viver e fazer dinheiro “real” apenas com a moda na escala do nosso país.

É difícil vender roupa no estrangeiro, ou vencer no estrangeiro. Para vingar tens de ser capaz de perceber que nicho de mercado queres atingir; pensar mesmo no que existe para seres capaz de vingar, porque nós temos um mercado bastante conservador e tens de alterar o teu trabalho em função dele para resultar. Cada vez mais em moda há pessoas que trabalham para mercados muito específicos. Ou então trabalhas para a HM e para a Zara e fazes imenso dinheiro

RDB – Como surgiu a oportunidade de participares no NokiaLab na ModaLisboa de 2004?
Joana Jorge – Aconteceu porque eu mostrei o meu trabalho a dois professores – Mário Matos Ribeiro e Eduarda Abondanza – da licenciatura na faculdade de arquitectura quando acabei o mestrado em Londres. Eles gostaram do que viram e convidaram-me para participar. E o que mostrei lá foi o trabalho que fui fazendo ao longo do mestrado. Tem muitas peças desse projecto da faculdade e depois acrescentei mais algumas.

Que mais-valias te trouxe essa participação? Além da satisfação natural de veres as tuas peças a desfilar na ModaLisboa…

Joana Jorge – Essa parte foi muito importante. Eu valorizo muito esse projecto, acho a ModaLisboa muito importante e gostei muito de ser convidada, mas não aconteceu assim muita coisa… certas pessoas vieram falar, o que é sempre simpático, mas acho que cada vez menos as coisas “acontecem”. Eu gostava de mostrar colecções e desenvolver a minha própria linha, porque eu trabalho em moda porque gosto muito como a moda chega às pessoas, acho que aquilo que compras vem dizer aquilo que tu és.

RDB – Mas estares neste momento a trabalhar numa coisa com que acabas por não te identificar não te restringe essa vontade?

Joana Jorge – Sim, mas a certa altura esta experiência há-de ser útil. Para trabalhares em qualquer área precisas de ter experiência, de trabalhar muito. Quero trabalhar ideias diferentes, em escalas diferentes, para saber as coisas boas e más do meio. Por outro lado, é verdade que quando trabalhas para outras pessoas deixas de fazer as coisas em que acreditas mesmo.

RDB – O que fazes para contrariar isso?

Joana Jorge – Continuo a desenhar as minhas coisas. Eu durante o trabalho faço aquilo que me é pedido, mas continuo a pensar nas minhas peças. É estranho teres na cabeça a ideia de que vais fazer coisas comerciais, para vender e as pessoas usarem. E essa luta é engraçada em termos de moda.

RDB – Quando desenhas é para ti, ou para os outros?

Joana Jorge – Sempre para os outros (risos). Eu não uso aquilo que faço. Faz-me impressão.

RDB – E se estivesses no lugar de consumidor anónimo, usavas a tua roupa?

Joana Jorge – Sim, claramente. Porque eu tento sempre arranjar uma história. Esta colecção toda que fiz foi sobre memória, sobre o passado, sobre o meu próprio álbum de família, sobre tentar saber porque nos agarramos aos nossos objectos. Depois eu olho para uma peça que tu achas relativamente normal e vejo a história toda. E isso faz-me impressão. Sinto-me demasiado consciente de mim própria.

RDB – Quais as tuas influências na moda? O que é que te inspira?

Joana Jorge – Além de toda a história, em termos de moda, tento identificar-me com certos designers para tentar fazer algo de novo e tentar chegar a uma linguagem mais única. Gosto muito do trabalho japonês em geral, porque são mais experimentais e toda a herança que têm em termos de coisas formais é completamente diferente da nossa. Agora há uma marca japonesa chamada Undercover que tem umas linhas interessantes.

A maior parte das pessoas que gosto são muito experimentais. É uma coisa mais estética do que funcional.

RDB – O que achas mais importante? Funcionalidade ou estética?

Joana Jorge –Eu acho que as duas coisas estão juntas.

RDB – Mas é difícil por vezes conciliá-las.

Joana Jorge –É difícil sim, mas… eu não acredito em alta-costura. Mas há trabalhos que, podendo parecer que não são funcionais à primeira vista, o que se passa é que as pessoas não estão preparadas para a sua estética, mas a funcionalidade está lá. Mas para ser vista depende da mentalidade de cada um…

Acho que a função é importante. Mas também temos todos de pensar em dinheiro e há toda uma série de restrições sociais que influenciam o processo de compra.

RDB – Achas que se veste mal em Portugal?

Joana Jorge –Acho que sim. Mas acho que não tem a ver com roupa. Tem a ver com cultura, porque temos poucos conhecimentos artísticos e estéticos. Por exemplo, em termos musicais, poucos têm a sorte de aprender a tocar um instrumento. E isso depois tem influência em vários aspectos. A arquitectura é um exemplo; acho que em Portugal se faz muito má arquitectura.

Um exemplo berrante é que os homens em Inglaterra vestem-se bastante bem, ao contrário dos portugueses. Ainda somos muito fechados, e não usamos cor. Assusta-me as pessoas estarem tão presas em termos de estética em geral.

RDB – Dentro do panorama nacional da moda, o que é que achas que podem vir a ser as novas apostas?

Joana Jorge –Não sei… Gosto do trabalho dos Storytailors, da Alexandra Moura, que admiro bastante e acho que faz uma boa ponte entre o lado comercial e a inovação.

Eu acho que há pessoas que já estão mais ou menos institucionalizadas e que têm, obviamente, mérito. E acho que há pessoas novas que têm vindo a desenvolver projectos, mas acho que é difícil para alguém começar e vingar no mercado nacional. Eu noto muito novos mercados agora a surgir, como Mundo-Mix, onde se dão a conhecer pessoas novas e isso é um óptima forma de chegar ao público. Por outro lado, como temos uma escala tão pequena, que te obriga a fazer e a vender, não te deixa pensar numa colecção maior, com uma linguagem mais definida.

RDB – Podemos esperar ver uma colecção desenhada por ti e ser comercializada em teu nome?

Joana Jorge –Não sei, sinceramente. Eu adoro o que faço, mas não sei se lançar-me em nome próprio é algo que queira… se calhar é mais fácil trabalhar sob a alçada de alguém.



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