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[Joana] mora na Filosofia #4

Falar é humano. Perdão, falhar é humano.

O erro, o falhanço – uma espécie de lepra dos tempos modernos em que é suposto estarmos todos focados no sucesso e no empreendedorismo (aka bater punho). Palavras malditas para quem se alimenta de vídeos inspiracionais que têm como pano de fundo o mar a bater nas rochas e os passarinhos a chilrear, onde só há pessoas bonitas (sem rugas, sem olheiras, bem penteadas) e frases motivacionais, que terminam com a assinatura de figuras mais ou menos conhecidas.

Algures nas últimas décadas do séc. XIX surge um movimento cultural denominado de realismo, no qual muitos de nós se deviam banhar, várias vezes ao dia: os empreendedores que nunca falharam na vida e aqueles que acham que estão condenados ao falhanço. «Nem tanto ao mar, nem tanto à terra», já diz o povo – e há muito de filosófico nisso, digo eu.

Na aldeia Filosofia, como devem imaginar, em cada rua há uma corrente de pensamento, em cada porta há um pensador que não hesita em dar a conhecer o seu olhar sobre a vida. E sobre o sucesso e o falhanço, por exemplo. Outros há que nem precisam de dissertar sobre estes “dois lados da mesma moeda” e têm toda uma vida que fala por si.

Tenho para mim que um dos grandes falhanços da história da filosofia começa com a morte de Sócrates: o rapaz tinha pedido um gin com mirtilos – tenho a certeza. Mas enfim, lá lhe calhou um “delicioso” copo de cicuta. Consta que tinha um sabor que era de morrer e chorar por mais.

Já Sartre era, devido a todo um estrabismo (filosófico) capaz de visualizar o ser e o nada – ao mesmo tempo. Talvez por isso a sua obra tenha sido incompreendida – talvez ainda seja. Ser ou não ser ainda continua a ser – uma questão hamletiana, e não só.

Voltemos ao empreendedorismo. E ao sucesso do falhanço. Tenho por hábito dizer, nas comunicações que o empreendedorismo encerra em si a palavra dor. E que isso pode efectivamente doer – na alma, sobretudo. Empreender parece estar na moda e parece ser a solução para todos os nossos problemas – o da falta de dinheiro, o da falta de emprego, o da falta de felicidade, o da falta de ser. Basta bater punho, diz o outro senhor. Mas se assim fosse, bastaria a inscrição num daqueles cursos de empreendedorismo que certificam que nós somos capazes de, ora bem, empreender, para que todos os nossos problemas se resolvessem. Acontece que o realismo acaba por nos bater à porta (bom, às vezes dá-nos com a porta na cara) e vemos muitos projectos a falhar, a não ter sucesso. O que fazer? Há um manual de instruções para isto? A haver, eu não tenho. Todavia, cultivo o espírito aberto a quem possa e queira fal(h)ar sobre isso: sobre o erro, as tentativas, o falhanço – e até do empreendedorismo que, como em tudo na vida, na dose certa não prejudica ninguém nem intoxica a vida com falsas esperanças.

 

Texto de Joana Rita Sousa

Ilustração de Ruaz

 

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