Jorge Caiado
Atravessando o Atlântico.
Os talentos de Jorge Caiado não dão para grandes hooks publicitários. Não tem um visual excêntrico, uma história de origem mirabolante ou uma modinha associada. É, simplesmente, um tipo que passa música. Mas nisso é dos melhores em Portugal, como quem já teve o prazer de assistir a um set do próprio pode confirmar: dotes técnicos impecáveis, selecção coerente, um bom sentido de público sem entrar em populismos baratos (não que o tipo de público para que costuma tocar o exigisse). O sentido de foco e disciplina, a capacidade de fazer muito a partir de bases simples mas sólidas, são as grandes mais-valias de Caiado enquanto DJ – e, pelo que já se ouviu,o mesmo não teve grandes dificuldades em transferir essas vantagens do deejaying para a produção. Com um disco prestes a sair, a RDB entrevistou Caiado acerca dos seus projectos, das suas influências e do que acha do cenário electrónico português actual.
O que te levou a ser DJ?
A minha próxima relação com a música, que sempre tive e que com o passar do tempo foi se intensificando. Comecei desde cedo por ser um digger sem me aperceber muito disso e rapidamente passei para fase de querer mostrar aquilo que encontrava e gostava às pessoas. Acabou por ser um passo lógico e natural sem grandes floreados!
Como surgiu a colaboração com a Balance, editora da lenda de House Chez Damier?
A colaboração com a Balance surge de forma espontânea. Em Dezembro de 2010 convidei o Chez Damier para tocar comigo no antigo Trintaeum no Porto. Conhecemos-nos lá, e após o meu warm-up o Anthony (Chez Damier) veio-me perguntar qual o último tema que eu tinha tocado, que por sinal tinha sido um tema meu! Ainda durante o set dele ele tocou alguns temas que tinha num CD meu e no fim da noite ficamos umas horas a conversar. Foi assim que tudo começou, daí pra frente a música irá falar por si.
O que podemos esperar do disco?
Do meu primeiro disco de originais podem esperar um trabalho bem transparente a mim e à minha evolução enquanto produtor. São quatro temas de House onde três deles surgem de projectos bem antigos, aliás dos primeiros que fiz, e um mais recente. Os antigos levaram uma “roupagem” nova, pois depois de haver interesse neles decidi voltar a misturá-los com mais cuidado e já com um conhecimento maior do que tinha na altura que os fiz. Gosto de ver o disco divido em dois, onde de um lado existe uma presença mais forte de influências norte-americanas e do outro mais europeias. No lado A vão encontrar «Bodiee» e «Beyond The Altantic», dois temas bem profundos sendo um bastante melódico e paisagístico e o outro mais físico e intenso. No lado B têm o lado mais “frio” europeu, onde podem ouvir «My Life» e «Make Sure». Acho que é um disco com um cariz bem introspectivo mas muito intenso e em alguns temas bem físico! O nome do EP, “Beyond The Atlantic”, é em homenagem ao meu já falecido avô que desde pequeno insistia em afirmar que um dia eu iria bem longe, iria “atravessar o atlântico!”.
Mencionas o J. Dilla como influência; existem produtores de Hip-Hop actuais que te inspiram?
Sim, o Madlib felizmente ainda dá uns toques (risos)! Para além dele existem produtores a fazerem coisas muito interessantes, assim de repente lembro-me de exemplos como o Onra, Ty, Andres, Hulk Hodn & Hubert Daviz, Leksa, etc.
Como alguém que actua bastante em ambas as cidades, o que achas do cenário clubístico em Lisboa e no Porto?
Acho que há coisas interessantes a acontecer em ambas, embora sinta dois aspectos que acabam por ser óbvios e com consequências directas: Lisboa é uma cidade muito mais activa do que o Porto, não só a nível cultural mas como capital, “dorme menos horas” que qualquer outra cidade em Portugal. Isto faz com que as pessoas acabem por sair com uma predisposição um pouco diferente. É algo que se sente em qualquer capital europeia e que, em menor escala, também se sente em Lisboa. Isso resulta numa abertura mental das pessoas que, mesmo às vezes não identificando as músicas, sentem-se bem e tentam absorver o que estão a ouvir. As pessoas assim acabam por aproveitar cada segundo de diversão e lazer que estão a ter. O segundo ponto é um aspecto estatístico e Lisboa tem não só mais população do que o Porto como recebe muitos mais turistas. Isto faz com que haja mais público com interesse, mesmo para as estéticas mais obscuras ou experimentais.
Conclusão: embora acho que se consiga divertir claramente em ambas as cidades, como artista sinto em Lisboa um à-vontade maior para poder arriscar nas escolhas que pretendo mostrar às pessoas. Sinto isso com mais nitidez quando toco fora de Lisboa e o processo de “fazer a mala” é sempre mais cauteloso que o normal!
Tem havido um dilúvio de Deep House nos últimos anos. Achas que se corre o risco de saturar o público?
Acho um pouco difícil isso acontecer porque no fim do dia continuo com a ideia de que não há muitas pessoas a saberem bem o que estão a ouvir e isso nota-se muito bem exactamente no House e em todas as suas variantes. Durante muitos anos o House teve sempre uma má conotação (normalmente comercial, os DJs optavam por dizer que tocavam Electro, Minimal, Techno, mas nunca House) logo o Deep House veio para tentar combater essa má fama, só que não o fez da melhor forma porque a maior parte das coisas que catalogam hoje nas lojas (principalmente as digitais) como Deep House às vezes para mim nem House é. Logo é uma questão de etiquetas e rótulos e isso faz com que a música acabe por “falar” mais alto. Quem gosta de tocar House vai continuar a fazê-lo (seja Deep, seja clássico, seja progressivo, etc) e o público conforme a maré irá dizer que aquilo é uma coisa ou outra, logo a única coisa que poderá saturar é a etiqueta que é “vendida” e não a verdadeira música que está antes dos catálogos.
Quem são, na tua opinião, os melhores DJs a trabalhar em Portugal de momento?
Na minha opinião, Portugal até não está mal servido de bons DJs e isso nota-se muito quando se ouvem sessões de internacionais cá. O que nos limita sem dúvida é o público que não nos deixa avançar ao ritmo que é feito lá fora. Mas desculpas à parte, continuo a gostar muito de ouvir aqueles que me influenciaram aqui desde o ínicio e que continuam em boa forma como é o caso do Rui Vargas, Zé Salvador, André Cascais, Tozé Diogo, Rui Murka, Kaspar, Tiago Marques, Vahagn e a comitiva nortenha António Alves, Gonçalo Costa e Francisco Coelho. Para além destes existe obviamente malta muito boa e com imenso potencial; apenas destaquei aqueles que me influenciaram desde o início e ainda me fazem mexer para ir aos clubes ouvi-los.
Oiçam e façam download da mixtape exclusiva para a RDB aqui.
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