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Quintela Kino

Esmero em fotografia, desvelo em realização.

Jorge Quintela é director de fotografia e, em 2010, estreou-se como realizador levando as curtas-metragens “Ausstieg” e “O Amor é a Solução para a Falta de Argumento” (2011) a vários festivais de cinema nacionais e internacionais. Procura, no âmbito da realização, o lado instintivo e intuitivo das imagens deixando que a construção dos seus filmes surja de uma forma espontânea. Apesar disso, salientemos a direcção de fotografia, função para a qual é altamente requisitado e desempenha com diligência. Depressa ficamos a saber desse facto porque quando estamos em grupo e falam sobre ele ouvimos: “O Quintela? Excelente em fotografia”.

Natural do Porto, estudou Cinema na ESAP mas antes de ter percebido qual era o seu caminho fez uma breve passagem por Engenharia Electrotécnica, onde rapidamente compreendeu que tinha que fazer algo de que realmente gostasse. É ponderado, comedido e cordial e usa sempre uma barba firme e um blazer que lhe conferem um ar simpático e particular. Tem estado a trabalhar numa série de filmes de bolso criada a partir de circunstâncias naturais e instintivas, características que procura vincular ao seu trabalho individual.

Realizou o documentário “On the Road to Femina”, dirigiu a fotografia de “Arca D´Água” de André Gil Mata, de “Mazagão, A Água que Volta” de Ricardo Leite, de “Golias” e “Estrada de Palha” de Rodrigo Areias, com quem trabalha na produtora Bando à Parte.

A sua curta “Ausstieg” ganhou Menção Honrosa na Competição Experimental do Festival Curtas de Vila do Conde 2010, e foi filmada em Berlim, cidade onde vai frequentemente visitar amigos e fazer a pós-produção de filmes.

Recebeste uma Menção Honrosa com “Ausstieg”. De que tratava o filme?

O filme surgiu de acordo com uma linha que tenho vindo a desenvolver que são filmes de bolso. São consequência de um processo que adoptei, que consiste em trazer as minhas imagens de arquivo para construir, a posteriori, uma narrativa ficcional. Obedecem a uma linguagem muito específica na qual existem apenas dois princípios básicos: um ou dois planos e ausência de intervenção no espaço e na acção, para permitir que os momentos do filme aconteçam de forma natural. Iniciei esta série em 2010. No caso do “Ausstieg”, foi uma viagem de comboio que fiz em Berlim para a qual criei uma ficção que se enquadrasse. Procuro o lado instintivo das minhas imagens e adapto a narrativa. Depois de ter a ideia, o Pedro Bastos, pessoa com quem trabalho, cria o texto e eu encaixo-o nas imagens. O “Ausstieg” é uma metáfora da frágil relação entre Portugal e a Europa, a qual está personificada nas duas “personagens” que se encontram no filme.

Começaste na fotografia. Qual foi o teu percurso?

O meu percurso e a minha aproximação ao cinema têm a ver com o meu pai porque ia ao cinema muitas vezes com ele. Ele levou-me a ver alguns filmes fora da linha comercial, então acabei por ter referências cedo. Desde a adolescência que senti uma grande paixão pela fotografia, mas na altura dedicava-me apenas como hobby. Quando acabei o secundário estive algum tempo a decidir para onde é que ia. Estive três meses na faculdade de Engenharia do Porto, em Electrotécnica, e saí quando percebi que tinha que fazer algo que gostasse. Sempre tive a consciência de que me agradava o cinema, e a parte da imagem, e a base que procurei foi a fotografia. Estudei na ESAP e durante o curso tive a oportunidade de estagiar num filme do Saguenail, um realizador francês que está em Portugal há muitos anos. Depois, no final do curso, trabalhei numa longa-metragem com o Paulo Rocha, em que fui assistente de imagem. Na faculdade trabalhei em projectos de colegas e amigos, o que me permitiu fazer os meus primeiros filmes como director de fotografia. Hoje em dia desempenho sobretudo essa função. A realizar estreei-me apenas em 2010. Foi algo espontâneo. Surgiu.

Trabalhas sobretudo como director de fotografia e com detalhes técnicos próprios dessa função. Como foi o salto para a realização? Como viste a transposição desse trabalho que já fazias para um trabalho com mais responsabilidade técnica e criativa?

Eu tenho um enorme prazer em trabalhar como director de fotografia e concordo que a realização exige uma maior responsabilidade criativa. No entanto, considero o trabalho como director de fotografia mais dependente do conhecimento da técnica cinematográfica. Talvez por isso, neste momento, tenho procurado uma forma de criação mais livre e desprendida desses detalhes técnicos e ao realizar posso-me permitir a esse despojamento.

A produção dos filmes em que trabalhas é sempre realizada em Portugal?

A maior parte das produções nasce em Portugal, no entanto algumas são transpostas, parcialmente, para fora do país, nomeadamente para Berlim. Visito a cidade com frequência porque tenho amigos lá a viver e também devido à pós-produção de imagem porque efectivamente compensa. Os preços são significativamente mais baixos do que cá. Vou principalmente com a produtora Bando à Parte, à qual estou ligado.

Fala-me um bocado de “O Amor é a Solução para a Falta de Argumento”.

O filme surgiu da necessidade de construir algo a partir de uma base espontânea e natural e também de experimentar trabalhar a direcção de actores. A certa altura decidi que queria criar uma ficção, com poucos actores e com o mínimo de produção possível. Por ter um escritório num espaço onde várias companhias de teatro estão instaladas, o contacto com vários actores que admiro é-me facilitado e quis apostar nessa vertente. Seriam no máximo dois dias de filmagem, com um ou dois décors. Essas foram as premissas com que parti para este filme. Depois o Pedro Bastos escreveu o argumento, o qual eu decidi não questionar. Claro que se questiona posteriormente na montagem, contudo partiu desse exercício de transposição. Ele é uma pessoa que escreve textos de carácter mais literário, mas tem adaptado a sua escrita ao formato de argumento. Decidi seguir em frente. O título do filme, “O Amor é a Solução para a Falta de Argumento”, é o título do argumento original, que até foi um bocadinho discutido por ser um pouco longo. E porque o título do argumento não tem necessariamente que ser com o título do filme, mas por um lado porque tinha esse lado instintivo, que foi assim que nasceu o argumento, e por isso achei que o deveria manter. Em suma, foi uma defesa daquilo que eu tenho vindo a trabalhar e a reservar que é o lado instintivo e intuitivo das coisas. Faz todo o sentido no filme e é parte integrante do filme. Encaro o filme como dependente do título; funciona como um todo, não é um acréscimo, faz parte da construção do mesmo.

E o equipamento?

O equipamento foi muito simples. No “Ausstieg” foi uma Handycam Mini DV, uma câmara que me acompanhou na viagem por ser pequena e simples. Fui sempre muito desprendido, se calhar por ter acesso a material caro que se utiliza nas rodagens normais, como as 35 ou 16mm, material caríssimo. Ganhei um certo afecto pelo material que eu considero electrodoméstico quase. A câmara que utilizei para gravar o documentário “On the Road to Femina” foi o Rodrigo Areias que me emprestou, com a qual já tinha trabalhado várias vezes, uma Panasonic DV, que hoje em dia é obsoleta, mas por ser robusta e prática era o ideal para registo documental. Este último filme foi gravado com uma câmara que comprei, uma Canon 7D. Comprei no sentido de ter uma câmara pequena que possa utilizar para as minhas coisas. Obviamente sei que é diferente, não posso comparar. Aliás, não são comparáveis. Cada suporte tem as suas características, boas e más. Devemos estar conscientes do que cada suporte nos traz e tirar proveito disso. A Super 8, por exemplo, sempre foi um suporte que eu gostei e também uso frequentemente para uma espécie de cine-diários quando viajo. Aliás, até considero que me estou a tornar cada vez mais despojado tecnicamente o que não é necessariamente bom, pelo menos para o meu trabalho, para os outros não.

Tecnicamente preferes o material dito antigo?

Obviamente que tenho um fascínio pela película e pelo filme, que não considero antigo, apesar de hoje em dia grande parte dos profissionais utilizar o formato digital. O filme ”Estrada de Palha” foi filmado em digital, mas o “Corrente” foi com 16mm e o “Golias” em Super 8. Já o “Arca D´Água”, de André Gil Mata, foi em Super 16.

Naturalmente tenho um lado afectuoso com a película, mas não acho que existam suportes melhores ou piores. Também já fiz um filme com uma câmara de vigilância. A técnica está sempre ao serviço da ideia e não devemos cair no erro que o equipamento xpto é que irá fazer do objecto que tu criaste melhor ou pior, às vezes até pode ser mau e torná-lo demasiado limpo, se for essa a intenção tudo bem, mas se não for importante para o filme ou se não servir o filme, não se deve usar.

Tens projectos para uma longa-metragem?

Não. Consciente da produção que é necessária, consciente, por exemplo, que não iria poder pagar a ninguém porque não tinha orçamento para “O Amor é a Solução para a Falta de Argumento”, não posso pensar numa longa-metragem. Portanto, eu de momento não tenho projectos para um filme dessa dimensão. Gostava, mas não vejo essa hipótese tão cedo. Não a excluo totalmente, claro. Realizar uma longa-metragem implica muito tempo de preparação e, obviamente, financiamento para a produzir.

Berlim poderá ajudar-te?

É uma cidade com uma oferta cultural muito grande, com muitas distribuidoras, aparenta ser fácil, mas não é. Há que criar laços e contactos com os próprios patamares de produção que Berlim tem. Seria uma hipótese investir nisso, mas para já eu acredito que passa mais por outro continente.

América do Sul? Brasil?

Sim. Uma das cinematografias a que tenho estado especialmente atento é à do Brasil; na medida em que eles são mais livres no âmbito da linguagem, de questões de formatação e referenciais, por produzirem muito e há muito tempo. E é esse lado mais livre que me fascina no Brasil. Digo isto porque tenho algumas referências. Trabalhei lá em duas produções. Uma delas é um documentário com produção de raiz de cá que vai estrear agora em breve, chama-se “Mazagão, A Água Que Volta”. A história do documentário é simples: é uma cidade em Marrocos que albergou uma das últimas fortalezas portuguesas e, na altura, com o declínio da presença portuguesa em Marrocos, a coroa portuguesa enviou toda a população para a Amazónia por causa das invasões holandesas para proteger a colónia brasileira. É um filme do Ricardo Leite, em que eu fiz a fotografia. O documentário foi filmado no estado do Amapá, no início da Amazónia e depois fomos para dentro da Amazónia.

Há dois anos trabalhei também numa curta-metragem como assistente de imagem de Maria Clara Escobar, que foi filmada em Santos, no estado de São Paulo.

Estive no Rio de Janeiro e percebi de que forma poderia mais tarde vir a trabalhar lá. A minha estadia no Brasil fez-me perceber que a produção de cinema brasileiro é muito diferente da produção de cinema em Portugal.

Em que sentido achas que Portugal é diferente? Como encaras o cinema em Portugal?

Portugal é diferente porque a produção é muito menor e como consequência as pessoas têm mais medo de arriscar, no entanto, apesar do número reduzido de filmes produzidos anualmente temos tido uma enorme aceitação em importantes festivais internacionais.



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