Julie & The Carjackers
"Neste disco há muitas músicas sobre amor que acabam por não correr nada bem".
Poucas horas depois dos Julie & The Carjackers terem actuado no Vodafone Mexefest, publicamos uma espécie de entrevista que tivemos com João Correia, uma das caras-metade do projecto. Isto porque a entrevista acabou por ser feita por e-mail, já que com tanto concerto e preparação tornou-se muito complicado que o acontecimento pudesse ser de outra forma.
Com a edição de “Parasol”, um disco produzido com régua e esquadro e que nos traz o rock e folk envoltos num clima tropical, a banda promete tornar-se num caso de popularidade muito sério em terras lusas. E bem o merece, já que “Parasol” é na verdade um grande disco, de compra obrigatória.
Segundo reza a história, pelo menos de acordo com a corrente defendida por ti, o nome “Julie & The Carjackers” surgiu “em Agosto de 2009, num pequeno restaurante algures entre Queijas e Queluz de Baixo, entre douradas grelhadas, vinho da casa e Licor Beirão”. Quem é a Julie e esta quadrilha de assaltantes? Ou, trocando por miúdos, que raio de nome é este?
Foi um nome que demorou muito pouco tempo a escolher, talvez o espaço de tempo entre pedir o tal Licor Beirão e molhar os lábios.
Na altura a minha ideia e do Bruno era apenas gravar algumas canções Folk em minha casa. O Bruno queria uma banda com um nome de rapariga. Eu tinha escrito uma música chamada «Julie» no dia anterior e mandei essa sugestão para o ar, ele gostou. Pensámos também numa onda meio Bonnie & Clyde… surgiu Julie & The Carjackers e pronto. “Ok, está feito, pede a conta e vamos escolher sete músicas e gravar uma demo”. E assim foi.
De onde surgiu a “brasileiridade” e o tropicalismo da vossa música? Em “Parasol”, os ecos da bossa nova, o barulho das ondas e o ronronar da máquina de gelo a sonhar com caipirinhas são uma constante.
Ouvimos os dois muita música brasileira. É uma influência que se nota muito no disco. Para além do rock e folk também quisemos experimentar muitas influências tropicais e exóticas. Isto porque as músicas que escolhemos para o disco pediam arranjos diferentes do que fazíamos antes.
Aborrecemo-nos rapidamente do que fazemos. Aos poucos fomos percebendo que a melhor maneira de trabalharmos juntos é gravar cada música com o tipo de arranjo que ela pede e tentar sempre procurar o ambiente que melhor serve a música e letra. Várias das músicas de “Parasol” pediam algo mais tropical e decidimos ir por aí e acabar por usar outro tipo de instrumentos e ambientes.
Este parece ter sido um disco esculpido à lupa, seguindo à risca um plano prévio para que cada nota, cada instrumento, cada gesto aparecesse num lugar há muito determinado. Até que ponto vos assolou esta (saudável) obsessão durante as gravações do disco?
Começámos a gravar o disco há um ano e ia ser algo completamente diferente. Felizmente o nosso plano de editar o disco em Março falhou e tivemos de aceitar essa falha e esperar uns meses. Isso deu-nos tempo para fazer um disco mais pensado e não apenas juntar 10 ou 12 músicas que não iam sobreviver mais de quatro meses sem o Bruno e eu estarmos completamente fartos delas.
Tive mais tempo para pensar nas letras e juntá-las todas com calma. Tivemos tempo para pensar nos arranjos para cada música e o Bruno teve tempo para os escrever. Queríamos um disco muito variado. Um disco que desse gozo a escrever, gravar e tocar ao vivo. E era importante que cada história tivesse uma “banda sonora” diferente da anterior, caso contrário quase que sentíamos que estávamos sempre a bater na mesma tecla. Para uma banda com vários elementos faz todo o sentido encontrar uma sonoridade característica que vive da personalidade de cada músico. Neste caso é diferente. Convidámos músicos diferentes para gravar de acordo com os arranjos. Temos a possibilidade de variar um pouco mais em estúdio. Há muito espaço para experimentar coisas novas.
Mesmo assim, durante este ano não conseguimos estar mais de 15 dias em estúdio ao todo. As gravações tiveram de ser muito rápidas. Os arranjos foram pensados em casa e depois gravados em poucas horas. Essa foi a parte mais complicada.
Algumas coisas surgiram com muita naturalidade. As percussões, marimbas e vibrafones gravadas pelo José Salgueiro foi um dos casos. O mais complicado acabou por ser o arranjo de sopros para o «As we walk down this road» que foi escrito numa noite pelo Bruno e teve de ser gravado em duas horas. Também o arranjo de vozes do «Chain on my Swing». O Bruno fez mais uma directa, enviou a pauta por e-mail à Margarida e Joana Campelo e foi tudo gravado em pouco mais de uma hora. O instrumental da música foi todo feito numa noite, quando chegámos ao estúdio não fazíamos ideia do que fazer.
E há ainda o «Wait by the telephone» que nem era para entrar no disco. Nunca o tínhamos tocado e havia apenas uma demo mal gravada pelo Bruno. Em poucas horas gravámos e fizemos o arranjo juntamente com o Walter Benjamin e o João Paulo Feliciano.
Ou seja, muita coisa foi pensada mas houve também muita coisa que surgiu na altura e algumas das músicas que resultam melhor foram gravadas em muito pouco tempo, quase como quem grava uma demo. Nunca vamos saber como seria se tivéssemos tido mais tempo em estúdio. Durante este processo o Bruno esteve sempre calmo enquanto eu espumava da boca e tinha pesadelos acerca disto. Temos maneiras diferentes de lidar com as coisas, felizmente.
Podemos dizer que Beck e o fantástico “Sea Change” foram em parte uma inspiração para “Parasol”? Com que discos cresceram os Julie & The Carjackers?
Gosto muito do Beck. O “Sea Change” é fantástico, tem uma produção fabulosa e canções lindas. Mas sempre ouvi mais o “Mellow Gold” e o “Odelay”. Os discos que mais ouvi na fase da escrita das canções e gravações devem ter sido de Beatles, Beach Boys, Chico Buarque e Les Baxter.
Mas o Bruno e eu também ouvimos muita música diferente um do outro.
O núcleo duro dos Julie & The Carjackers é composto por João Correia e Bruno Pernadas. Como funciona o vosso processo criativo, nomeadamente a composição musical e a vertente lírica – o que vem primeiro? -, e quando é que este núcleo se transforma depois em banda?
Temos uma maneira organizada e funcional de trabalhar. Cada um grava uma pequena demo caseira e envia ao outro. Se a música for do agrado dos dois começamos a trabalhar nisso. As letras são minhas e os arranjos são do Bruno. É assim que funcionamos, ele envia as músicas dele para eu fazer as letras e eu envio as minhas músicas para ele fazer os arranjos. Gosto muito de fazer as coisas assim, faz com que tenha sempre uma certa ansiedade em saber se ele vai gostar ou não do que envio e isso faz com que eu próprio tenha a certeza de que a música está mesmo como quero, que a letra está pronta e que a melodia é mesmo assim. Assim temos a preocupação de escolher bem as músicas que fazemos para esta banda. Escrevemos muitas canções e fica muita coisa de parte.
O mais importante é que a escrita das músicas seja honesta e surja com naturalidade. Só consigo escrever músicas quando sinto mesmo uma vontade absurda de o fazer. Quando isso acontece passo meses de seguida sem parar. Outras vezes, passo meses sem pegar na guitarra e no papel. Estou nesta última fase há demasiado tempo.
O formato de banda só surge ao vivo. O “Parasol” nunca foi tocado, só agora é que estamos a formar uma banda para tocar o disco ao vivo. É um processo diferente do habitual e também um desafio diferente do disco. É muito bom podermos tocar estas canções com músicos muito bons e também muito nossos amigos.
«Sing a Happy Tune» é uma celebração da tragédia um pouco à moda dos The Magnetic Fields – Stephen Merrit será um dos poucos espécimes do planeta capaz de se rir da própria desgraça. Será esta a canção de desamor do ano?
O «Sing a happy tune» foi uma canção que deu muito gozo fazer. Queria que soasse meio pirosa como o «We are the world we are the children». Quando escrevi a letra queria que o personagem da canção tivesse um discurso honesto, directo e profundo mas desajeitado, acho que isso torna a música frágil e faz com que eu ainda tenha mais pena dele e, o melhor de tudo, fez com que até me desse vontade de rir da desgraça do pobre coitado. Entretanto o meu amigo José Maria escreveu aquela carta que eu adoro e que a Laurelin Kruse lê no final da música. O desgraçado passa a música a lamentar-se e a dizer que tentou o mais que pôde para ser uma pessoa melhor, mais dedicada e de coração aberto e afinal estava perdidamente apaixonado pela rapariga mais fútil e desinteressante do mundo inteiro que lhe rouba o pouco dinheiro que ele tem em casa e lhe deixa aquele bilhete patético.
Não conheço bem os Magnetic Fields, o Luís Nunes (Walter Benjamin) é que me fala muito deles, vou ouvir o Sr. Merritt com mais atenção da próxima vez.
Em «Wait By The Telephone» um rapaz cheio de boa vontade passa o tempo a ser gozado por uma miúda que lhe quer trocar as voltas a todo o tempo; «Someone» parece ser a triste sina de alguém que quer uma relação à séria mas apenas tem como consolação saídas à noite e sexo ocasional; em «The Chain on my Swing», uma rapariga vive assombrada pelas memórias que os lençóis brancos evocam. É o amor um poço de tormentas para os Julie & The Carjackers?
Neste disco há muitas músicas sobre amor que acabam por não correr nada bem. A partir da música «Someone» começa o poço de tormentas. Tenho músicas sobre muitas coisas diferentes mas no “Parasol” deu-me para não dar um final feliz às canções. Quando as começo a escrever não sei onde vão parar, podem acabar bem ou mal… a maior parte acabou mal.
É «Mr. Williams» o vendedor de enciclopédias que vive dentro de cada um de nós?
«Mr Williams» é uma pessoa muito desastrosa e pessimista. Escrevi essa música porque às vezes torno-me numa pessoa insuportável. Acho que tudo me corre mal. E isso não é verdade. Para me ridicularizar um pouco escrevi essa letra para me lembrar do chato que sou às vezes. À medida que fui escrevendo esse senhor ganhou vida e mudei de ideias. Acabei explorar o lado azarado do «Mr Williams» e continuar a ser um chato.
Existe um fio condutor neste disco? Que história(s) nos quiseram contar?
Quando escrevo letras gosto de me focar em personagens. Gosto de imaginar como falam, como se vestem, de que gostam etc… Não gosto de escrever letras muito pessoais. Falar da minha vida a cantar em Inglês não faz sentido para mim, não consigo cantar alguma coisa que me perturba ou que me faz feliz e dizê-lo a cantar e noutra língua. Também não consigo escrever em Português porque desde os meus 13 que escrevo músicas em Inglês. É assim que penso e funciono e arranjei maneira de fazer o que gosto, como sei e sentir-me inspirado e motivado.
Gravar este disco era importante para mim e não queria deixar as letras para segundo plano. O mais natural é dar um nome às pessoas de que falo nas letras. Mesmo que haja algum assunto pessoal que queria expor adapto isso às personagens das canções. As letras de “Parasol” foram baseadas neste tal “Mr Williams”. Cada música vive por si própria e não gosto de dizer às pessoas que o disco tem uma história mas foi o modo que arranjei para fazer as coisas.
O alinhamento do disco está por ordem cronológica. As letras do disco podem ser vistas assim ou independentemente umas das outras.
«Mr Williams» é uma pessoa azarada e desmotivada, que se apaixona pela pessoa errada. Vive convencido que o problema é dele. Desperdiça uma vida inteira devido às suas obsessões, excessos e terríveis decisões. Escrevi sobre coisas que não quero para mim.
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