Juliette Binoche. Fotografia de Catarina Sanches

Juliette Binoche

As emoções são a sua matéria-prima.

Juliette Binoche voltou a ser uma das convidadas de honra do Lisbon & Estoril Film Festival para o agrado dos eternos enamorados desta que é uma das actrizes mais influentes do Cinema Francês. Foi mais de uma hora de conversa com o público, no cinema Nimas, num encontro que esgotou todos os lugares disponíveis da sala e, mais metros quadrados existissem, maior ainda teria sido a audiência.

Paulo Branco iniciou a conversa interrogando a actriz sobre a forma como tudo tinha começado, ao que Binoche interrompeu: ‘Como é que eu vim ao Mundo?’ com a descontracção e genuinidade que lhe são tão próprias. De volta à questão confessou que soube que queria ser actriz logo aos 4 anos: “Senti a solidão desde muito cedo, os meus pais divorciaram-se e eu ingressei num colégio interno era ainda muito nova. Não entendia as aulas, não conseguia compreender porque é que tínhamos de estar sentados e imóveis em frente a uma secretária. Era fora das quatro paredes das salas que eu me sentia livre, sempre preferi o espaço do recreio para imaginar cenários e representar com outros colegas.” A actriz explicou ainda que os pais tiveram uma grande influência já que ambos sempre tiveram percursos muito ligados ao teatro e às artes em geral. A mãe era professora de francês e de teatro e, por isso, desde cedo Binoche se começou a aventurar estrada fora a acompanhar as digressões das peças. “O meu sonho inicial nem era cinema, era ser actriz de teatro”, confessou a actriz ao mesmo tempo que nos confidenciou que nessa altura o seu maior ídolo era Chekhov e que na grande maioria das peças em que participava optava pelos papéis masculinos.

Sobre esse período inicial, Binoche diz que é hoje uma actriz muito diferente: “No início era muito certinha e obediente porque queria ser amada e reconhecida mas passado algum tempo isso deixa de ser suficiente. Já passei por diferentes papéis e encarei muitos desafios e, a cada um deles, descobri sempre uma parte diferente de mim própria”. Segundo a actriz representar é sempre sinónimo de um nascimento e de uma morte, num ciclo de vida em que tiramos partido da nossa própria experiência para a colocarmos noutros espaços, noutros lugares, noutros mundos.

Juliette Binoche. Fotografia de Catarina Sanches

Dos realizadores disse que eram importantes para “guiar e orientar” mas que a relação dos mesmos com os actores não deve ser encarada como uma pirâmide mas antes como uma relação circular, similar a uma dança. “Não há barreiras, é um não sabermos o que vai acontecer apesar de termos feito a nossa pesquisa para interpretarmos determinado papel. Tanto actores como realizadores devem estar abertos ao desconhecido e atrever-se a ir mais longe, deixar a magia acontecer.” Binoche equiparou esta relação a uma relação de amor relembrando que os realizadores são, na sua maioria, do sexo masculino. “A profissão de actriz é muito feminina e esta ligação com os realizadores é como que um jogo de sensualidade onde há sempre uma carga sexual muito presente – embora não acabemos envolvidos sexualmente, claro”. Sobre esta comparação entre a arte da representação e as relações humanas Binoche referiu ainda que “Actuar é um movimento, é um gesto, é um momento e eu permito-me não saber o final antes de o fazer. Temos de actuar sempre como se fosse a nossa primeira vez, mesmo que já o tenhamos feito um milhão de vezes. Deve ser como fazer amor, certo?”.

Quando interrogada sobre a possibilidade de passar para o outro lado dessa relação e aventurar-se do lado da realização, Binoche revelou entre risos: “É preciso sabermos tão bem o que vamos dizer, vamos usar duas horas da vida das pessoas! Eu dou tanto valor a isso! (risos) Claro que tenho ideias mas nunca me senti frustrada enquanto actriz porque a criação é um processo que se faz em conjunto com os realizadores. Eu abandono-me a mim própria para interpretar a personagem e o realizador entra no processo como orientador, à medida que vou entrando nos vários níveis da mente e do coração. Provavelmente esse dia chegará mas, se a minha vida terminasse agora, eu estava feliz. Sinto-me realizada com o que fiz até agora.”.

Houve ainda tempo para a actriz nos falar da sua estreia na dança com o bailarino e coreógrafo londrino Akram Khan: “Para mim a memória é treinada pelas emoções. Eu não sei decorar falas, guiões, linhas. As memórias têm de vir do interior, eu sei o que tenho a dizer num filme ou numa peça quando essas falas vêm do meu interior. Então para mim o desafio maior foi perceber como é que eu ia aprender os movimentos de dança – os exercícios e as repetições – através das emoções. Tive de reinventar o sistema e às vezes foi mesmo muito difícil! No final descobri que as emoções são mesmo a minha maior verdade. Se eu começar sempre pelos meus sentimentos mais verdadeiros e pelas minhas sensações ao invés de me centrar nos exercícios e na repetição de movimentos, a coisa acontece. A magia da criação acontece.”

Juliette Binoche roubou ainda mais alguns minutos do seu tempo para nos dizer que a humildade deve ser sempre o primeiro passo e que não devemos deixar que o ego nos atrapalhe. Segundo a actriz o ego é uma ferramenta e é algo necessário para termos iniciativa e acreditarmos no nosso trabalho mas que não pode nunca ser superior ao que somos enquanto seres humanos.

Não estivéssemos já suficientemente encantados pela actriz quando, já no final do encontro, uma voz feminina do público pediu a Juliette Binoche que dissesse algumas palavras na sua língua materna. De sorriso nos lábios e num francês que ecoou no coração de todos quantos ali estávamos, ouviu-se: “O meu maior desejo é atingir a individualidade das pessoas e levar uma esperança de transformação. A transformação é a nossa prenda. Estou apaixonada por esta profissão porque é a profissão da transformação. É a melhor do Mundo”.

A nós parece-nos mais do que seguro afirmar que estar na presença de Juliette Binoche é, essa sim, uma verdadeira experiência da transformação.

Obrigada Juliette Binoche, obrigada LEFFEST. Até para o ano!

 

Fotografias de Juliette Binoche de Catarina Sanches 



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