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Kae Tempest @ M.ou.Co (27.05.2022)

Foram poucos os que não se renderam ao templo de Tempest, numa noite de perfeita intimidade e entrega.

O mundo da música e dos concertos volta a girar, depois de tanto tempo em suspensão e apesar de algumas turnés de artistas internacionais não passarem por Portugal, arrisca-se dizer que os que importam estão cá.

Kae Tempest inclui-se nesse lote de vozes que embora não inaugure a época de concertos faz sentir que as roldanas do movimento de artistas e música estão novamente a funcionar – e muito bem.

Todos os concertos têm as suas histórias e experiências e, para a autora deste texto, o de Tempest contém a peculiaridade de nunca antes qualquer dos seus álbuns alguma vez ter sido ouvido.

A experiência pode não ser única, mas deixa um oceano de novidade e abertura surpreendente, até porque o estilo praticado por Tempest não é, de todo, algo atractivo para a autora.

Surpreendentemente, acabaria por tornar-se numa enorme experiência emocional, seguramente não por ser o primeiro concerto depois de um longo hiato a que custa arrancar o ritmo, mas porque Tempest está tão presente na sua música que é impossível ficar indiferente.

Num ambiente muito íntimo e próximo, que a sala do M.ou.co, no Porto, claramente exponencia, assistiu-se a cerca de hora e meia de música, de ritmo, de entrega, de uma quase filigrana emocional, imbricada, complicada, mas libertadora.

Acompanhade, nas teclas e sintetizador, pela artista de origem japonesa baseada em Londres, Hinako Omori, Tempest não hesitou em mostrar-se sem barreiras, num processo de crescimento pessoal e musical que culmina com o despido mais recente álbum “The Line is a Curve”.

Sem complicar o processo, apresentou-o de uma ponta à outra e a fusão entre a dedicada atenção de Omori na construção da música que abraça as palavras de Tempest formaram a tempestade perfeita, naquela noite no Porto.

Não se ouviram outras palavras para além das músicas, Tempest simplesmente não fala com o público, mas, fazendo jus à sua extrema sinceridade, avisou no início do concerto que esse seria o mote do que viria a seguir.

Um pouco entre o pragmatismo britânico e a necessidade de transmitir um mar de sentimento que emana das palavras de Tempest, esta é uma experiência, para lá do típico concerto.

Para quem chegou cedo e/ou conhece o palco do M.ou.Co, é possível ficar frente a frente com Tempest, que faz questão de olhar os seus fãs nos olhos, com uma desarmante e honesta intensidade.

Esse sentimento perpassa por todo o concerto, despido, só com Tempest ao centro do pequeno palco, jogo de luzes simples, mas intenso, a destacar a presença e as palavras – o mais importante. Para a autora do texto, a intensidade foi dupla já que foi necessário ter dupla atenção ao que estava a ser dito e a novidade emocional deixa enorme marca.

É impressionante que para quem nunca tenha ouvido Tempest, um concerto possa ter tanto significado e isso diz muito do quanto elu se encontra fundide com a mensagem que veicula. A intimidade de “The Line is a Curve” ajuda e muito a que o público monte ali o seu altar a Tempest, relembrando o quanto se encontra despide, a começar pela capa.

Tempest é mestre no uso da linguagem e vai muito para além da mera spoken word ou do rap, experiência com que se estreou na música. É uma extensão do seu trabalho escrito ou uma manifestação extra da sua escrita, área em que é extremamente produtive.

“The Line is a Curve” não foi o único álbum tocado, embora tenha constituído a maioria, já que foi tocado em sequência do princípio ao fim. Tempest pegou ainda em alguns marcantes temas de “Let Them Eat Chaos”, como «Ketamine for Breakfast» ou «Europe is Lost», ou do álbum “The Book of Traps and Lessons”, como «People’s Faces», que encerrou o concerto.

No final, tornou-se difícil abandonar o espaço do M.ou.Co., tal a quantidade de boa porrada emocional que Tempest aplicou no seu público, muito dele quase religiosos seguidores de Kae, cantando em uníssono quase todas as palavras de todas as músicas.

Pelas letras dos seus álbuns, percorre-se uma viagem longa de crescimento, de encontro, de foco nas pessoas e nas suas experiências mais mundanas, mas simultaneamente mais íntimas. Esse sentimento de intimidade, talento, sem pedir desculpas por nada, mas firmemente fiel a si, é algo que fica por muito tempo com quem esteve no templo de Tempest naquela noite.



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