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Kimo Ameba

“O pessoal tem que ouvir mais as bandas da Cafetra e ler menos sobre elas"

É verdade que o título quase assassina este texto. É verdade que, mais do que ler, importa ouvir as bandas da editora do momento, a Cafetra, a casa d’Os Passos em Volta, das Pega Monstro e destes Kimo Ameba que aqui temos em discurso directo.

É logo à primeira canção de “Rocket Soda”, esse desvario com pouco mais que 90 segundos que é «Brad Foh Da Corners», que percebemos que estes miúdos têm andado a ouvir a discografia dos Wavves – os discos lo-fi e os discos ainda mais lo-fi. Não, não é que estejam aqui quatro ganzados. E seguramente que os Kimo Ameba não são herdeiros directos dos anos 90 dos Nirvana nem são a versão actualizada da «No Fun», segundo Iggy Pop e os sempre seus Stooges. Não, os Kimo Ameba são uma outra coisa. Para começar, são quatro e não três – como o bando de Nathan Williams. São quatro e têm alcunhas, Leio, Sushi, Nacho e Chico. Dizem eles sobre elas, as alcunhas: “não nos lembramos muito bem quando e como é que apareceram”. E continuam com a linguagem idiossincrática que caracteriza a editora que os representa, a Cafetra: “todas as alcunhas do people da Fetra [é desta forma que tratam a editora] já mudaram mais do que uma vez. O Lourenço ficou o Nacho porque antes era Penacho – por uma parvoíce qualquer. O Leonardo ficou Leio por causa do Éme, ele é que pegou nessa. Antes de Leio já tinham tentado a lindíssima alcunha de Nardo, mas não pegou – Nardo de Pedra [era a ideia].” Isto ao leitor comum pode não querer dizer grande coisa, mas o entusiasmo com que este grupo de rapazes agarra uma pergunta que tinha tudo para levar com uma resposta seca e desinteressada é de louvar. E continua: “O Hugo é o Sushi porque é [assim que] os pais o chamam em casa, desde sempre. E o Chico é o Chico porque chama-se Francisco”. E concluem com uma referência a outra banda da Cafetra: “A pessoa que já teve mais alcunhas foi provavelmente o Nória, o guitarrista misterioso d’Os Passos em Volta.”

As canções, ah, as (curtíssimas) canções. Guitarras cheias de distorção e letras imperceptíveis que são desculpa para não os acusarem de pretensiosismo. No texto dedicado aos Kimo, no blogue da Mbari, diz-se, entre muitas outras coisas que compõem uma prosa bem bonita, que “o Leio andava lá no liceu com o J. Mascis”. “Os “Dinosaur Jr [são influências] mas não só!”, confirmam. E vão por ali fora, num enumerar de tudo o que é influência do que hoje (ainda) chamamos de indie. “Nós gostamos das cenas cliché dos inícios dos 90s, Pavement, Sonic Youth, My Bloody Valentine e, como é óbvio, o Sushi, no primeiro dia de aulas, apareceu com uma t-shirt dos Nirvana – «ganda sad poser»”, acusa. Há um irresistível humor carregado de ingenuidade nas palavras destes jovens que, nota-se, dominam o Dicionário de Rua que nunca ninguém se lembrou de editar, um Urban Dictionary, mas em português – garantimos, seria bem mais propositado que o tão badalado acordo ortográfico. Voltando às influências, a banda aproveita para discorrer sobre o que cada um ouve ou ouviu, os Cocteau Twins, o hip hop da velha escola (Wu-Tang Clan, NWA, BIG), o hip hop tuga (os gajos da Submundo, e da CS14, Halloween – “o maior deles todos!”), grindcore (Napalm Death, Converge), projectos lo-fi (o falecido Jay Reatard, um dos temas do álbum dos Kimo tem o seu nome) e outras coisas mais previsíveis (Wavves, No Age, Vivian Girls e Black Lips). Mas “uma das primeiras cenas que fez com que nós ficássemos “going wild de leta” [não fazemos ideia do que isto quer dizer, mas deve ser algo como estado de grande excitação ou algo do género] foi Lightning Bolt”. Mais, como se o caldeirão já não fosse suficientemente ecléctico, vem de lá o produtor Rodrigo Alfacinha, padrasto do Sushi, e ainda junta à equação “bandas em que ele tocava, {bandas] da [editora] Bee Keeper, os Radioactive Man, Jaguar, Boyracer e as cenas da Slumberland e da Sarah Records”. Caras muitas bandas internacionais que têm receio de se mostrar influenciados por alguém ou por qualquer coisa, atentem nestes miúdos, atentem no seu descomprometimento e na vontade quem têm de dizer que o que andaram a ouvir é (ou foi) a cena e chamem-lhes hipsters que eles não querem saber.

Nos últimos anos, a Internet engoliu a indústria discográfica e destruiu aquela ideia romântica de que todo o grupo de miúdos que quer fazer música deve começar na garagem dos papás. Os últimos anos deram-nos os artistas de quarto, artistas que desenvolvem a sua música em casa (ainda na dos papás), isolados. Por alguma razão, nomes como Washed Out, Toro Y Moi, Memory Tapes e Neon indian não são citados pelos Kimo Ameba. A banda acredita que continuam a existir muitas bandas a tentar investir pelas vias tradicionais, mesmo que não passem obrigatoriamente por uma garagem. “O que nós achamos é que agora, mais do que nunca, tornou-se mais fácil a tua música chegar a alguém. Já existiam músicos de quarto e já se gravava música no quarto, desde sempre. Os velhinhos do blues, do folk e o R. Stevie Moore já gravavam as suas cenas caseiras desde os 30s e 60s.” Curiosamente, dias depois desta entrevista, R. Stevie Moore anunciou uma colaboração com Ariel Pink, o artista de quarto que é a cena. “Tudo isto que está a acontecer à música é fixe, mas como é óbvio vamos sempre ter «sads» otários a dizer: «antigamente é que se fazia música de jeito!» ou «não é qualquer um que pode pegar numa guitarra, dar uns acordes e dizer que faz música!», mas o que é que sabem eles?”.

O calendário de edições da Cafetra tem vindo a ser preenchido nos últimos meses – primeiro os Passos em Volta, depois as Pega Monstro (capa do Ípsilon e quê!) e agora os Kimo Ameba. A atenção de que a editora do momento tem sido alvo nos últimos meses é inegável. “É fixe estar a haver esta atenção da Cafetra, é sempre «bacano» saber que estão interessados na nossa cena, mas há coisas que irritam.” Explicação: “Uma delas é estarem a criar um hype à volta dela [da Cafetra] pelas razões mais estúpidas e [estarem a acertar] ao lado. Por exemplo, as Pega Monstro foram capa do Ípsilon a semana passada. Nem nós nem elas achamos que aquilo tenha sido pelas melhores razões.” O Ípsilon, ou melhor, João Bonifácio, pegou no assunto Pega Monstro e começou-o assim: “Duas irmãs, uma guitarra, uma bateria e canções com riffs infecciosos, refrões com mel e um trato precioso da linguagem de rua. São as Pega Monstro e deviam pegar Portugal pelos cornos e virá-lo do avesso.” E continuam a discorrer sobre o assunto: “A cena triste é haver «people» a ler essas coisas e a gostar ou não de nós pelas razões que nós não queremos. Porque, na verdade, o que realmente interessa à Cafetra é a música que fazemos e o pessoal tem que ouvir mais as bandas da Cafetra e ler menos sobre elas”.

O som dos Kimo Ameba não é consensual. Há quem os elogie pelo som “sujo” e as letras de rua e (quase) imperceptíveis e há quem os critique por essas mesmas razões. “Sim, é normal os gostos divergirem. Mas [virem] dizer que não curtem por não se perceber [a letra] é uma «beca» frustrante. Pegando no exemplo dos Cocteau Twins, não se percebe nada do que se diz e é uma banda fixe à mesma. Não é por não se perceber a letra que não se curte da música, isso é uma treta!”. Por esta altura, percebemos que, a cada questão que se coloca e com o avançar da entrevista, o discurso da banda vai-se tornando cada vez mais corrosivo. Atiram, por fim: “Essas histórias são só mariquices de quem quer arranjar alguma coisa para dizer mal.”

Voltando ao ípsilon, numa entrevista no final de 2011, B Fachada dizia no suplemento do Público: “Sinto muito a necessidade de fazer sempre melhor e de ser um Fachada melhor do que fui até agora. Foi isso que fez com que ficasse num campeonato só meu até aparecer a Cafetra. Que jogam no mesmo desporto e vão apanhar-me depressa.” Confrontados com estas palavras, os Kimo colocam-se, pela primeira vez, à defesa. “Está-se bem, esse ponto de vista dos campeonatos não é muito a nossa cena. Percebemos o que o Tio B quis dizer e é «bacano» ele dizer isso de nós. «Respect!!!».” B Fachada, ele que produziu o disco das Pega Monstro e que os Kimo Ameba tratam carinhosamente por Tio B, tem vindo a desempenhar um papel de relevo nesta coisa de fazer os olhos caírem sobre a Cafetra Records. É uma espécie de padrinho? “É um dos nossos tios da Fetra, assim como o Rodrigo Alfacinha – que gravou o álbum dos Kimo Ameba – e o Filipe Sambado dos Cochaise que gravou o disco d’Os Passos em Volta. Só não chamamos o Luís Gravito aka “O Cão da Morte” e o João Chaves de tios porque têm a nossa idade, mas estão ao mesmo nível de consideração!”. E terminam a entrevista assim, com “um «shout out» pó nosso nigga Pesto!”. Voltamos a não perceber o que querem enviar para o “nigga Pesto” que também não sabemos quem é. É essa a piada.

Kimo Ameba – “Rocket Soda”

Não precisamos de mais do que cinco segundos para perceber que os Kimo Ameba têm os Wavves e restante filiação lo-fi muito em conta. Nem precisamos de pensar muito, a banda fez-nos a papinha toda durante a entrevista. Nela citam os Wavves, mas também os No Age e as Vivian Girls, tudo boa gente de guitarras ácidas, estridentes, carregadas de distorção. Depois citam também os Cocteau Twins e percebemos de onde vêm as letras quase imperceptíveis. Vem também lá escarrapachado o hip hop internacional (os (Wu-Tang Clan, NWA e BIG) e o nacional (Halloween, principalmente) e chegamos à conclusão que é daí que vem esta linguagem de rua que tem características muito próprias. O cliché é assumido pelos próprios e é uma catrefada (a sério que não é trocadilho com o nome da Cafetra) de papás indie: Pavement, Sonic Youth, My Bloody Valentine e Dinosaur Jr.

Despachada que está a conversa das influências – os próprios músicos não se importam de as admitir – repare-se como num tempo em que os músicos de quarto são cada vez mais a moda, numa altura em que Ariel Pink, Washed Out e afins dominam a cena indie, que estes miúdos lembram-nos que afinal a garagem dos papás ainda pode ter a sua utilidade. Voltemos às garagens, pois então. Ignoremos as queixas dos vizinhos e coloquemos os níveis de amplificação nos seus máximos históricos. Fazendo nossas as palavras deles, pára de ler este texto, as bandas da Cafetra, neste caso, os Kimo Ameba, têm que ser mais ouvidas do que lidas. E o álbum de estreia dos Kimo pode ser ouvido gratuitamente na sua página pessoal no Bandcamp, de borla.



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