Kona: Day One | Análise
Sobreviver em Cree Country
A primeira vez que soubemos da existência de Kona: Day One, distribuído em Portugal pela Ecoplay, estávamos no final de 2015. Na altura, Alexandre Fiset, CEO da canadiana Parabole, falava da ideia embrionária de um projeto de características deliberadamente indie que colocaria o jogador no papel de um detetive, Carl Faubert, que se aventuraria nas terras geladas do Canadá, a partir de Montreal em direção ao norte.
Convocado por um capitalista industrial para tentar saber quem estaria a vandalizar as suas propriedades, Faubert aceita entrar num perigoso e misterioso desafio. Aos poucos, entendemos que esses ditos atos de vandalismo podem ser obra dos nativos de Cree Country, gente que acredita que estão a conspurcar as suas terras sagradas.
Tal como uma poderosa máquina do tempo, a PS4 transporta-nos para 1970. A neve cai à medida que a floresta gelada “avança” sobre a pick-up (Chevloret?!) conduzida por Carl Faubert, o nosso anti-herói. A banda sonora, densa, sorumbática, sublinha a dificuldade dos milhares de quilómetros que Faubert teve de percorrer até chegar a esta aldeia a norte do Lago Atamipek. O narrador, voz omnipresente e que se assume com o passar dos minutos (e horas, felizmente) como uma espécie de personagem e companheiro de aventura, dá-nos as “boas-vindas” ao inóspito local.
Bastam cinco ou 10 minutos de dualshock nas mãos para se perceber que entramos numa dimensão atmosférica e desolada. Enquanto jogadores, temos um mundo inteiro, aberto q.b., por explorar e, logo nos primeiros instantes, sentimos um cheirinho daquilo que vai ser a filosofia de todo o jogo, ou seja, uma (por vezes desesperada) aventura de sobrevivência num local assombrado (acreditem!) pela ausência de pessoas e esperança (olá, Silent Hill!). E como uma espécie de tutorial, eis que somos desde logo convidados a ultrapassar o (simples) desafio de desbloquear uma cancela que dá acesso à ponte que nos leva ao primeiro dia do resto da vida de Faubert.
A jogabilidade é simples, por vezes intuitiva, outras não, na primeira pessoa, e em poucos minutos já dominamos (espera-se) o controlo de Carl e das suas habilidades. E em caso de algum stresse, nada como puxar de um cigarro para acalmar os nervos e aclarar o pensamento. Além do tabaco, tudo aquilo que precisamos dar a Faubert são armas (algumas delas, de facto) para vencer as muitas batalhas de Kona: Day One, e as mesmas são-nos “oferecidas” durante o percurso. Ah, e muito importante, que se tenha o cuidado em manter o nosso protagonista quente e bem de saúde pois só assim se consegue ultrapassar os desafios. Para isso, nada como apanhar lenha e acender uma salamandra, ou lareira, vasculhar tudo, e esperar que a pick-up esteja devidamente equipada e com o depósito cheio.
E se os objetos presentes no cenário estão à distância de um toque na tecla “X” do comando, ter acesso ao nosso inventário é tão simples quanto premir “triângulo” e depois fazer scroll no espólio. Ajuda também preciosa são os botões de direção que servem de atalhos para decisivas ferramentas como o são a lanterna, o mapa, a máquina fotográfica e o “diário de bordo” do nosso investigador. Ao início é natural uma certa atrapalhação de controlos mas naturalmente habituamo-nos. Fácil é a condução do bólide: R2 acelera, L2 trava, o joystick esquerdo dirige. Enquanto isso, o rádio toca…ou não. Ao joystick direito cabe a função de comandar os olhos de Faubert.
Em modo mini-road game, Kona: Day One, evolui de forma gradual e segura, e para quem gosta de um toque vintage, o cenário é muito interessante, ainda que em algumas situações a resolução peque por defeito (o tablier da pick-up é um dos exemplos). Mas é a exploração do mundo (quase) aberto do Lago Atamipek que torna toda a ação em algo intrincado e, por que não dizê-lo, sedutor. E como não vestimos a pele de um simples turista, aconselha-se o registo de pistas, uma atenção particular às indicações dos mapas, um uso frequente da máquina fotográfica para avivar a nossa memória na altura certa, e assim conseguir juntar as peças de um estranho e interessante puzzle que fará as delícias de qualquer detetive.
Se em alguns momentos do jogo as situações parecem demasiado óbvias, noutras situações, felizmente, os puzzles por resolver não são assim tão acessíveis e aconselha-se atenção e pertinência de análise face às pistas e “provas” que, por norma, se encontram- nas imediações ou margens da região do lago.
Ainda que já tenhamos falado da narração da ação – que mistura uma acutilante ironia com um estilo noir a fazer lembrar ambientes criados pelos escritores Dashiell Hammett ou Raymond Chandler -, não é demais voltar a referir a sua pertinência e ambiência, algo que nos transfere para dentro de uma tela televisiva dos anos 1970, mas que poderia ser alvo de uma ou outra correção, nomeadamente quando nos informa que estamos a milhares de quilómetros de Montreal e as placas informativas da estrada indicam meros 1000 metros… Além de pontuais erros de raccord dispensáveis, algo que também deveria ser melhorado são os pontuais “soluços” que perturbam a performance e fluidez do jogo, os ou lentos carregamentos de área, algo que se pode estranhar tendo em conta uma estrutura gráfica (tão) simples. Ainda assim, esses gráficos, competentes, são coerentes com o todo geral do jogo, e a ideia de colocar um “filtro” na imagem com algum “grão” confere uma saudável visceralidade e espírito de missão a Kona: Day One.
No geral, Kona: Day One, o primeiro tomo de uma aventura de sobrevivência, com laivos “sobrenaturais” que nos transportam para momentos espetrais, imersivos e de dedução, inicialmente pensada para vários episódios, é um jogo (muito) interessante, de atmosfera cativante e narrativa sólida, embora não seja um primor técnico ou gráfico, e isso, supomos, não é de todo a filosofia de um exercício assumidamente indie. O gameplay proporciona uma experiência que se vai tornando, gradualmente, viciante, e não é de todo descabida a referência a outros walking simulators, como Firewatch ou Everybody’s Gone to the Rapture, pelas suas similaridades e positiva pertinência.
A versão do jogo testada foi para PS4 mas existe também disponível para os ambientes Windows, Mac, Linux e Xbox One.
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