Kubik
Kubik, alter-ego musical de Victor Afonso, esteve de regresso em 2011 com “Psicotic Jazz Hall”, o seu terceiro álbum de originais. Passados seis anos do seu álbum anterior, a Rua de Baixo voltou a estar à conversa com o autor de um dos projectos musicais mais interessantes e experimentais da actualidade.
Pessoalmente, “Psicotic Jazz Hall” foi sem dúvida alguma um dos álbuns de 2011.
Quem é Kubik? E como nasceu este projecto?
Kubik sou eu e eu sou Kubik. O projecto nasceu em 1998, quando comecei a sério a fazer experiências de criação musical por computador. Já tinha um background anterior, com bandas de rock, pop e música improvisada, mas a primeira vez que tive contacto com a informática musical e o MIDI foi em 1995, quando terminei o meu curso de Educação Musical e criei a minha primeira banda sonora original para teatro. Depois, em 1998, ainda quando o projecto estava pouco amadurecido, concorri aos Prémios Maqueta, dados a projectos emergentes da música nacional. Ganhei 4 desses prémios, o que me deu uma certa visibilidade. No ano a seguir fui convidado a tocar no Festival Paredes de Coura, lancei a primeira maqueta intitulada “Cry Sound” (em k7) e depois outra em CD, “Rádio Mutation”. O crítico do Público, Fernando Magalhães, ouviu e gostou e dedicou-me uma página do jornal com uma entrevista. Basicamente, foi assim o arranque do projecto Kubik.
Foram 6 anos desde “Metamorphosia” (2005), até teres regressado com um álbum de originais. Como foram estes 6 anos? E este lançamento em 2011 terá alguma coisa a ver com o facto de se terem passado precisamente 10 anos desde o lançamento do 1º álbum, “Oblique Musique” (2001)?
Sim, é curioso o facto da trilogia de discos de Kubik se consumar ao fim de dez anos. Gosto de números redondos. O que explica este tempo dilatado é o facto de não me dedicar profissionalmente à música; tenho um trabalho próprio e a música fica sempre para um plano secundário. Por outro lado, entre “Metamorphosia” e o “Psicotic Jazz Hall”, levei muito tempo a encontrar editora. Havia várias interessadas mas todas tinham problemas económicos ou de agenda. Depois surgiu o convite do TMG e agarrei a oportunidade. Mas nestes anos não fiquei parado: estive envolvido em vários projectos e fiz música para teatro, cinema mudo, bailado e performance, toquei em muitos sítios diferentes, etc.
De uma forma geral há quase sempre uma forte atmosfera electrónica de Jazz neste álbum, porém são vários os géneros musicais que concilias nas músicas, desde o rock até ao hip-hop, passando por muitos outros. Podes descrever-nos um pouco do processo criativo destas composições tão variadas e distintas?
O jazz esteve presente, ainda que de forma menos óbvia, desde o primeiro álbum. A razão pela qual co-existem vários géneros musicais distintos é porque sempre me interessei por estéticas muito variadas: gosto tanto de rock como de jazz, de electrónica experimental como de world-music, de dubstep como de música clássica erudita. Logo, a grande linha orientadora de Kubik desde o início é a de misturar, montar e manipular todos esses estímulos sonoros distintos, capazes de gerar qualquer coisa de novo. Brian Eno dizia há muitos anos que a inspiração para as músicas mais inovadoras advinha da ideia de “regeneração”, ou seja, de reciclagem de ideias, de conceitos. É o que Kubik faz: construir uma arquitectura musical nova a partir de matérias sonoras muito diferentes, muitas das vezes já pré-existentes. É um trabalho rigoroso e muito minucioso, visto que dou muita atenção aos mais ínfimos pormenores. Terá sido por isso que um crítico definiu Kubik como “cientista dos sons”.
Além de músico és um grande apaixonado por cinema e isso reflecte-se nas tuas composições onde algumas têm claras influências cinematográficas. Como é que o cinema passa para a tua música? E quais as tuas maiores influências da 7ª Arte?
Sim, o cinema tem servido como campo de inspiração. Todos os três álbuns e EPs de Kubik têm títulos alusivos a filmes ou realizadores. O cinema e a música são, para mim, duas faces da mesma moeda. São universos que se tocam e se misturam. O que faço é, basicamente, pegar em filmes e universos cinematográficos que me agradam e tentar criar bandas sonoras para eles. Podem resultar bandas sonoras para filmes imaginários ou bem concretos. Por exemplo, o tema «Come and See», que está no alinhamento de “Psicotic Jazz Hall”, diz respeito directamente ao filme de guerra russo com o mesmo nome. Na música «I Think I Am» há referências directas a realizadores como Tarkovski e Bergman. O próprio nome “Kubik” tem referência a Kubrick, o realizador. Tal como na música, as minhas influências no cinema são muito díspares: Murnau, Chaplin, Eisenstein, Tati, Bergman, Kubrick, Hitchcock, Carpenter, Tarkovski, Allen, Herzog, entre muitos outros.
E já que falamos em influências, quais as musicais?
É muito difícil definir influências musicais. Podem ser milhares ou podem ser apenas meia dúzia. Toda a música que ouvi na adolescência e juventude me moldou o gosto musical. Tinha um amigo mais velho e experiente que me gravava cassetes áudio a que dava por título “Heterodoxos”, isto é, uma compilação nada normal onde virtualmente cabia lá tudo: Zappa e Dead Can Dance, Zorn e Ministry, John Coltrane e Kraftwerk, Nusrat Fateh ali Khan e Velvet Underground, Suicide e Leonard Cohen, etc. Mais recentemente, nos últimos 20 anos, fui muito influenciado pelo eclectismo musical dos projectos de Mike Patton (sobretudo Mr. Bungle), o genial Amon Tobin e a cena drum’n’bass do final dos anos 90. Sobre o Mike Patton, ele próprio convidou-me, em 2005, a tocar na primeira parte da sua banda Fantômas, na Aula Magna. Isto porque ouviu o “Oblique Musique” e gostou bastante.
Desde o lançamento do teu álbum anterior (“Metamorphosia”) que as redes sociais virtuais deram um salto gigantesco nos hábitos pessoais de cada um. Qual a tua opinião das potencialidades destas redes nomeadamente, na divulgação do teu e de outros projectos?
Tem sido essencial. É já um lugar comum dizer que a internet veio revolucionar o acesso à informação e ao conhecimento e alterou, profundamente, os hábitos de consumo cultural do cidadão comum. Com a internet e as redes sociais chegamos a qualquer parte do mundo – talvez por isso tenha já feito remisturas para um projecto de música electrónica norte-americano e para uma banda de Macau. A globalização tecnológica e as auto-estradas da informação possibilitaram extravasar as limitadas fronteiras do país e a divulgação do projecto torna-se mais rápida e chega a mais sítios.
“Psicotic Jazz Hall” conta com a participação do escritor de cyberpunk, Kenji Siratori, num dos singles, «Shina-Kak». Como surge esta parceria?
Da forma mais inesperada e simples possível: há uns três anos, o Kenji ouviu músicas de Kubik na minha página do Myspace. Gostou e enviou-me uma pista de gravação com a sua voz, em registo de spoken word. Disse-me para fazer com esta gravação o que quisesse. E foi assim que surgiu o tema «Shina-Kak», que se tornou num dos temas preferidos das pessoas que conhecem Kubik.
Já tocaste na primeira parte de Fantômas, já trabalhaste com o Adolfo Luxúria Canibal, Old Jerusalem e o já mencionado Kenji Siratori. Se tivesses a oportunidade de escolher qualquer pessoa no mundo, com quem gostarias de trabalhar?
Hum… Gostaria de trabalhar com Amon Tobin, os Radiohead, os Matmos, os Mouse on Mars e o Tom Waits!
Ao vivo adicionas em várias músicas uma componente forte de guitarra eléctrica. Tens intenção em algum dia lançar um álbum com essas versões?
Por acaso é uma das vias potencialmente a explorar. Uma coisa garanto: o próximo disco de Kubik será muito diferente dos três anteriores que foram concebidos ao longo de dez anos e encerram uma trilogia estética com princípio, meio e fim. Agora o futuro terá de trazer novidades e novos rumos.
Este ano voltaste a tocar com os Nihil Aut Mors no Teatro Municipal da Guarda. Como foi esse regresso e não ficou o bichinho de voltarem a trabalhar juntos novamente?
Voltar a tocar rock puro e duro com a minha antiga banda, foi um momento fantástico. Esta banda existiu até 1993, com influências de Joy Division, Birthday Party, Jane’s Addiction ou Bauhaus e reunimo-nos quase 20 anos depois, com a mesma formação original, para um único espectáculo, fazendo a primeira parte dos Pop Dell’Arte (com os quais já tínhamos tocado em 1989). Ainda hoje, quando digo que fiz parte dos NAM, pessoas da minha geração me dizem que conheciam e que eram das bandas mais originais daqueles anos. Foi um concerto muito intenso e gostaríamos de continuar. Veremos se é possível…
Em termos de concertos o que podemos esperar?
Para já tenho andando a apresentar o meu projecto “Movie Poster” (música para 200 posters de cinema clássicos) e tenho apresentado o disco “Psicotic Jazz Hall” no circuito das Fnacs. No início de Fevereiro irei ao Fundão e depois perspectiva-se, finalmente, Lisboa. Mas ainda sem datas agendadas.
Quais os projectos para o futuro?
Apresentar o novo disco o mais possível, redefinir o conceito Kubik para a edição de um próximo disco e continuar a fazer música para filmes e teatro (tenho várias propostas) para 2012.
No mundo da blogoesfera o teu nome também é bem conhecido pelo blog O homem que sabia demasiado, onde abordas todo o tipo de temas culturais e que conta com um grande leque de visitantes. Fala-nos do que é para ti ser um blogger?
Encaro a blogosfera como um espaço de partilha de informação e conhecimentos. Quando era adolescente, num tempo em que nem se sonhava com internet, trocava correspondência, por carta, com dezenas de pessoas espalhadas por todo o país (e até do estrangeiro). Trocava gravações de música, revistas, filmes, etc. Agora tudo é muito mais fácil e rápido e a informação está à distância de um simples clique. O blog O Homem Que Sabia Demasiado serve como plataforma de partilha de gostos comuns. Eu escrevo sobre temas que me agradam na área do cinema, da música, dos livros ou outro afins, e os leitores lêem e comentam, contestam, sugerem, interpelam… É esta interactividade que me agrada e que tem feito subir a audiência do blog ao fim de 4 anos de intensa actividade, com a curiosidade de ter quase 30% de leitores brasileiros. Já foi nomeado três vezes para o melhor blog de cinema do ano (TCN 2010/11 e Aventar 2011). Há dias recebi mesmo um email de um miúdo brasileiro de 18 anos que me disse que o meu blog tem sido muito importante para ele, que lhe dei a conhecer muita música, muito cinema, etc. Despediu-se referindo “Do seu aluno…”. É incrível este efeito que um simples blog de cariz cultural pode ter junto de uma geração mais jovem e fico muito grato por isso. Também tenho conhecido muita coisa com sugestões e ideias dos próprios leitores. É este tipo de exemplos que me motivam a continuar a escrever no blog. Ah, o título do blog, O Homem Que Sabia Demasiado, diz respeito ao filme com o mesmo nome de Hitchcock. Mais uma referência ao cinema!
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