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La Pivellina

O circo da vida (A vida do circo).

Os membros do circo em “La Pivellina” acampam nos baldios e descampados de uma Roma suburbana, cinzenta, escalavrada, desolada, à espera do próximo trabalho, à espera do Natal talvez, altura em que as pessoas gostam de levar as crianças ao circo. Não são particularmente bem vistos pelos outros habitantes, nem pela polícia, nem pelas autoridades camarárias que querem construir ali condomínios. Formam uma tribo à parte, uma sociedade fechada, cujos contactos com o mundo exterior são reduzidos ao essencial (as compras, a escola).

Tizza Covi e Rainer Frimmel, a dupla de realizadores do filme, mais ligados ao documentário do que à ficção, encenam uma história simples, de uma escrita clara e límpida, filmam-na da mesma forma eficaz, de câmara à mão, sem grandes enfeites, com actores que partilham o nome (e o que mais?) com as suas personagens, e enfiam o espectador no meio deste mundo, a meio do conto, in media res, como se dizia há muitos muitos anos na antiga capital do Império.

Patty, muito ruiva para a sua meia-idade e para a descoloração circundante, Walter, palhaço alemão de sotaque cerrado, seu marido, Tairo, miúdo que não é filho deles e que não se percebe logo a quem pertence formam o pequeno núcleo familiar a que se junta a pequenita do título, abandonada pela mãe num parque infantil e encontrada por Patty. Ela e o espectador são os únicos “estrangeiros” naquele lugar e vão conhecendo aquele mundo pouco a pouco, e se o espectador não prega prego nem estopa, a miúda altera as vidas daquelas pessoas, traz-lhes novas alegrias e novos sofrimentos.

Os tiques do cinema mais realista, mais documental comparecem todos a “La Pivellina”, mas a grande conquista do filme é não se deixar amarrar a eles, e escolher a doçura do olhar ao mostrar de vísceras habitual neste tipo de filmes. Aqui não há transtornos dilacerantes, nem histerismos do género – não pretende ser “brutal” nem “honesto” -, há tristezas mudas, pequenas derrotas, sonhos desfeitos, vidas paradas.

Doçura que não significa mel a escorrer pelas paredes, o filme encontra uma justeza rara, que afasta a lamechice e o vil puxar de lágrimas, apesar de ser comovente. O único pecado que pode ser apontado a “La Pivellina” é um certo autismo, tanto se escuda do mundo exterior, que os conflitos de que falo no primeiro parágrafo são apenas aflorados ao de leve. No entanto, o filme não é mais laço por isso, quando abandona o espectador, abandona-o ainda a meio, com mistérios por desvendar e muito por dizer.

Percebe-se bem por que lhe recaiu o Prémio de Distribuição do último IndieLisboa, razão pela qual se pode ver agora nas salas portuguesas. Ainda bem.



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