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Do outro lado da Piscina

O teatro Maria Matos vai a banhos.

Fatos de banho, toucas, óculos e até uma piscina. Uma aula de natação com direito a tudo, menos a água. Até dia 30 de Junho, o Teatro Maria Matos apresenta “Learning to Swim”, ali ao lado, na Piscina Municipal do Areeiro.

“Avisam-se os utentes da piscina que não se podem riscar as paredes”. Este e outros avisos de boa conduta, para quem sabe ou quer aprender a nadar, são ouvidos pelos altifalantes, no átrio, logo à entrada da piscina. As paredes e muros em volta, carregados de graffiti, confirmam o não cumprimento das regras.

Como em qualquer piscina, homens e mulheres só se juntam na água. No início, os espectadores são separados e conduzidos por um guia até aos respectivos balneários. Os olhares entre o público são de desconfiança, como os de alguém que não sabe nadar e está prestes a ter a sua primeira aula. Ainda assim, sobem as escadas e percorrem um caminho labiríntico de azulejos riscados e maltratados até encontrarem outros nadadores, a equiparem-se.

Três mulheres no balneário vestem os seus fatos de banho e fazem exercícios de aquecimento. Uma quarta mulher ajoelha-se, ao canto, junto de um microfone, e diz em tom nostálgico: “Não sei nadar. Não saber nadar impede tudo. Dificulta até o não saber desenhar”. Do balneário masculino, em inglês, ouvem-se palavras de conforto e instruções de como aprender a nadar. Tudo começa com a troca de correspondência entre Alexander Kelly e Paula Diogo. O encenador e fundador da companhia britânica Third Angel quis saber o que pensava a artista portuguesa, quando olhava para o oceano. A artista confessou não saber nadar, o que deu o mote para este “Learning to Swim”.

E aprender a nadar é o que se segue, enquanto o público se acomoda nas bancadas de madeira, ao longo da piscina. O espaço parece abandonado e há graffitis em todas as paredes. A dividi-lo das traseiras dos prédios da Av. De Roma, estão muros abertos e uma grande quantidade de ervas daninhas. O Teatro Maria Matos encarregou-se da reabilitação do espaço e assegurou a limpeza de seringas e outros resíduos para que o espectáculo pudesse acontecer.

Os banhistas entram na piscina com a velocidade que o receio lhes permite. As pranchas azuis de onde deveriam saltar e não saltam, apenas rastejam, estão colocadas no lado menos fundo. A piscina, essa, está vazia, e apenas contém linhas azuis desenhadas no chão, por onde caminham seis pessoas, sem pisar fora do risco.

O relógio projectado no lado esquerdo dá conta dos minutos em que os actores caminham, de um lado para o outro, a ritmos diferentes. O que começou por ser apenas uma simples corrida, ganha contornos mais semelhantes a ginástica e a movimentos de luta. A co-autora e também actriz na peça, Paula Diogo, percorre a piscina apenas com cambalhotas sobre o braço esquerdo.

O medo do desconhecido é uma ideia transversal a todo o espectáculo. O público assiste ao modo como as seis personagens aprendem a enfrentar os obstáculos e a lidar com a derrota. Aos vinte e dois minutos, um dos corredores incessantes sobe com dificuldade à beira da piscina e esclarece: “Isto parece difícil mas não é”. Uma das poucas falas ouvidas, ao longo de toda a peça.

Há um ângulo morto na piscina, onde os actores deixam de ser visíveis ao público. Do canto esquerdo da parte mais funda, vão sair t-shirts, bolas, megafones, máscaras e instrumentos musicais, que vão ser usados pelos actores, ao longo do seu percurso. A caminhada tem qualquer coisa de platónico, que os aprisiona no fundo da piscina sem água e que só lhes permite ver aquela realidade. Os objectos ajudam no caminho que têm a percorrer até aos topos da piscina, metáfora para os seres humanos que, ao longo da vida, escolhem diferentes formas de viver e várias bandeiras para defender.

E bandeiras amarelas, verdes, azuis e vermelhas são o que as personagens envergam de seguida. Aos quarenta e sete minutos do relógio projectado, disfarçados com máscaras de águias, macacos ou com um balde de plástico na cabeça, o ritmo da caminhada torna-se mais acelerado. As máscaras e metamorfoses são mais e mais rápidas e aqueles que no inicio eram simples nadadores e aprendizes, tornam-se cinderelas de vestidos de gala e sapatos de cristal.

“Learning to swim” é sobre várias coisas. “É sobre um dia chuvoso. É sobre macacos e criaturas marinhas. É sobre o medo e o querer fazer tudo”. Quem o diz são os próprios actores, que sussurram em várias línguas, ao ouvido dos espectadores. Por esta altura, o público já está sentado no fundo da piscina e são os actores que observam, lá de cima, enquanto a luz se apaga. A ideia de falhar e de persistir para continuar a aprender está presente durante todo o tempo da peça. Será que pouco mais de uma hora chega para aprender a nadar?



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