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Light Fall | Análise | Switch

Tinha tudo para ser memorável ...

Quando um jogo independente expõe, na Steam, a sua lista de prémios que recebeu antes do seu lançamento, é difícil não ter altas expectativas. Ainda mais quando este mesmo jogo ganhou destaque especial num dos famosos Nintendo Directs. Apesar de ter um aspecto artístico bastante comum em jogos independentes, Light Fall foi apresentado como mais uma estrela indie vinda do Kickstarter. Para ter chegado onde chegou, é óbvio que o jogo merece o seu devido mérito, mas, na minha opinião, não é o suficiente para tornar o primeiro título da Bishop Games em algo realmente memorável.

O meu crítico de vídeo-jogos preferido descreve uma doença chamada indiegame-itus, comum em jogos de plataforma independentes. Os sintomas incluem um estilo minimalista, música orquestral e a silhueta de um protagonista na sombra de um mundo gigante. Light Fall sofre gravemente destes sintomas, por isso tenta compensá-los com uma mecânica original. Os criadores decidiram ceder-nos uma das suas ferramentas, portanto temos acesso a uma plataforma que podemos materializar a qualquer altura e transportar para qualquer lugar, com um devido limite. Durante os primeiros momentos em posse da plataforma, goza-se de uma certa liberdade em poder correr e saltar pelo nível ignorando todos os obstáculos. É uma mecânica que combina bem com a habilidade de saltar de parede em parede, resultando numa agradável sensação de rapidez, especialmente quando o protagonista é tão pequeno e escorregadio. Os níveis iniciais passam-se a voar pela paisagem até ao primeiro boss. Este último não tem uma barra de vida ou ponto fraco, mas sim uma caverna onde só podemos assentar os pés em pilares que se encontram longe entre si. Um bom teste das nossas capacidades, pois os criadores aproveitam o prazer de utilizar a plataforma para percorrer grandes distâncias e condicionam-nos com um tecto baixo, o que nos obriga a pensar sobre os obstáculos. É um dos melhores momentos do jogo que representa o talento da equipa e nos eleva as expectativas. Todavia, é a partir deste ponto que a agradável sensação que descrevi começa a deslizar por entre as mãos.

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O problema é que não há um bom balanço de dificuldade no jogo. Ora os obstáculos são demasiado repetitivos e básicos, sem grande inspiração, ora são difíceis pelos motivos errados. Um protagonista escorregadio não funciona bem com uma jogabilidade que requer precisão, como é o caso de uma boa parte da experiência. Enquanto que alguns níveis se ultrapassam quase sem pensar, há outros que nos obrigam a colar a cara ao ecrã para distinguir o protagonista dos backgrounds escuros e pouco elaborados. Para além disso, não senti que a mecânica principal da plataforma fosse tão bem explorada na segunda metade do jogo como na primeira – um defeito que se torna mais berrante (no sentido em que nos põe aos berros) no último boss cujos ataques se resumem a um padrão de 4 ou 5 golpes enquanto repete o mesmo diálogo a cada nova tentativa. É uma pena, pois os outros dois bosses têm muito mais criatividade e talento nos seus níveis. De qualquer modo, os criadores já anunciaram que irão lançar um patch com o ultimo boss retrabalhado.

Light Fall faz um bom trabalho em se tornar mais acessível a um nicho de jogadores, pois existe um modo dedicado aos speedrunners(…)

Gostava de poder dizer que o jogo vale pela sua história. No entanto, tal como a jogabilidade, esta também é boa ao início mas tropeça no final. Somos uma divindade de um planeta chamado Numbra onde as pessoas louvam a noite como na Terra se louva o dia. A premissa é intrigante o suficiente para tolerarmos o cliché de sermos o escolhido para salvar o mundo. Todavia, não tarda até descobrirmos que a maioria das personagens pouco ou nada fazem para enriquecer a história e o mistério que se cria em torno da figura antagónica não se traduz em algo substancial. O vilão, quando aparece, não causa impacto, porque os motivos dele são pouco claros e o reduzem ao habitual antagonista com sede de poder, sem justificar o seu interesse em aniquilar os nossos conterrâneos. Talvez a informação necessária esteja nos relatos do povo de Numbra – recompensas de vários desafios escondidos no jogo. Porém, concentram-se em “paredes de texto” que quebram o ritmo da experiência. Confesso que nem tive paciência para os ler, e é possível que oferecessem mais contexto sobre a história, mas este tipo de pormenores devia ser algo que acrescentasse à narrativa e não algo essencial. No meio disto tudo, a personagem mais interessante é o mocho narrador. Provavelmente já adivinharam que se trata de um velho sábio; tem uma voz de leitor de livros infantis que nos embala nas primeiras cutscenes e nos cansa nas restantes. Estas revelam um trabalho artístico competente e mostram o quão apaixonados os criadores estão pelo seu primeiro jogo. Por outro lado, a música não podia soar mais genérica. Os efeitos sonoros afogam-se no meio da orquestra e, por vezes, criam uma cacofonia desconfortável. Numa ocasião em que baixei o volume das vozes, o som rasgou-se por completo, o que me obrigou a reiniciar o jogo.

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Apesar de tudo, como disse, o jogo merece algum mérito. O seu potencial é notável quando a mecânica principal é bem trabalhada e há vários momentos em que isso acontece, mas estes apenas constituem, aproximadamente, metade da experiência. É certo que podia ter sido algo realmente memorável, especialmente quando alguns bosses estão tão bem executados. Infelizmente, as expectativas que a primeira metade cria não são correspondidas pela segunda, tanto pela narrativa como pela jogabilidade – o resultado final não me marcou tanto quanto queria, não só por causa disto mas também pela falta de um soundtrack e direcção artística originais. Não o considero um mau jogo, mas percebe-se onde podia melhorar. Ainda assim, Light Fall faz um bom trabalho em se tornar mais acessível a um nicho de jogadores, pois existe um modo dedicado aos speedrunners que nos permite repetir os níveis com um contador e correr contra os melhores tempos nas leaderboards. Por essa razão, consigo recomendá-lo a alguns fãs do género de platformers que estejam à procura de um desafio diferente e uma mecânica original, mesmo não sendo inteiramente bem aproveitada.



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